sexta-feira, 10 de maio de 2013

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta


Elas são muitas mulheres
O ACIRRAMENTO DA VIOLÊNCIA MACHISTA E O FIM DO SUPERHOMEM




“O problema são problemas demais
Se não correr atrás da maneira certa de solucionar.”
CHICO SCIENCE


Mione Sales*


A violência contra a mulher, por sua amplitude e gravidade, exige a produção de muitos estudos e pesquisas, e levantamento de dados, de forma a mapeá-la e a contribuir com a formulação de políticas públicas. Como a violência é um fenômeno relacional, a sua decifração requer também a reflexão sobre quem a comete e por que a comete. As hipóteses são muitas. No entanto, ponho-me a refletir, pelo ângulo cultural e social, acerca de um tema candente: a violência do estupro (rape, em inglês, e viol, em francês), especificamente aquela do agressor desconhecido em relação a uma vítima, dele também desconhecida. Sabe-se, contudo, que uma parte significativa dessas agressões contra as mulheres é cometida por um homem conhecido da vítima.

O acaso, porém, muitas vezes, promove encontros infelizes. O ônibus atrasou, perdeu-se o trem, desencontrou-se do amigo, andava-se um tanto quanto distraída, talvez pensando nos problemas do coração ou do bolso, ante a ameaça iminente de perda do emprego ou da chance ainda não vingada de um primeiro trabalho, resolveu-se pegar um atalho por uma rua um pouco mais deserta, saiu-se da reunião para ir ao banheiro do campus universitário, tinha que ir embora logo, pois senão ia levar bronca da mãe, entre outros. O que, na maioria das vezes, constitui um risco é a combinação explosiva de um horário avançado mais um local ermo, e sobretudo a situação da mulher estar sozinha na rua, no carro, no estacionamento ou a fazer jogging, com os seus fones de ouvido. Se a música ajuda a dar ritmo e coragem de se manter em forma, as mulheres deixam de contar com o auxílio precioso de sinais, como o barulho dos passos de aproximação do agressor.

A gratuidade desta violência aleatória, cuja vítima poderia ser qualquer mulher que atravessasse o caminho do agressor choca as pessoas em geral e sobretudo a nós,  feministas. Este tipo de violência, no entanto, abate-se também sobre outras vítimas da violência banalizada e homófoba da sociedade, com o estupro e por vezes o assassinato também de homossexuais, travestis ou simplesmente jovens gays. Se nem sempre estão a portar vestimentas que façam apelo ao desejo masculino – velho argumento que faz parte da cantilena conservadora que tenta justificar o porquê deste tipo de agressão -, o que chama atenção em ambas formas de violência é o componente misógino nelas inscrito. A feminilidade, portanto, e tudo a ela relacionado parece consistir numa potencial forma de risco.