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sábado, 12 de janeiro de 2013

Editoria Jornalismo na Correnteza

O mundo que não se revela a quem olha de fora
Uma jornalista às voltas com o serviço social: encantamento e vertigem




 Ana Lúcia Vaz*


Desde junho, trabalho como jornalista no Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro. Minha responsabilidade principal é atualizar o site e produzir as matérias para a revista PRAXIS. Neste pouco tempo, já pude participar de alguns eventos e debates significativos da categoria, como o Encontro Nacional do Conjunto CFESS/CRESS.

Há sempre, nesses encontros, um sentimento ambíguo, de reconhecimento e estranhamento. Em alguns momentos, me sinto revivendo a militância estudantil dos anos 80. Em outros, recapitulo experiências dos quase dez anos de imprensa sindical.

Atualmente, estou mais envolvida com lideranças de movimentos sociais de favela e ocupação urbana. São pessoas que trazem questões bem concretas da vida, do mundo que pouco enxergo com meus próprios olhos. Ainda assim, ouvir assistentes sociais tem sido uma experiência única para conhecer aspectos, em geral invisíveis, do mundo ao meu redor.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Editoria Estranha Semelhança com a Utopia

É possível uma sociedade sem prisões?



Jefferson Lee de Souza Ruiz*

Eis uma pergunta que, há tempos, não quer calar em minhas reflexões. Tenho acompanhado debates diversos acerca de como lidamos com o tema.

Num deles, em ótima contribuição, o professor Ignácio Cano, da UERJ, provocou os presentes a um debate a pensar se realmente somos contra uma "sociedade penal" (ou um "Estado penal"). Pena, dizia ele, faz parte de nossas vidas. Pensemos em como agimos quando uma criança "faz birra". Ou quando um aluno não produz o necessário em um semestre, ou mesmo faz "cópia e colagem" na internet para os trabalhos que entrega a seus professores. Ou, ainda, quando alguém fere o código de ética de uma determinada profissão, trazendo prejuízos a quem recebe os serviços prestados por aquele profissional. Podemos dar outros nomes, mas definimos "penas" a serem impostas ou cumpridas por estas pessoas.

Mas há uma distância enorme entre pena e prisão. Parece-me que esta, inequivocamente, é uma associação muito perversa, que não contribui para pensarmos o que há por detrás do discurso que alimenta a ampliação do sistema prisional mundo afora. No mundo todo tem crescido a defesa de um "Estado prisional" - já denunciado por diversos militantes e pesquisadores, como o colega Marcelo Freixo, com dados a respeito que chegaram ao filme Tropa de Elite 2.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Estou aqui de passagem*
Os sem-domicílio fixo (SDF) na região parisiense

                                           Foto de divulgação do filme Os Amantes da Pont Neuf


“vazio agudo
ando meio
cheio de tudo”


PAULO LEMINSKI

 
Mione Sales*


Acaba de ser divulgada uma pesquisa sobre a população de rua na Île de France, que engloba a região parisiense. Ela vem confirmar e desmentir alguns clichês sobre as ditas pessoas sem-domicílio fixo (SDF). Uma informação que chamaria atenção de um leitor brasileiro é o fato de não ter crianças na rua, salvo excepcionalmente em grupos de famílias ciganas, mas que circulam esporadicamente sobretudo em trens e metrôs para pedir esmola. Por vezes, pais ou mães de origem árabe também pedem esmola nas escadarias internas do metrô com uma criança ao colo. Na verdade, eles não pedem, apenas estendem as mãos em atitude de súplica. Pela presença da criança ou pela postura corporal submissa e destituída de direitos, pois são forçosamente imigrantes ilegais, essa imagem choca.

No entanto, nos meus sete anos de Paris, fui me habituando a ver muitos idosos, pessoas alcoolizadas, homens e mulheres negros, africanos ou das Antilhas, com distúrbios psiquiátricos, e também uma expressiva massa de homens imigrantes do Leste Europeu e de outros países em conflito. Nas ruas, encontramos ainda punks e seus cães, um fenômeno mais cultural que social, mas que se integra à paisagem de bancos de praças, jardins públicos, calçadas e caniveau (sarjeta).

Ao longo desses anos, a crise social e econômica se intensificou, o que repercutiu duramente sobre o financiamento das políticas sociais e sobre as ajudas sociais às associações célebres na ajuda aos sem-abrigo, como o Restaurante do Coração e a Fundação Abbé Pierre.

Dois filmes franceses contribuem para que se tenha uma ideia do que significa morar na rua numa metrópole como Paris: um lendário é Os Amantes da Ponte Neuf (1988), filme com Juliette Binoche, tão duro quanto lindo. Como se trata de uma película do final do anos 80, encontra-se um pouco defasado, no entanto vale a pena ser visto pelo ângulo complexo, trágico e amoroso dos casais que compartilham a rua e que nem sempre as pudicas pesquisas demográficas enxergam em sua contagem individual. Um mais recente, La Faute à Voltaire (2001), do diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, na verdade, fala dos trabalhadores de rua, no caso vendedores de rosas, muitos dos quais imigrantes ilegais, mas que têm acesso aos abrigos da prefeitura. Ele oferece um painel bem atualizado desta modalidade de alojamento social e suas contradições, por meio de seus personagens de origem tunisiana.

Traduzimos abaixo uma pequena matéria publicada no Jornal Metro Paris, da última quinta-feira, 27 de outubro, especialmente para os nossos blog-leitores. Vale a pena depois comparar os dados da pesquisa francesa com as questões apresentadas pela assistente social Hilda Corrêa Oliveira, em entrevista a este blog, na sessão 5 Dedos de Prosa (24/08/2011), sobre a população em situação de rua fluminense.

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Um basta nos clichês sobre os sem-abrigo


PESQUISA   Segundo um estudo, a maioria dos sem-domicílio fixo da Île de France não apresenta problemas psiquiátricos graves. Esquizofrenia e depressões severas são, todavia, sobrerepresentadas.

                                                 Foto: Mione Sales


O estereótipo do sem-abrigo alcoolizado e louco é antigo. No entanto, um estudo sem precedente apresentado quarta-feira pelo INSERM (Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica) e pelo Observatório do SAMU Social de Paris obriga a rever certos preconceitos. O documento é o resultado de uma enquete de grande fôlego sobre a saúde mental de 859 sem-abrigos da região Ile de France, entre fevereiro e abril de 2009.

É verdade que 21.176 pessoas, ou seja, um terço desta população da Região, estão afetadas por problemas psiquiátricos graves. Uma porcentagem três ou cinco vezes mais alta que aquela observada na população total. Os problemas psicóticos (13%, dentre os quais 8% de esquizofrênicos), os distúrbios de ansiedade (12%) e as depressões graves (7%) são as principais incidências. «Nestes casos, a doença constitui um elemento anterior à perda de alojamento», indica Pierre Chauvin, epidemiologista do Inserm.  Segundo Marie-Jeanne Guedj, psiquiatra do centro hospitalar Sainte-Anne, «a esquizofrenia é dez vezes mais presente entre os sem-domicílio fixo» e gera uma espécie de «aposentadoria social», o que acelera a passagem para a rua. Além do mais, um terço dos sem-abrigos consome regularmente substâncias psicoativas, essencialmente tabaco (53%), álcool (21%) e maconha (16%).

Mas dois terços dos SDF, ou seja, a maioria distingue-se muito pouco da população em geral. Contrariamente aos sem-abrigo que sofrem de problemas psiquiátricos graves, esta maioria não conheceu muitas experiências de fugas, violências sexuais, conflitos entre pais e problemas de alojamento na sua juventude. « Neste caso, os problemas depressivos e as adicções são essencialmente consequência de uma vida sem-domicílio fixo », conclui Pierre Chauvin.

O estudo precisa ainda que, entre os sem-abrigos de 18 a 25 anos, as mulheres são maioria, 91%  têm pelo menos um nível de escolaridade secundário, e mais de dois terços nasceram na França. Entre esses jovens,  aproximadamente 40% apresentam problemas psiquiátricos graves, um entre cinco sofrem de dependência ao álcool, e um quarto consome maconha regularmente.

[Fonte : Michelon, Vincent. http://www.metrofrance.com/]
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Mione Sales – é professora e pesquisadora de Serviço Social (FSS/Uerj). Doutora em Sociologia (USP), têm diálogos fecundos com a Comunicação, Antropologia, Filosofia e Literatura. Contato: mionesales@ gmail.com


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  • Verso da canção  « Eu não sou da sua rua », de Arnaldo Antunes e Branco Mello,  mais conhecida na voz de Marisa Monte.
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Links
[Resto du cœur]

http://www.fondation-abbe-pierre.fr/
[Fundação Abbé Pierre]

[Site do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica]

[Site do SAMU Social de Paris]

[Matéria no jornal Le Monde sobre a pesquisa do INSERM]

[clip 1 dos Amantes da Ponte Neuf]

[clip 2 dos Amantes da Ponte Neuf]

[Rita Mitsouko, da trilha sonora dos Amantes da Ponte Neuf]

[Trailer 1  de Faute à Voltaire]

[Trailer 2  de Faute à Voltaire]

domingo, 19 de junho de 2011

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Visibilidade e organização dos assistentes sociais na França



Mione Sales*
Apresentação/ tradução


Os assistentes sociais franceses estão determinados a mudar o seu estatuto em 2011. Na última quinta-feira, foi realizado o terceiro dia de luta nacional, depois das manifestações de 16 de março e 7 de abril. A iniciativa é das organizações sindicais e profissionais como a Associação Nacional dos Assistentes de Serviço Social (ANAS), juntamente com a organização dos Educadores Especializados (ONES), mais a Federação dos Conselheiros em Economia Social e Familiar (FCESF), com apoio ainda de sindicatos gerais da categoria.

Eles reivindicam que o curso de Serviço Social seja reconhecido como nível superior (Bac+ 3) e ganhe também uma inscrição no nível 6 da Comunidade Econômica Europeia, pela instância que regula os diplomas, conforme os parâmetros estabelecidos em Dublin. Para tanto, eles encaminharam uma petição aos organismos e autoridades responsáveis. Trata-se, porém, de uma realidade que não é universal, pois já há, na França, inclusive cursos de Mestrado em Serviço Social (CNAM) e projetos de organização de doutorado. No entanto, é forte a tensão também com a Sociologia que quer continuar à frente do ensino. (Ver link do artigo de Elisabeth Dugué).

Nesta última quinta-feira (16 de junho), a categoria conseguiu que fosse publicada uma pequena reportagem sobre um assistente social em um dos jornais distribuídos durante a semana nos metrôs parisienses, o 20 minutes. Pode-se considerar como um ponto importante na visibilidade da profissão, que também deve ter seus direitos assegurados.

Convidamos os blog-leitores a lerem então a tradução da matéria que circulou nesta quinta e assim conhecerem um pouco melhor o cotidiano dos colegas assistentes sociais franceses.

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PerfilTrabalhadores sociais exigem revalorização

A MINHA VIDA DE ASSISTENTE SOCIAL

                                                 Foto: 20 minutes

Como os trabalhadores sociais fazem uma manifestação hoje (quinta-feira passada, 16/06/2011), 20 minutes acompanhou ontem o assistente social Nicolas Lefebvre - em Paris há cinco anos. Como todos os dias, ele chega às 8:30 no serviço de assistência social à infância da região parisiense que vai da Bastilha à Porta de Vincennes (12ème arrondissement). Já tem quinze recados o esperando. Situações mais ou menos urgentes. « Saber fazer uma triagem faz parte do trabalho », suspira o assistente social de 38 anos. Impossível atender tudo. Na sua equipe, cada profissional pode acompanhar até 32 crianças em situação de proteção social, de 0 a 21 anos.


Jornada sobrecarregada

sábado, 11 de junho de 2011

Editoria Equipe do Blog Mídia e Questão Social

Saída pela esquerda

Uma homenagem do Blog Mídia e Questão Social a uma mulher à frente do seu tempo



 Foto: Jacqueline Beaulieu


“Um dia, os mais velhos não estarão mais por aqui. E será preciso
infelizmente decidirmos viver com os nossos contemporâneos.”

Patrick Modiano



O Blog Mídia e Questão Social está de luto. Jacqueline Beaulieu hoje segue por novos caminhos, certamente à esquerda em qualquer parte. Aos 86 anos, a jornalista francesa, comunista, judia não praticante e internacionalista, faleceu no último 31 de maio. Teve destaque como professora de jornalismo e membro do célebre jornal do Partido Comunista Francês, L’Humanité. Ser humano cheio de generosidade e disponibilidade intelectual, Jacqueline Beaulieu colaborou com a editoria Babel do Blog Mídia e Questão Social.

Queremos homenageá-la com o que ela sabia fazer de melhor : o jornalismo e suas polêmicas. Convidamos assim, vocês, blog-leitores, a revisitar o artigo “Muito barulho por nada », publicado em 27 de fevereiro de 2010, na Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta,o qual contou com a colaboração de Jacqueline. Sua participação traz a marca da vida, da política e da indignação que lhe eram peculiares. Em foco: uma polêmica na esquerda sobre o uso do veu, tendo como pano de fundo a França sarkozista obcecada pelo tema da identidade nacional.

Beaulieu compôs seu “olhar jornalístico” com o título “Os Hipócritas”.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Editoria Equipe Mídia e Questão Social

A gente quer viver a liberdade



« A gente quer valer nosso suor
A gente quer valer o nosso humor
(…) A gente quer é ter muita saúde
A gente quer viver a liberdade
A gente quer viver felicidade
(…) A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente que é ser um cidadão »
GONZAGUINHA


Inspiramo-nos em Gonzaguinha e Luis Fernando Veríssimo, reconhecido « artista do silêncio », para homenagear a experiência virtual da blogosfera que tem como mediação fundamental a imagem, é certo, mas sobretudo a palavra. Ficamos com ela, porque a compreendemos, à maneira de Joel Rufino dos Santos, como « a residência do ser ».
Por meio dela, entretecemos laços e também nós, comunicamo-nos, manifestamos muitas vezes nossa perplexidade face a certos horrores e absurdos da existência, como a criminalização sofrida pelos movimentos sociais como pauta permanente da grande mídia; ou ainda face à falta de futuro que assombra muitos subúrbios e periferias do Brasil e do mundo inteiro, onde a juventude é justamente o ouro escondido. Preocupa-nos a cada ano o aprofundamento do desencanto com a política, sobretudo com o que isso pode significar de ameaça à nossa dedicada e paciente construção da democracia.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

Em silêncio sob o fogo cruzado


                         Fonte: Google



Ana Lucia Vaz*


Domingo cheguei da Ilha Grande, após cinco dias de muita floresta, cachoeira, mar e amor em família. Voltava de alma lavada, de um verdadeiro retiro espiritual.

Foi pelo Facebook que fiz contato com os primeiros sinais da histeria que começava a dominar o Rio de Janeiro. Na quarta-feira, como a correnteza insistia, decidi circular pela internet atrás de entender o que realmente acontecia. Ou melhor, o que se dizia, sob pontos de vista diferentes.

O mantra da quarta-feira era “arrastões”, mas para minha felicidade, cheguei rápido numa entrevista do professor Inácio Cano, alertando para os excessos do espetáculo. Não houve arrastão, não dava pra ter tantas certezas quanto o governo do estado já garantia ter... Enfim, li e fui cuidar da minha vida, segura de que não era para embarcar na correnteza do medo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Editoria O Efeito Quixote

Notícias de um conflito urbano particular

Leandro Rocha*

Medo.

Essa é a palavra que mais ouço.
Nas ruas, na TV, no rádio...

Este parece ser o momento mais propício para que a “cultura do medo” ganhe espaço nas mentes e corações da população. O medo muda nossas rotinas, nos limita, impossibilita que avancemos... O medo paralisa e é assim que a cidade se encontra quando eu acordo para ir ao trabalho: paralisada com medo do que poderá acontecer no próximo segundo.

Ligo a televisão e fico atento a informações sobre as ações ocorridas no estado. Vejo os informes de ônibus e carros incendiados. Os trechos impedidos de trânsito se tornam a pauta do telejornal e o apresentador mostra sua indignação por uma opressão que secularmente atinge as comunidades menos abastadas ter se estendido a toda a cidade. Eu lamento que um espaço tão importante de expressão e informação seja ocupado por alguém que não possui a capacidade de entender que a covardia destes ataques é na verdade uma expressão da covardia e perversidade de um sistema de produção que oprime, explora e descarta pessoas. Lamento que as desigualdades sociais, inerentes ao modo capitalista de produção e potencializadas pelo abandono de um Estado neoliberal a determinados segmentos da população, sejam vistas apenas como uma questão de cunho policial, onde a força utilizada muitas vezes em substituição a várias políticas necessárias, mais pune aqueles que se encontram no lado mais fragilizado, do que busca a superação desta realidade.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Editoria Web@Tecno

                            
                                 Fotos Celular: Nelma Espíndola


“Da Janela Lateral”
De onde os bem-te-vis cantavam


Nelma Espíndola*


“Da janela lateral
Do quarto de dormir
Vejo uma igreja
Um sinal de glória
Vejo um muro branco
E um vôo, pássaro
Vejo uma grade
Um velho sinal...”

Fernando Brant/Lô Borges



A pré-invasão


Na última terça-feira (23), não acordei ao som dos bem-te-vis que cantam abaixo de minha janela, solenemente pela manhã. O sol não veio forte. Pus-me a sair da cama, sem a quentura que me cobre o corpo sempre que ele nasce com vigor lá no horizonte. Nada disso! O dia amanheceu silencioso, nublado e tive de fazer um esforço a mais para me levantar, pois tinha um compromisso de trabalho na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

No trajeto para lá, na Av. dos Democráticos, presenciei com certo temor, o que seria o início das incursões das polícias civil e militar no decorrer da semana; nesse dia a favela de Manguinhos estava tendo a “visita” da Polícia Civil. Homens com armas em punho, adentrando pelas vielas, mulheres e crianças saindo delas. Na Av. dos Democráticos, o trânsito correndo, as calçadas com pessoas nos pontos de ônibus, mas o que tornava aquele quadro mais triste eram os fogos estourando no céu. Os passageiros do ônibus em que eu estava mostravam caras de apreensão e medo. Da janela do coletivo, avistava os mais expostos de sempre, dormindo nas calçadas, com seus lençóis sujos, aglutinados: crianças, adolescentes, jovens... Alguns com o corpo em meio ao lixo... Será que dá para dizer que são mesmo “invisíveis”? São os habitantes da Cracolândia, que se estende até a entrada da Favela do Jacarezinho, o Point do Crack.


Meu retorno à tarde para casa foi tranquilo. Vim como todos os dias de trem, depois de ir da Estação da Mangueira até a Central do Brasil e de lá para a Penha, bairro que faz parte da minha história de vida. Local pelo qual tenho amor. Nesse trajeto, acompanhada de duas outras amigas assistentes sociais, falávamos sobre as desigualdades sociais, a má distribuição de renda e o esforço louco visto e vivido cotidianamente por “nós”, trabalhadores usuários dos trens, nas correias de ocupação de cada composição, para ir para casa sentados... Com um detalhe: os trens mais velhos e menos confortáveis são aqueles disponibilizados para os usuários da Baixada Fluminense!

sábado, 30 de outubro de 2010

Editoria Caleidoscópio Baiano

SÉRIE MÍDIA E ELEIÇÕES - SEGUNDO TURNO PRESIDENCIAL

Hoje, publicamos o último artigo da série a poucas horas do resultado final das Eleições Presidenciais 2010. Ele traz o testemunho da responsável pela editoria Caleidoscópio Baiano, Claudia Correia, sobre conjuntura política, da qual viveu até hoje. Para ela “Política passa por nós, por nossa identidade, sonhos, projetos.”

Muitas análises foram feitas em profundidade pelos outros articulistas, como expressou entre os blog-amigos. Assim, optou pelo resgate da Política do cotidiano, das nossas impressões, sentimentos e vivências, que são muito importantes, para a construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero.

Seu voto é por Dilma Rousseff e ela explicita o porquê de sua opção.


Um abraço,

Equipe Blog Mídia e Questão Social
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Papo de mesa de bar sobre Política


Claudia Correia *


Sempre me identifiquei com a Política. Desde muito cedo percebi que ela está inteiramente vinculada à nossa vida, em todos os níveis das nossas relações porque vivemos com base em pactos, acordos onde os interesses em conflito devem ser explicitados. Neste território de contraditórios, aprendemos desde criança que o mundo é feito de gente diferente, tratada como desigual pelas instituições, e de muitas contradições. Através da Política percebemos o nosso papel na sociedade, o nosso lugar neste mundo de diversidades e de desigualdades e principalmente a importância de lutarmos por princípios caros como Liberdade, Justiça, Igualdade, Democracia e tantos outros. Descobrimos cedo que o Estado Democrático de Direitos custa muito para ser conquistado e que as grandes revoluções passam por processos de educação e por todos os espaços de sociabilidade.

Na Política temos um campo fértil para reflexões e práticas de atores sociais. Mas, precisamos entrar em cena para, com coerência, desempenhar o papel desse personagem , o “ser político”, mediador, articulador, negociador, líder de processos de transformação, incluindo todos os estilos, dos mais autoritários aos mais democráticos.

Sempre desconfiei de quem diz que não é político e só atua como técnico ou observador da cena social, que abomina a política, que vota nulo ou que torce lado a lado com a turma do “quanto pior, melhor”. Tenho muitos amigos que se dizem anarquistas, outros que votam nulo para protestar, “marcar posição” e conheço bem tantas outras expressões de participação política. Quem escolhe o Serviço Social e o Jornalismo como eu não pode assistir da janela a vida passar.

Política é tema para mesa de bar, auditórios acadêmicos, cama de casal ( e de solteiro, incluindo motel e festa), sindicatos, ambientes de trabalho, escola e todos os espaços de reflexão sobre nossos projetos de vida e sobre os projetos societários. O projeto ético-político-profissional do Serviço Social aponta para uma sociedade sem exploração ou dominação de qualquer natureza e ao lutar por esta utopia assumimos a dimensão política de nossa presença neste mundo que globaliza a pobreza e privatiza os direitos sociais.

Tenho dúvida se a eleição é a verdadeira festa da Democracia, clichê muito usado na mídia oficial. Nem sei se o voto devia ser obrigatório ou facultativo como em alguns países. Só sei que adoro votar em qualquer circunstância, sempre escolhendo quem me (nos) represente melhor, simbolize princípios caros, que sempre defendi. Já atuei de mesária e presidente em seções eleitorais com o maior gosto, apesar do domingo de sol convidar para uma praia regada a acarajé e cerveja....

A Política está no nosso cotidiano, o funcionamento das instâncias de governo afeta diretamente nossas vidas, os direitos só são conquistados com pressão e engajamento coletivo, a gestão pública pode e deve ser participativa, o “festejado” orçamento participativo e os conselhos de direitos podem representar avanços. Enfim, não dá para se excluir da discussão provocada pelo processo eleitoral já que está em jogo modelos de governar, princípios éticos, métodos administrativos e acima de tudo projetos societários.

Desde estudante, na década de 80, procuro participar de debates, me envolver, conhecer teses e projetos de grupos distintos. Nesta fase tive pavor de partido político, considerava um atraso e não compreendia bem o “fogo amigo”, as diversas facções em disputas internas e nunca tolerei aparelhamento de entidades sindicais ou sociais por partidos políticos de qualquer tipo. Militei em uma organização não governamental – Associação Nacional de Ação Indigenista logo que entrei para os cursos de Serviço Social (UCSal) e Psicologia (UFBa). O contato com o trabalho de Educação Popular inspirado na obra de Paulo Freire e a atuação com as comunidades indígenas Kiriri, Pankararé e Pataxó, na Bahia me fizeram optar pelo Serviço Social. Estas questões ligadas à Reforma Agrária e a Política Indigenista passaram a ser um dos critérios para meu posicionamento político nos processos eleitorais de lá para cá.

Já profissional, em 1984 passei a me interessar mais por Política, passei a atuar na Câmara Municipal de Salvador e conviver de perto com os bastidores do jogo partidário, a elaboração das leis, a força da pressão popular por leis que atendam às demandas populares. Em 1992 conheci o então vereador Walter Pinheiro, que presidiu a Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara, através da qual conquistamos muitos avanços em Salvador na ampliação de direitos, na criação de serviços de assistência à mulher e no aperfeiçoamento de leis. Pinheiro (PT) cumpriu 4 mandatos de deputado federal pelo PT e acaba de se eleger senador com 3.630.944 votos juntamente com Lídice da Mata (PSB), a primeira mulher senadora da Bahia, prefeita de Salvador quando ele era vereador. Nesta fase, mudei minha concepção sobre partidos políticos e intensifiquei minha militância política, enriquecida com a experiência à frente do Conselho Regional de Serviço Social da Bahia (90-93) e do Conselho Federal de Serviço Social (93-96). Conheci a experiência da Prefeitura de Pintadas, no sertão baiano, liderada por Neusa Cadore (PT), hoje deputada estadual no segundo mandato. Tive a oportunidade de exercitar muitas das minhas reflexões no Mestrado em Planejamento Urbano (UFRJ) através dos avanços obtidos com a intensa participação da população deste município, premiado nacionalmente pelos serviços de excelência implantados e pelo impacto social.

Votei em Lula em todas as eleições. Nunca dependi da Política para sobreviver profissionalmente e cultivo meu senso crítico e minha independência diante de qualquer governo.

Em 1995 filiei-me ao Partido dos Trabalhadores, mas nunca tive uma participação muito atuante, reservando-me a uma discreta presença em defesa de teses e propostas técnicas para as Políticas Sociais, elaborando propostas de projeto de lei para criação de conselhos e fundos de assistência social, criança e adolescente. Procuro manter minha visão crítica, minha autonomia diante de grupos e tendências.

Nunca investi muito em minha formação política na perspectiva mais teórica, filosófica. Na hora do voto, sempre tentei ter coerência, analisar o cenário social e econômico mundial, nacional e local com cuidado, sob a ótica dos movimentos sociais.

Compreender as contradições presentes nos partidos e movimentos sociais me ajuda a quebrar a lógica maniqueísta que costuma se expressar no senso comum. Condeno a “demonização” dos movimentos sociais promovida por parte da mídia vendida ao sistema de poder dominante, mas não tolero o “endeusamento” de práticas sociais como se fossem dogmas. Tenho convicção que os dois governos Lula deixaram de agir efetivamente diante de questões prioritárias para o povo brasileiro. As Políticas Fundiária, Ambiental e Indigenista foram tímidas, com ações pontuais, de efeito midiático, mas não enfrentaram com determinação as forças políticas conservadoras, aliadas do patrimonialismo retrógrado que nos envergonha diante do mundo. O Estatuto da Igualdade Racial só foi aprovado devido à pressão dos movimentos organizados. Uma profunda sensação de frustração me abateu nesta eleição. Esperava mais do governo que ajudei a conquistar, apesar de reconhecer que os indicadores sociais demonstram os avanços obtidos.

Vejam abaixo o panfleto que compara as realizações dos governos FHC e Lula e que circula na internet.




O Sistema Único de Assistência Social – SUAS que conquistamos através da Lei Orgância da Assistência Social ainda não está plenamente implantado. Aliás, quando nossas entidades de assistentes sociais lutaram pela LOAS na década de 90, o maior opositor neste processo de negociação com o Congresso Nacional para a aprovação foi o então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Dá para confiar num líder de um partido que considera Assistência Social gasto supérfluo e que como um oportunista se diz pai do programa Bolsa Família?

Os dois governos Lula na minha visão avançaram no controle dos efeitos da crise econômica e na discussão sobre a Política Pública de Comunicação. Participei da Conferencia Nacional de Comunicação no ano passado e posso testemunhar o empenho do governo federal na aprovação de propostas historicamente defendidas pelos movimentos sociais, como o apoio às rádios comunitárias. Por outro lado, ainda não deram conta de temas urgentes que envolvem Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Transportes e Reforma Tributária.

No primeiro turno, motivada pela esperança de conquistar direitos não assegurados neste importante momento histórico da “Era Lula”, optei por Marina. Com o resultado divulgado, imediatamente defini pelo voto em Dilma e passei a acreditar que será a melhor opção na direção da consolidação democrática do país. Também me empolga a idéia de termos uma mulher presidente e a esperança de corrigirmos os rumos da Política de Assistência Social, ainda tímida. Mas o que me encoraja mesmo é sentir e ouvir quem faz campanha por Dilma com o coração e vivencia as transformações do Brasil, abrindo novas possibilidades de viver com dignidade.

Transcrevo as cartas que recebi por e-mail e guardei para conversar com os jovens que as escreveram, ligados ao Centro de Referência Integral de Adolescentes -CRIA onde trabalho agora. Lá encontro todos os dias, jovens, na maioria negros, que moram em bairros populares de Salvador e no semi-árido baiano que tecem suas vidas com muito mais fé no futuro, cheios de sonhos, usando a Arte-Educação como instrumento de afirmação de seus direitos. Eles bem sabem que o Brasil pós-Lula mudou e espero que Dilma possa ouvi-los também.

Amigos e amigas,


Amanhã viajo para votar na Zona 075, seção 039, do Grupo Escolar Góes Calmon no município de Santa Inês-BA, minha cidade natal.
Venho por meio deste instrumento pedir, no próximo dia 31, o voto em Dilma Rousseff, 13, a candidata que representa a continuação de um projeto iniciado pelo presidente Lula. Acredito muito que ela poderá fazer mais pelo Brasil. Tenho muita fé na continuidade de um governo que fez com que o equivalente à população da França pudesse sair de uma condição de miséria, tendo acesso a pelo menos 3 refeições por dia; acredito num governo que, com todas as críticas que se possa fazer a esse respeito, aumentou o poder de compra dos brasileiros e brasileiras; acredito num governo que criou vagas de empregos para o equivalente a uma população do Equador; que manteve uma política social necessária e que dialogou com diferentes campos da sociedade civil organizada - Associação de catadores de papel, Movimentos de trabalhadores rurais sem-terra, sem-teto, Sindicatos, entre outras. Sem contar os investimentos no ensino superior com o REUNI, a princípio mal interpretado por muitos, inclusive por mim; investimentos no ensino técnico com a agregação e ampliação dos antigos CEFET's, hoje IFET's; além de qualificar a estima da população que, hoje, acredita em seu país. E é por acreditar no Brasil e por não querer vê-lo perder tudo isso que votarei Dilma presidente 13.
Recomendo a todos que concordam comigo que escrevam a seus amigos e peçam o voto em Dilma 13, no próximo domingo.
Para o Brasil seguir mudando! É Dilma presidente!
É 13, confirma!
Beijo a todos e todas
Gessé Almeida Araújo, 22 anos,
o filho do oleiro Biminha e da professora Jaci.


Querid@s


Neste final de campanha meu coração de brasileiro, de artista, de educador e sonhador bate forte. Sinto isto porque olho para o caminho que eu e muitos amigas e amigos trilhamos. Caminhos cheios de sucessos, de oportunidades que, com certeza, foram possíveis por conta de uma nova organização que assumiu o nosso País em 2002. Estou falando do governo Lula, que foi feito por Lula e por uma grande equipe que esteve ao seu lado.

Como adolescente periférico parecia difícil terminar o segundo grau: Terminei!
Como jovem periférico parecia impossível ingressar e concluir uma universidade pública: ingressei e terminei!

Como jovem/adulto que sou hoje, as perspectivas de emprego, de qualidade de vida, de oportunidades eram muito poucas: hoje posso afirmar que estou cada vez mais conquistando espaços e contribuindo para a construção de uma nova sociedade.

O melhor de tudo é que este não é privilégio só meu. Posso fazer aqui uma lista de nomes de jovens/adultos que estão em ritmos parecidos com o meu. Gente, isto é política, isso é conjuntura de um País que mudou, que está mudando.

E posso falar também de adolescentes que encontro a cada dia, sonhando e vendo possibilidades aparecer. Ainda não é o ideal, mas é infinitamente melhor do que em outros tempos.

Eu estou escrevendo estas coisas porque, nestes dias, senti um frio na barriga só de pensar na possibilidade de interrupção deste processo. De ver tantas conquistas retrocederem, de imaginar que o Brasil pode caminhar numa direção onde, nós, os negros, periféricos, gays, nordestinos, mulheres, índios e minorias seremos descartados dos planos do planalto.

NÃO! NÓS NÃO PODEMOS FICAR CALADOS!

Quero convidar você a votar, mais do que em candidatos, votar num projeto de futuro para o nosso País.

Por isto, no dia 31, com coragem e sem dúvidas eu vou marcar 13!

Eu te convido a fazer o mesmo. Votar nulo neste momento é correr risco, é entregar o ouro, é fazer o jogo que a mídia suja quer. Eu sei que votar nulo é se posicionar, mas tenho certeza que neste momento não podemos ficar vulneráveis aos riscos de um grupo com intenções perverso.

Quero ainda te convidar a ver o link que segue aqui abaixo. Nele, Leonardo Boff, Chico Buarque, Marieta Severo, Marilena Chauí e tantas e tantos outros artistas e intelectuais se reuniram para dizer sim a Dilma. Eu me emocionei ouvindo Boff e quero que você tambem possa sentir e pensar sobre a nossa nação.



Forte abraço e confiante na vitória.

Bira Azevedo, 26 anos
Prof Teatro Casa do Sol
Coord. Arteducaçao Centro Educacional Santo Antonio/Obras Sociais Irmã Dulce
Coord. Comunicação da Rede Brasileira de Arteducadores (ABRA)
Coord. Comunicaçao da Associação Internacional de Teatro, Drama e Educação (IDEA)
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* Claudia Correia –Assistente social, jornalista, profª da ESSCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Contato: ccorreia6@yahoo.com.br.


Muitas análises foram feitas em profundidade pelos outros articulistas, como expressou entre os blog-amigos. Assim, optou por nos trazer o resgate da Política do cotidiano, das nossas impressões, sentimentos e vivências, que são muito importantes, para a construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero.

Seu voto é por Dilma Rousseff e ela explicita o porquê de sua opção.

Um abraço,

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Editoria Estranha Semelhança com a Utopia

SÉRIE MÍDIA E ELEIÇÕES - SEGUNDO TURNO PRESIDENCIAL

Neste novo artigo da série, Jefferson Ruiz continua sua análise e reflexão sobre o processo eleitoral de 2010. Em artigo postado no dia 03/10 já questionava "Que festa, que democracia?" estamos vivendo. Agora aponta algumas das razões pelas quais votará nulo no segundo turno, em concordância do nosso blog-amigo Ricardo Pereira. E sugere que as esquerdas debatam e defendam o voto facultativo no próximo período.


Um abraço,


Equipe Blog Mídia e Questão Social
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 Por que votamos?

Reflexões para antes, durante e depois do dia 31 de outubro de 2010


Jefferson Ruiz*


Fonte: blog moedeiro

Um segundo turno para não esquecer

Há algumas semanas parte dos brasileiros torcia por um segundo turno nas eleições. Muitos imaginavam (como dizia a Globo) que seria a chance de “conhecer melhor os candidatos e suas diferenças”. Doce ilusão. O segundo turno trouxe poucos, mas importantes resultados. Dilma fez movimentos à direita. Negou antigas convicções sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Comprometeu- se com setores religiosos a não contrariar, em sua eventual gestão, quaisquer valores defendidos pelas igrejas. Disputou com Serra o título de “candidato mais família” das eleições. Serra demonstrou o que é atualmente: a representação pública da direita brasileira. Aliou-se à TFP e a monarquistas (i). Utilizou imagens religiosas para ganhar votos. Expôs sua vida e a de sua esposa à execração pública. Simulou agressões, tratando como tolos os brasileiros, irritando inclusive jornalistas de sua principal defensora (ii), a Rede Globo de Televisão.

Difícil lembrar de tão baixo nível em eleições brasileiras. Houve ocasiões em que elas significaram momentos de educação política e de debate mínimo de ideias sobre a vida e o país. Em 2010 a democracia meramente eleitoral demonstrou todos os seus limites. Como está, deseduca. Esconde fatos e projetos atrás de números. Prioriza marketing e ilusões midiáticas em detrimento de propostas e de uma real preocupação com as questões fundamentais para nossas vidas.


Diferenças existem. São suficientes?

Os candidatos ao segundo turno não são iguais. Nem seus partidos. Nem suas histórias.

Serra reúne em torno de si o que há de mais conservador e autoritário na vida política nacional. Criminaliza os movimentos sociais. Mente descaradamente ao dizer que defende as empresas públicas nacionais. Quem imagina a possibilidade de uma sociedade com efetiva igualdade e justiça social jamais fará opção por sua candidatura. 



Fonte: jogo dos sete erros / google

Registrar esta diferença é fundamental. Há segmentos sociais e companheiros valiosíssimos que votarão em Dilma por conta do retrocesso que a eleição de Serra poderia significar em relação ao momento vivido pelo Brasil. Pode-se discordar desta tática. Contudo, não estou entre quem pensa que todos os que optam por este caminho capitulam às perspectivas pragmáticas e de gestão do capitalismo adotadas pelo PT. É preciso respeitar esta opção. Sem que isto signifique criar nuvens de poeira sobre realidades que não podem deixar de ser questionadas na vida política recente e atual em nosso país.

Várias questões nos são colocadas neste processo. Cito duas.

(a) As diferenças entre as candidaturas são suficientes para justificar nossa adesão, ainda que crítica?

(b) Embora evidente e historicamente minoritária, a opção por não votar em nenhum dos candidatos deve ser esvaziada de seu conteúdo?


Um governo “de todos” – mas mais de alguns que de outros

Parece ser fato que milhões de brasileiros têm, em 2010, condições melhores de vida que as que tinham sob as gestões do PSDB. Nas palavras do próprio presidente: comem carne mais vezes por semana; podem trocar (ou comprar pela primeira vez) suas televisões e geladeiras a prazo, sem fazer aumentar a inadimplência (cujos índices atuais são os mais baixos da história). Se isto pode ser chamado classe média é outra história...

O próprio presidente, porém, vaiado em carreata em Fortaleza há algumas semanas enquanto passava por bairros em que habitam os mais ricos da cidade, se surpreendeu. “Por que estão me vaiando, se nunca ganharam tanto quanto em nosso governo?”

A afirmação não é falsa. R$ 13 bilhões em 2009 foram investidos no Programa Bolsa Família, beneficiando 12,6 milhões de famílias brasileiras (iii) . Ao mesmo tempo, contudo:

. R$ 8 bilhões (iv) foram investidos apenas em propaganda em redes de televisão no primeiro semestre de 2009. Tais redes estão nas mãos de pouquíssimas famílias (certamente menos de uma dezena). O governo não mexeu nesta indecente concentração.



. R$ 380 bilhões (36% da renda brasileira) foram utilizados no mesmo ano para pagamento de dívidas públicas. Os beneficiários? Cerca de 20 mil investidores, que controlam 80% desta dívida. Movimentos sociais que questionam a dívida brasileira denunciam: há ilegalidades nos cálculos de seu montante. Ainda assim, o governo se nega (em nome de “governabilidade”) a auditar a dívida – conforme previsto, inclusive, pela Constituição Federal de 1988 (v).

. A desigualdade social do Brasil continua sendo uma das maiores do mundo. Somos a 7ª ou 8ª economia mundial. Mas apenas o 75º país em desenvolvimento humano (vi).

Não é à toa que para o famoso “mercado” tanto faz quem vença a eleição de domingo. Seus altos lucros e ganhos não serão comprometidos.


O presente constroi o futuro


Fonte: google

Um dos argumentos utilizados por companheiros que defendem o voto crítico em Dilma é que não se faz política sem diálogo com a vida real, com o quotidiano, com o momento vivenciado pelo país e pela população. Até aqui não há divergência. Contudo, é possível, analisando a mesma realidade, adotar distintos caminhos – sem que um seja menos ou mais legítimo que os demais.

Fato é que as atitudes que tomamos no momento em que vivemos não têm apenas repercussões imediatas. Parte de seus impactos permanece ano após ano, potencializando ou reduzindo as possibilidades futuras de construção de uma sociedade justa. Vejamos alguns exemplos.


Conceito de ética: redução petista

1992. Milhões de brasileiros estão nas ruas. Questionam o presidente que, eleito como “caçador de marajás”, seria cassado por denúncias de corrupção. Nos movimentos sociais um debate se aquece. A corrupção é apenas uma questão de honestidade? Há ou não, na forma como a democracia liberal se organiza, um prato feito para práticas lesivas ao Estado? Trata-se de um fenômeno brasileiro? Ou Europa e África, Ocidente e Oriente também convivem com desvios de verbas públicas para interesses particulares?


Manifestação na Av. Rio Branco (RJ) – fonte: google

O PT e partidos aliados, majoritariamente, fazem sua opção. A “ética na política”, não mais um modelo alternativo de sociedade, passa a ser o carro-chefe no discurso petista. Ética é reduzida a honestidade. Dimensão que deveria ser cobrada e cumprida por todos aqueles que ocupam cargos públicos passa a ser o diferencial para o voto da maioria da população. O discurso rebaixado se instala e permanece: “a corrupção e a impunidade (vii) são o mal do país”.

Que contribuição isso tem para a polarização das atuais eleições entre os menos desonestos de cada lado? “Diga-me com quem anda e te digo quem és” diferencia as atuais candidaturas? Que responsabilidade o discurso moralista da política feito por estes setores da “esquerda” tem no atual quadro nacional?


Mídia conservadora: o papel do atual governo

Lula e o PT sempre questionaram a forma como eram distribuídas concessões de rádios e televisões no Brasil. Ao longo de suas gestões, no entanto, mudaram-se os beneficiários, não o método. Já não são coroneis nordestinos e de outros Estados. Desta vez, são igrejas – católicas e evangélicas (viii).

Que parcela de responsabilidade esta medida tem em relação ao retorno do discurso religioso para as eleições? Que contribuição trouxe para deslegitimar o caráter laico do Estado?


Fonte: carlosalmo.blogspot.com


Registre-se: nenhuma revisão de concessão foi feita pelo atual governo. Não por falta de vontade política, mas por deliberação, pragmática e calculada. Visa garantir apoio ao governo e resultados eleitorais. Como no caso da dívida pública, rever concessões não seria revolucionário. A medida é prevista pela Constituição.


São Paulo: 16 anos de PSDB

Seguidas eleições paulistas (para o governo do Estado) e paulistanas (para sua capital). “Opções” de segundo turno se colocam à população: Covas X Maluf; FHC X Jânio; Fleury X Maluf.

Desespero. “Como permitir tamanho conservadorismo? Não é melhor votar no ‘mal menor’?”

Resultados: 16 anos de governo tucano. Credenciamento de “democratas” (curioso que este seja o atual nome do antigo PFL...) para disputas nacionais contra projetos que se dizem “democrático-populares”.

As decisões que tomamos hoje não têm apenas efeito imediato. Esta dimensão da política também não pode ser jogada às traças.


Razões para a decisão do meu voto

A série do blog sobre o segundo turno presidencial fez com que nossos articulistas dividissem com os leitores aspectos de suas vidas pessoais – especialmente sua militância e dedicação por aquilo em que acreditavam. Não vou fugir ao script. Votar não envolve apenas cálculo racional. Há história, emoções, sonhos, decepções, e também análise e cálculo conjuntural, em cada militante que decide votar neste ou naquele candidato, neste ou naquele programa político.

Mês passado, em um debate sobre o movimento sindical em Campinas (SP) fui lembrado por um companheiro de que tenho algum nível de militância social desde por volta dos 12 anos de idade. À época, participante da Comunidade Eclesial de Base do Jardim São Vicente, adepta da Teologia da Libertação, tocava violão em uma paralisação da rodovia Campinas-Valinhos. Centenas de moradores reivindicávamos a construção de uma passarela. Lembrei-me: o que me motivava era a morte de um colega de sala, atropelado na mesma pista cujo tráfego interrompíamos para a missa e a manifestação popular.

Seguiram-se diferentes militâncias. Pastoral da Juventude; Associação de Moradores; Movimento Popular de Saúde; Movimento Sindical; Partido Político; Teatro Popular. São mais de três décadas de passos que muito me ensinaram e dos quais muito me orgulho. De aprendizado com inúmeros companheiros de luta. De desafios, emoções, decepções e sonhos construídos quotidianamente.

Neste processo aprendi a votar em projetos, não em candidatos. Óbvio: estas dimensões se misturam. Se elas se punham em conflito, o que me guiava era o que se anunciava de programa para o futuro.

Foi assim que meu último voto tranquilo em Lula foi para as eleições presidenciais de 1998. Em 2002, já fora do PT (a “gota d´água” foi a aliança eleitoral com o PL, do “boa-praça”, mas liberal vice-presidente Alencar), tapei o nariz e optei por Lula no primeiro turno. Após a “Carta aos Brasileiros”, no entanto, meu voto já foi nulo no segundo turno. A conjunção da aliança eleitoral, do pragmatismo dos governos estaduais e municipais petistas e das promessas de sossego ao “mercado” anunciava o que viria pela frente. O programa para as eleições presidenciais já não era o que eu acreditava. Não votei no “mal menor”.


Fonte: emule.com.br

Estive nas comemorações da Cinelândia, já relatadas por Ana Lúcia, Ricardo e Mione nos artigos anteriores. Dividi com dois companheiros, numa mesa do Amarelinho, o turbilhão interno que me angustiava a ponto de doer. Ali havia, certamente, uma conquista de anos de lutas e dedicação de milhões de brasileiros e militantes, socialistas (como nós) ou não. Ao mesmo tempo, se anunciava o maior desafio histórico do último período para a esquerda revolucionária no país. Tudo indicava que o Brasil conheceria a versão reformulada do PT. Do programa radical (que questiona as raízes das desigualdades e das injustiças sociais) à pactuação com o capital. Da mobilização e apoio às reivindicações dos movimentos sociais (qualquer que fosse o governo) a sua cooptação e retirada de muitas lideranças para esferas da gestão estatal. Ainda que experiências anteriores (ver Allende no Chile e Mandela na África do Sul) já apontassem para os equívocos destas opções. Como bom brasileiro, naquele dia a angústia acabou em cerveja e samba, mas também em bexigas (ou balões, como se diz no Rio) vermelhas, para demarcar o que e por que comemorávamos.
Infelizmente, aquela sensação (que também misturava imensa emoção e análise concreta, calculista e calculada da conjuntura) teve como decorrência o pior dos dois quadros. O Brasil melhoraria em relação aos governos anteriores. Mas dificultaria, sobremaneira, por ação do partido que foi um dos principais atores sociais das mobilizações populares das décadas de 70 a 90, as condições objetivas de derrota da organização capitalista e de construção de alternativas de efetiva igualdade no país.

Voto nulo, como posição política consciente
Relatos do ato público realizado nos últimos dias na Universidade de São Paulo, de apoio a Dilma, com mais de mil pessoas presentes, dizem que o eixo central foi a crítica aos que pretendem votar nulo (ix) .
Não me surpreende. Há tempos, como nos alertaram Mione e Ana Lúcia, nossas polêmicas são “não diálogo” e desqualificação de interlocutores. Pode-se divergir. Mas não negar legitimidade às opções feitas, conscientemente, pelo voto crítico ou pelo voto nulo em situações como as que vivemos neste momento.
O voto em eleições não é, sozinho, o que define a conjuntura de cada país. Conferir-lhe esta força seria desconsiderar o que move a vida social: as mobilizações, as contradições entre classes e segmentos sociais, as lutas que elas viabilizam. Mas o voto, em determinadas conjunturas, tem importância política, conjuntural e histórica (x) . É processo, ao mesmo tempo, coletivo e pessoal.
A resposta à questão “Por que votamos?” é o que define nossa opção final. Ela será baseada nas análises conjunturais de cada organização e/ou militante, combinada com a articulação que, em cada momento, se faz com os passos que imaginam para a construção da sociedade futura. Dificilmente haverá consenso sobre o quanto cada alternativa reúne de equívocos ou acertos. O fundamental é manter o diálogo aberto. Tarefa para a qual nos propusemos no blog e que, penso, vimos conseguindo cumprir.

Fonte: google

No domingo, em nome da sociedade em que acredito e de como imagino chegar a ela, meu voto será nulo. 

Finalizando: a esquerda revolucionária e as eleições
Tenho acordo integral com a análise de Ricardo, em artigo aqui no blog, sobre o atual papel das eleições para as esquerdas anticapitalistas. Nossos investimentos, há tempos, já são desproporcionais (xi).
Penso ser possível e necessário sugerir mais duas reflexões neste campo. Uma delas Ricardo já adiantou: é preciso avaliar se nosso investimento (inclusive financeiro) não tem servido mais para legitimar a falsa democracia brasileira, ao invés de fortalecer as vias de construção de uma sociedade justa.
Quanto à segunda reflexão faço uma pequena distinção com este valioso companheiro de voto nas eleições deste ano. Não nos vejo mobilizados para promover boicote significativo ao processo eleitoral. Talvez o caminho seja pensar em como viabilizar processos educativos que desnudem massivamente o papel que as eleições vêm cumprindo nos últimos tempos no país.

Há deputados eleitos pela esquerda manifestando um possível caminho: o fim do voto obrigatório. Ele pode potencializar a relativa importância deste instrumento (que não tem sido, há tempos, “arma de luta dos trabalhadores”). Pode provocar os partidos (inclusive os de esquerda que persistem na aposta eleitoral como eixo central – embora neguem, quase todos o vêm fazendo) à tarefa de qualificar sua própria intervenção. Pode ajudar a população a reconhecer que, como estão, as eleições são instrumento de despolitização, não de educação e formação para o efetivo exercício de nosso papel de sujeitos sociais.

Jefferson Lee de Souza Ruiz é bacharel e mestrando em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Profissionalmente, atua como assessor político do Conselho Regional de Serviço Social do mesmo Estado. _______________________________________________

i.     Revista Isto É, edição de 27/10/2010.

i1.  Consultar www.conversaafiada.com.br

iii.  Os dados foram citados pelo colunista Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, em 03/10/10.
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iv.   O Globo, edição de 19/09/2010.


v.    Os dados são da Auditoria Cidadã da Dívida, que reúne vários movimentos sociais. Ela calcula a dívida pública brasileira atual em nada menos que R$ 2 trilhões.

vi.   Os dados estão no mesmo artigo de Clóvis Rossi.

vii.  A impunidade no Brasil tem cor e classe, como nos lembram Marcelo Freixo e o personagem nele inspirado para o filme Tropa de Elite 2. Um negro e/ou pobre que comete qualquer pequeno delito não fica impune. O mesmo não vale para outros extratos sociais.

viii. Cf. MAGALHÃES, L. A. A mídia, o medo e o governo Lula. In Revista Margem Esquerda nº 6. São Paulo: Boitempo.

ix.    O relato da reunião circulou na Rede Terceiro Setor.

x.     Não se deve desconsiderar, aliás, que o voto universal foi conquista de lutas populares.

xi.    É fato que colhemos alguns bons frutos. Em 2010, a reeleição de Marcelo Freixo para deputado estadual no Rio de Janeiro e a manutenção de bancadas, ainda que pequenas, mas críticas (à esquerda) aos rumos do Brasil são demonstrações disso. O mesmo não vale para a opção de lançar quatro pequenos candidatos às eleições presidenciais. Pior: a análise posterior nada revela de autocrítica deste processo. As eleições nos dividem, quando o essencial da crítica que cada candidatura apresentou à população não reúne diferenças de fundo entre nós.