terça-feira, 18 de outubro de 2011

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Não bula comigo*
Ou sobre a inocência cruel das criancinhas



                                                                                 Desenho: Agnes Chan

Mione Sales*

“Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem”.
CHICO BUARQUE


Pernambuco vem dedicando uma atenção especial aos direitos das crianças e adolescentes. Prova disso é o belo e criativo material da campanha Bons tratos, em que uma lindinha personagem morena, a Florisbela, sai plantando boas ideias e gestos por esses sertões afora de meu Deus. Os pernambucanos estão assim de parabéns. O trabalho de criação é coletivo, como nós aqui da Centopeia, mas tem ali um dedinho de uma assistente social, que agora também é « arteira »: Flávia Gomes. Ela e sua trupe comunicativa vêm contribuindo para pensar novas linguagens na difusão de uma reflexão cultural acerca do comportamento de todos e de cada um. Podemos, portanto, embasados em tais materiais didáticos críticos, nos ressituarmos frente às múltiplas refrações da questão social. O objetivo é romper com preconceitos e atitudes reiteradoras de velhos abismos produzidos socialmente: fome, pobreza e falta de alternativas.




Flavinha, como carinhosamente a chamam os mais próximos, também criou um blog Criar é caminho…, o que diz bastante de si e do que ela e seus parceiros vêm aprontando de bom por terras recifenses. Ali ela, dentre outros temas que vem tratando, assumiu o debate de um tópico que sacudiu recentemente a sociedade brasileira, com o trágico caso da Escola de Realengo (RJ): o bullying. Como não poderia deixar de ser, falou em primeira pessoa, comprovando a tese do psicólogo José Angelo Gaiarsa de que « quem não se envolve não se desenvolve ».

Convido a todos a irem visitar o blog pernambucano CRIAR É CAMINHO…, mas combinei com ela, depois de elogiar a iniciativa, de que responderia aqui na Volta do Mundo, à moda dos repentistas nordestinos. Na verdade, não tenciono responder, mas aquecer o debate em primeira pessoa, aproveitando para exorcizar um pouco os medos e desconfortos todos que nos assolaram quando crianças. Morreremos ambas, sem dúvida, mais leves.


Um verme passeia…*


« Mundo mundo vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima
não seria uma solução
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é o meu coração. »
CARLOS DRUMMOND



A imagem que atazanava a pequetita Flavia era o parentesco com o jumento e a rima com o seu sobrenome. Comigo, a associação partiu do meu nome. Mione, um nome incomum, provocava estranhamentos, sendo, assim, quase uma provocação em meio a tantas marias. Vemos quão difícil era e continua sendo o exercício do direito à diferença em diversas paragens. Na minha época de criança, nos anos 70, chic mesmo era se chamar márcia, adriana ou andréa. Só muito tempo depois é que viriam as carolinas e julianas. O leve bullying que me atingiu, principalmente junto à criançada da vizinhança, foi associarem o meu nome à « minhoca »**. Não fui a única criança brasileira a ser premiada com este tipo de apelidinho pejorativo, nem ali também, mas era tímida e depois dessa fiquei achando que qualquer pessoa poderia ligar o meu nome ao daquele bichinho lânguido e meio nojento…



 
O pior é que nunca tive um verdadeiro apelido para me proteger. Fui eu mesma que me atribuí o « Mimi », quando comecei a fazer movimento estudantil. Devia ter ares de adulta, pois nunca inspirei quando criança esta simpática abreviação. Foi somente lá pelos dezoito anos que ele pegou até chegar no sintético « Mi », que tanto gosto e que me traduz musicalmente. Aliás, alguém uma vez me falou de forma lisonjeira justamente isso: meu nome sugeria uma nota musical única, se pensado em inglês: « mi-one ». Belo consolo, embora tardio para quem teve que se esgueirar da proximidade do « mi » de minhoca e dele se desvencilhar infância afora…  

Eles passarão, eu passarinho*…



                                                               Albert Einstein


Agora vejam onde repousa a perversidade do bullying sobretudo para quem o vive verdadeiramente na pele, o que nem de longe foi o meu caso: esses apelidos não têm importância alguma. Passarão como tudo o mais passa. Como passa até a lembrança da maioria dos amiguinhos de classe de quem esquecemos não somente o nome, mas também o rosto. No entanto, naquela altura da vida, essas coisas têm um peso e uma gravidade que são quase páreo em importância aos assuntos da agenda nacional e internacional, só que, no caso, na esfera subjetiva: a impressionística mente de uma criança.

Depois de Freud, foi Cazuza quem, no Brasil, deu o primeiro passo na desmistificação do nonsense infantil, quando, com a mais absoluta clareza, referiu-se à « inocência cruel das criancinhas ». Quantos adultos, até hoje, não ficaram desconcertados por uma dose cavalar de honestidade dos pequeninos? Do mesmo modo, à sua maneira, estes últimos, na infância, por vezes também acertam os seus iguais. Como na vida adulta, alguns são mais talhados para bater, outros para levar. Uns falam mais, outros menos.


Não se perca de mim, não se esqueça de mim, não desapareça*


"A criança, nem submissa nem rebelde,
mas inocente e espontânea, fiel ao seu próprio ser"
OSHO.



E aproveito a digressão para relembrar e homenagear uma amiga de colégio que se perdeu literalmente no tempo. Ela se chamava Nazaré. Sequer sei o seu sobrenome. Nossa amizade aconteceu por volta da segunda ou terceira série do primário, quando sequer tinha me dado conta da importância do sobrenome, como referência fundamental. É bom porque posso falar carinhosamente dela como se se chamasse Maria.

Pois bem. Essa menina espontaneamente partilhava seu lanche comigo e por vezes pagava algo da cantina para mim. Eu era muito « dura », mas administrava com dignidade a minha escassez. Essa colega, no entanto, com muita sensibilidade exercitava comigo já, naquela altura, a arte da partilha. Nunca usou nem abusou desse gesto. Senti-me acolhida, percebida em minha necessidade e desejos habituais infantis, como um simples picolé, por exemplo. Grande pessoa a Nazaré. Tem tudo para ter se tornado uma adulta solidária, uma cidadã cearense de ótima monta.


Grandeza do ínfimo


De volta ao tema da provocação acerca do meu nome, consegui fazer as pazes com o dito animalzinho invertebrado e com a « minha criança », de várias maneiras. Adoro jardinagem e sei o quanto essas danadinhas são benéficas para a saúde da terra. Mas nem pensar em topar diretamente com uma delas. E talvez seja este um dos meus limites à prática da arte da pesca de anzol, hobby que tanto admiro por sua afinidade com o silêncio e a meditação filosófica. Não há como não pensar e pensar até que o peixe morda a isca: qual a espera por uma ideia ou uma invenção, que subitamente nos sacode e rompe com a monotonia e a falta de surpresa do cotidiano.

Agora o resgate total e a superação definitiva deu-se meio por acaso e graças ao concurso da arte. Leitora que era no Rio de Janeiro do Jornal do Brasil nos anos 90 não pude deixar de acompanhar as tirinhas do escritor Luís Fernando Veríssimo, em especial « As cobras ». Em meio a tantas, duas em particular fizeram parte da minha redenção, já adulta, agora com novos combates agregados: além da recusa de toda forma de discriminação, a crítica à vaidade do poder e do esnobismo político e intelectual - ambos infelizmente ainda atualíssimos.





Isso foi bem antes de conhecer a força poética de Manoel de Barros que convida a descobrirmos a grandeza do ínfimo em larvas e lesmas, numa aposta ética e estética contra a hiperbólica ode darwinista - animal e humana - ao mais forte, mais belo, muito visto e valorizado. Eis uma pequena mostra do poeta matogrossense, em O livro das ignorãças:

 Toda vez que encontro uma parede
                              ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das
      lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de
       mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
     não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.


Já desde « As cobras » do Veríssimo, ia eu me reconciliando, pois, com as minhas pequenas grandes virtudes: ajudar discretamente a arejar, a semear e a pescar. E a « criar caminho », como « canta lá » a nossa colega pernambuca! E eu « canto cá », inspirada em Patativa do Assaré e no poeta carioca Vinícius de Moraes. Como este último, « eu não ando só. Só ando em boa companhia »: nazarés, doras, lilis, irês, zâtis, flavinhas, grazielas, nelmas, nalus, jeffersons, paulinhos, márcias e muitos outros, que me acompanham, fecundam e florescem minha estrada.
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Mione Sales – é assistente social, doutora em Sociologia e professora de Serviço Social (FSS/Uerj). Em seu exílio (in)voluntário na França, tem cada vez mais se encantado com a língua-pátria: o português ou « o brasileiro », como sonhou Mário de Andrade.

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VOCABULÁRIO
* Verbo bulir – muito empregado no Nordeste do Brasil.
v.t. Agitar, mover, tocar levemente; mexer.
Fig. Bulir com, implicar com, caçoar de, mexer com: vive bulindo com os colegas.

** Minhoca – S. Verme anelídeo que cava pequenas galerias no solo úmido, de que se nutre, contribuindo para sua aeração e fertilidade. Possui em média 10 cm de comprimento.

CITAÇÃO
citação incidental de Mário Quintana, por meio de seu Poeminha do Contra: « Todos estes que estão aí atravancando o meu caminho. Eles passarão eu passarinho. »
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LINKS

http://www.bonstratos.org.br/
http://criarecaminho.blogspot.com/2011/08/apologia-ao-jumento.html?spref=fb
[Blog CRIAR É CAMINHO…]
http://www.youtube.com/watch?v=yMC8Wr8B7AQ&feature=related
[« Só as mães são felizes », Cazuza]
http://www.youtube.com/watch?v=shx82rjv2z4&feature=related
[“Ciranda da Bailarina”, com Adriana Calcanhoto. Desenhos e ilustração: Danilo Castro]
http://www.youtube.com/watch?v=MZYg1aGxOWA&feature=related
[« Flores Astrais », com Secos & Molhados]
http://www.youtube.com/watch?v=FH-LxGXklco
[« Chuva, Suor e Cerveja », com Caetano Veloso]

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Editoria Caleidoscopio Baiano

O Serviço Social na Educação

Claudia Correia*




No Brasil, toda vez que ocorre uma tragédia, explorada pela mídia sensacionalista, envolvendo os atores sociais do ambiente escolar e o contexto social em que se insere, o debate sobre a atuação do Serviço Social na Educação se fortalece. Não comungo da idéia que o trabalho social neste campo seja “o salvador da pátria”, capaz de operar milagres, humanizar relações, erradicar a violência. Nem em milagres acredito. Numa sociedade capitalista e complexa é arriscado reduzir tudo ao tecnicismo ingênuo. Prefiro apostar em processos sociais em que nós, assistentes sociais, traçamos estratégias políticas de intervenção profissional e buscamos alianças com movimentos sociais e categorias comprometidos com a defesa dos direitos , incluindo a educação de qualidade.

A inserção dos assistentes sociais na política pública de educação vem crescendo. Já existem projetos de lei tramitando na Assembléia Legislativa da Bahia e na Câmara Municipal de Salvador instituindo o Serviço Social na rede pública de ensino. Pelo país afora esta regulamentação legal vai ganhando corpo. A mobilização da categoria dos assistentes sociais em defesa destas iniciativas e os estudos acadêmicos sobre este campo de trabalho avançam.

Levantamentos da Comissão de Educação do Conselho Regional de Serviço Social CRESS/Bahia mostram que as Unidades de Formação Acadêmica estão empenhadas na dinamização curricular com esta temática em práticas de ensino, pesquisa e extensão. A intensificação das produções acadêmicas em termos da graduação e da pós-graduação marca um tempo de contribuição com as questões que desafiam a seguridade do direito à educação. Temos que ampliar o olhar sobre a inserção do Serviço Social na Educação para além das escolas de ensino fundamental. Ela está associada também à Educação Infantil, nas creches e escolas comunitárias, bem como no ensino técnico-profissionalizante e na Educação Superior. Daí dizer que lutamos pela inserção de assistente sociais nos diversos segmentos da política educacional pública, que tem como foco as expressões da questão social que interferem na aprendizagem, mas que a extrapolam no cotidiano das relações entre famílias e bairros.


Muito além da sala de aula

A complexidade da questão social retratada no cotidiano escolar exige uma intervenção articulada entre as políticas setoriais como a saúde, a assistência social, a cultura, o esporte e lazer e a segurança pública.

São muitos os casos de exploração e violência sexuais identificados a partir do comportamento das crianças na escola. A presença das drogas desafia educadores e governantes. O trabalho infantil reflete diretamente no rendimento do aluno. São dramáticos os índices de evasão: o último censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais mostrou que 15% dos jovens brasileiros deixaram o Ensino Médio em 2004, ou seja, 1,4 milhão de alunos matriculados que abandonaram a escola, além de 8% do Ensino Fundamental.

Educadores se empenham para compreender e mediar sozinhos as influências da dura realidade social sobre a comunidade escolar. Para atuar neste cenário temos que fortalecer as interfaces entre os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), as escolas, os Programas de Saúde da Família (PSF) e outros com foco nos direitos sociais.

Por isso, mais do que uma luta corporativista, esta valiosa presença dos assistentes sociais na política pública de educação deve ser defendida por toda a sociedade.

Para a professora Liane Monteiro(UCSal), autora da dissertação :“TRABALHO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA ESCOLA PARQUE DE SALVADOR :CONTRIBUIÇÕES PARA AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA, ESCOLA E COMUNIDADE NOS ANOS 2000” (Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania- UCSal) este trabalho tem como pano de fundo o direito à educação pública laica, de qualidade e universal, nas dimensões do acesso, da permanência e do êxito educacional. “Ainda que notemos a ampliação do acesso à educação no Brasil, o acirramento das condições de vulnerabilidade social entre famílias e territórios urbanos onde se inserem as escolas, desafia os gestores no cumprimento da função social da escola, como instância de proteção, buscando estratégias de permanência e êxito dos alunos. É neste sentido que a ação multidisciplinar envolvendo assistentes sociais e psicólogos contribui efetivamente para estudar e criar medidas protetivas ante as expressões das desigualdades sociais, que tem nas diversas formas de violências o seu ponto mais crítico, gerador de infrequência e evasão entre alunos e de adoecimento entre professores”, afirma ela.



O papel do conjunto CFESS/CRESS

O Serviço Social na Educação, sob orientações das diretrizes gerais debatidas junto ao Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e demais Conselhos Regionais deve levar em conta a escola e o espaço social a que pertence, a escola como instância de inclusão social e a escola como instância de organização social participativa.

No último encontro nacional o que aconteceu em setembro,em Brasília, promovido pelo CFESS observamos a forte tônica que a temática do direito à Educação ocupou nos quatro dias de encontro. A representação do GT Nacional Educação do CFESS foi trazida para a Bahia, como representante do Nordeste e vamos sediar em Alagoas, em 2012, o primeiro encontro nacional de Serviço Social na Educação. Os representantes regionais se reúnem agora para debater uma agenda de ações de publicização do documento “Subsídios para o debate do Serviço Social na Educação”, gerado a partir de pesquisa realizada pelo CFESS em todos os estados.

Você se interessa por este tema? Confira aqui a dissertação de Liane Monteiro, o documento do CFESS e o relatório do Encontro Nacional CFESS/CRESS (setembro, Brasília). Participe deste debate nos estados, nas Casas Legislativas e no conjunto CFESS/CRESS.


Dissertação de Tese de Liane Monteiro Santos Amaral:

Trabalhos de Assistentes Sociais na Escola Parque de Salvador
Contribuições para relações entre família, escola e comunidade nos Anos 2011












[Em breve será disponibilizanda]

Documento do CFESS:





















40º Encontro Nacional CFESS/CRESS













Relatório Final


* Claudia Correia, Assistente social, jornalista, profª da ESSCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Contato: ccorreia6@yahoo.com.br