sexta-feira, 6 de junho de 2014

Editoria Jornalismo na Correnteza - Ano 04

Desculpem, vou torcer pela seleção de futebol e pelas manifestações. Pode?







Por Ana Lucia Vaz*

“Eu peço que o pessoal esqueça um pouco... eu sei que é difícil, mas esqueça um pouco os problemas para participar da festa. Depois a gente volta a cobrar nossos direitos”, foi o apelo de Daniel Alves, ao final do jogo amistoso com o Panamá, dia 3 de junho. As palavras foram mais ou menos essas. Eu não estava preparada, não tinha papel, nem caneta, nem gravador na mão. Fui pega desprevenida pela fala direta, verdadeira e corajosa de um jogador, no meio da enxurrada de abobrinhas que costumam ser ditas durante uma partida.

São falas como essas que podem salvar nossa paixão nacional pelo futebol. Mas são tão raras! Estamos mais acostumados às demonstrações de falta de noção da realidade de Pelés e Ronaldos. Também nos habituamos ao vazio das falas de jornalistas bem treinados em ocupar horas de microfone sem dizer nada que possa desagradar a toda-poderosa Fifa. E ainda dizem que censura é coisa de governos. Como dizem meus alunos: “só que não”.






Antes que me apedrejem de um lado ou de outro, não concordo com Daniel Alves. Não dá pra esquecer os problemas. E acho que eles, lá nos bastidores da seleção, devem estar fazendo muito esforço pra isso. Com pouco resultado. Deu uma sensação estranha, de desconcerto, ver todos reunirem-se no centro do campo, ao final do jogo contra o Panamá. O locutor, claro, acostumado a conduzir a cerimônia de acordo com o protocolo, dizia que eles se reuniram para agradecer à platéia. Houve, é verdade, alguns jogadores aplaudindo a torcida. Mas, sei não, eles pareciam mais cobras sem veneno que jogadores que acabaram de vencer uma partida por 4 a 0. O que será que pensavam ou sentiam? Difícil saber. Eles vivem sob forte censura.






Talvez eu apenas tenha projetado naquelas imagens meu sentimento. Eu tinha cinco anos quando o Brasil foi tri-campeão. “Todos juntos vamos, pra frente Brasil” é uma música mais forte que “atirei o pau no gato” pra me lembrar minha infância. Soube cedo que, enquanto a seleção jogava, o governo torturava. Me tornei militante, fiz muita passeata contra a Ditadura. E nada disso abalou minha paixão por futebol. Por muito tempo, contei nos dedos os anos para a Copa do Mundo. Conhecia de cor a escalação da seleção brasileira e dia de jogo era dia de muita festa.
Com o tempo fui me desencantando um pouco. A vitória da seleção de resultados de 1994 deu um gosto de cabo de guarda-chuva na boca. A Copa perdida para a França, com um Ronaldo desnorteado e uma seleção totalmente apática em campo foi outro balde de água fria. Perder tudo bem. O problema foi a sensação de perder para Nike, ou para Adidas, ou sei lá... E o futebol foi perdendo um pouco do encanto, cada vez mais negócio, menos arte, mais publicidade, menos esporte.






Assim mesmo, juntar a família ou os amigos pra torcer juntos continua sendo uma festa impagável. Ai, falei a palavra errada! Na festa da Fifa tudo é pago!!! Este ano está difícil demais. Com tantos amigos perdendo suas casas, tantos alunos e amigos apanhando nas ruas por exigir saúde e educação. E isso tudo em nome da Copa? Pobre seleção, pobres jogadores cujo sonho de heroísmo virou anteparo para a ganância das mega corporações imobiliárias, de comunicação e de esporte.
Eu vou torcer para a seleção sim, Daniel Alves. Vou torcer porque é divertido. Porque gosto da festa do futebol. Mas vou torcer sem esquecer que a Fifa não está nem aí para o sonho de vocês e tenta matar os nossos. Sem esquecer que o futebol foi engolido pelo mercado.

Vou torcer porque estou cansada do debate polarizado que tomou conta das redes e das mídias em geral. O debate burro de marcação de posição, onde o que importa é descobrir, ou inventar, argumentos contra o outro. Neste debate burro, o futebol é o ópio do povo. De um lado, alguns torcem pela seleção para afirmar a Copa e apostar na “alegria” que vai acalmar o espírito do povo e isolar esses baderneiros que tomaram as ruas. De outro, os que torcem para que a seleção brasileira perca, apostando na mesma tese sobre o futebol. Uma tese velha e mofada, que acha que é preciso indignação e tristeza para fazer a revolução. Desta revolução amarga eu estou fora!

Pois eu quero que o Brasil seja campeão nesta Copa. E que a alegria da vitória no futebol esquente os tambores dos protestos e da esperança em um Brasil e um mundo melhor.

                




Para começar a juntar protestos com futebol, sugiro espalharmos a campanha: #liberdadedeexpressaonofutebol contra a censura imposta pela Fifa!

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* Ana Lucia Vaz, jornalista do Conselho Regional do Serviço Social do Rio de Janeiro (CRESS-RJ), mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net),  professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.


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