quinta-feira, 29 de abril de 2010

Editoria Caleidoscópio Baiano

Conselho Estadual de Comunicação em debate em Salvador


          Foto: Vaner Casaes

Claudia Correa*


Mais uma vez a Bahia larga na frente e inaugura um ciclo de debates para a criação de seu Conselho Estadual de Comunicação. No processo de organização das conferências, em 2008 e 2009, também fomos o estado pioneiro. Ponto para o movimento social local em defesa da democratização da comunicação,que vem aglutinando rádios comunitárias, trabalhadores da área, professores e estudantes de Comunicação e militantes de diversos segmentos como pessoas com deficiência, jovens, mulheres e negros.

O auditório da Faculdade de Comunicação da UFBA ficou lotado hoje (28) à tarde em Salvador para a primeira audiência pública convocada pela Assessoria Geral de Comunicação do Esatdo-Agecom para debater o assunto.

O governador Jaques Wagner cumpriu a promessa feita durante a Conferência Estadual de Comunicação ano passado. Criou, em 16 de novembro, através do Decreto 11.846/09, um grupo de trabalho para propor o projeto de lei que cria o conselho. Composto por quatro representantes do poder público e quatro da sociedade civil, o GT apresentou hoje as primeiras diretrizes do novo colegiado, incluindo competências, finalidades e composição. Pasmem! Apesar do verão e do carnaval, o grupo trabalhou duro, produziu uma proposta ainda incipiente mas, mostrou serviço! Prova de que a terra do axé leva a sério bandeiras de luta importantes para a sociedade.

O debate esquentou em torno do caráter do conselho. Fiquei surpresa em ouvir que há impedimentos na nossa Constituição Estadual para que ele seja deliberativo e que assim, deverá ser consultivo.

Houve contestação geral. Afinal, se o conselho é um instrumento de controle social da Política Pública de Comunicação, vai aprovar o Pleno estadual e regulamentar todas as ações do setor, por que seria consultivo? Além disso, nas Conferencias Nacional e Estadual, aprovamos a criação de conselho paritário e deliberativo, em todas as esferas de governo. Todos os que se manifestaram defenderam a natureza deliberativa do conselho, exceto o representante da TV Bandeirantes. Compreensível!

O nível de participação da platéia foi muito bom. Defenderam propostas, todas apresentadas por escrito ao GT que compôs a Mesa de trabalho da audiência, trabalhadores do setor, sindicalistas e militantes de Centrais, pessoas com deficiência, mulheres, jovens e estudantes, inclusive do interior do estado.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

Sobre favelas, jornalismo e revolução


Ana Lucia Vaz*


O primeiro impacto

Na primeira matéria que fiz no Borel, após as chuvas do início de Abril, cheguei na favela através de um contato da rede Nacional de Jornalistas Populares, que me apresentou a uma diretora da Associação de Moradores. Pedi para entrevistar algumas famílias. Ela me levou à biblioteca do Ciep, me apresentou, tirou todo mundo de uma única mesinha com três cadeiras que havia no local, me sentou numa e colocou uma cadeira no lado oposto, onde, rapidamente, se formou uma espécie de fila para me dar entrevistas. Me senti um tipo de funcionário do governo cadastrando eles. Assim que pude, saí da cadeira, mudei os lugares e rapidamente formou-se uma rodinha descontraída, gente sentada nas cadeiras ou na mesa, crianças passando pelas minhas costas. E fui entrando naquele mundo desconhecido.

Depois me levaram para ver as casas e, de novo, quem a gente encontrava pelo caminho ia se chegando, querendo participar da cobertura, contando suas histórias, aproveitando para fotografar também com seus celulares.


Pelas bordas


Quarta-feira passada, dia 21 de abril, estive no Morro dos Prazeres para acompanhar a reunião sobre remoções, chamada pela Associação de Moradores de Santa Teresa[1]. Cerca de 400 pessoas, entre moradores das favelas próximas, representantes de outras favelas, até de Niterói, representantes de entidades etc participaram. Participaram ou assistiram.

Circular pela arquibancada da Quadra dos Prazeres, de onde boa parte dos moradores daquela favela assistia à reunião, era ligeiramente desconcertante. A maioria ainda estava tentando entender o que se passava. Mas a conversa, como sempre, era muito fácil.

“Eu vim aqui porque disseram que vão remover todo mundo. Eu não quero sair daqui”, explicou dona Eleir, que não se cadastrou para pegar cesta básica, porque este cadastro dava “plenos poderes à Prefeitura para derrubar sua casa”, me explicou. Duvidei. Outra moradora, que não quis se identificar, fez o cadastro mas não sabia dizer o que estava escrito no papel. “Eles entregavam a folha pra gente e diziam: ‘assina aí e pronto’! Tinha que assinar para receber os donativos.” E a senhora ainda tem o papel? “Mais ou menos! Num é que eu lavei a bermuda com o papel dentro!?”, sorriu.


Todos disseram que a quantidade de doações que chegou aos Prazeres foi impressionante. “Tem gente dizendo que vai ficar um ano sem comprar roupa!”; “estão tentando comprar a gente!”, alfinetavam alguns moradores.

Apesar de não saberem explicar direito o que se passava, minhas “entrevistadas” contaram suas vidas, falaram da família, deram opiniões, fizeram fofocas. Tudo antes mesmo de me apresentar.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Editoria We@Tecno

Livros digitais gratuitos: uma oferta da UNESP

A disseminação de acesso universal à produção do conhecimento científico


Fonte: Agência FAPESP

Nelma Espíndola *


No último dia 13 de março recebi uma informação: “UNESP lança obras para download gratuito”. A providência que eu deveria ter tomado seria a de repassá-la de imediato, ainda, mais partindo da fonte que me forneceu tal informação. Não fiz isto. Minha curiosidade era a de saber mais a respeito sobre essa via de acesso virtual. Daí nasceu a proposta de apurar os fatos para compartilhá-los aqui na Web-Tecno. A parceria estava firmada com a responsável pela editoria “Volta do Mundo, Mundo dá Volta". Penso que já sabem de quem falo!?

A blog-amiga Mione Sales publicou, no último dia 19 de abril, sua crônica “Sinal de tempos hipermodernos – Ou a primeira vez que vi um leitor e-book”. Ela descreve de forma envolvente suas observações acerca das práticas de leituras feitas no metrô da França, onde o papel e o novo meio eletrônico de leitura, o livro eletrônico ou o e-book, começam a conviver. Trata-se de “(...) uma forma de consumo cultural e tecnológico emergente (...)”. A convivência entre as duas formas de leitura chamou-lhe atenção, com um detalhe especial: sua prática majoritária pelo sexo feminino. O que lhe fez prever que o êxito ou não do novo meio será definido pelo “aval e adesão” das mulheres.

Mas o assunto ali não se limita apenas a esse olhar sobre as « formas de ler », de modo eletrônico ou através do papel. Mione fornece pistas de ótimas fontes onde o novo tesouro de leituras se encontra. Aconselho a sua leitura, pois está muito interessante!

Então, voltemos à notícia do lançamento de “obras gratuitas para download”: a divulgação do Programa de Publicações Digitais da Universidade Estadual de São Paulo – UNESP, lançado no último dia 11 de março.

Esta iniciativa tem como objetivo oferecer acesso universal ao conhecimento produzido nos diversos programas de pós-graduação da UNESP. Consiste na publicação de livros em formato digital, com acesso gratuito pela web dos conteúdos de dissertações, teses, pesquisas de pós-doutorado e de livre-docência da Universidade, o que lhe faz a pioneira nesta prática.

Para viabilizá-lo, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PROPG) fez uma parceria com a Fundação Editora UNESP (FEU). As primeiras edições publicadas, num total de 44 obras, versam nas áreas de Ciências Humanas, Ciências Sociais e Aplicadas, Linguísticas, Letras e Artes. O objetivo do programa, lançando em 2009, segundo Cláudio José de França e Silva, assessor da PROPG, chegará a seiscentos livros em dez anos. Além desses títulos lançados, a edição de 2010 do programa, editará mais 58 livros.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Editoria Estranha Semelhança com a Utopia

Mídia e eleições presidenciais – perguntas e provocações para debate


*Jefferson Ruiz

Fonte: Site Refletores da Fama

Passadas as enxurradas das “águas de abril” e a cobertura sensacionalista da imprensa, as eleições já são pauta quotidiana com maior centralidade. A quem se interessa por analisar o comportamento da mídia em momentos importantes para determinada conjuntura, este deve ser um “prato cheio”. Assim, antes que as “torcidas” de cada candidato iniciem a polarização despolitizada que tem tido lugar nestas ocasiões pelo Brasil, julguei ser interessante nos provocar a pensar o que esperar da relação entre mídia e as escolhas que as urnas indicarão em outubro e novembro deste ano. Não utilizo “torcidas” por acaso: a democracia representativa, nos moldes como vem se apresentando pelo mundo, tem se caracterizado muito mais por falsas polarizações que pelo debate de projetos e propostas para a organização da vida política, econômica, cultural e social dos diversos países.

Imparcialidade? Não há e não haverá

Na Veja, em fevereiro de 2010, o comentário da revista é: “Uma rara combinação de fatores atmosféricos é a causa do dilúvio que há mais de 40 dias castiga o Sul e o Sudeste do Brasil”. Na mesma revista, em abril de 2010: “Culpar as chuvas é demagogia. Os mortos do Rio de Janeiro que o Brasil chora foram vítimas da política criminosa de dar barracos em troca de votos”.

A jornalista Ana Lúcia já nos alertou da parcialidade da imprensa (veja artigo do dia 20 de abril neste blog). As capas da Veja reproduzidas acima falam por si só.

A TV Globo também já tentou das suas: lançada em rede nacional no domingo, 18 de abril, uma vinheta supostamente de comemoração de aniversário daquela rede de televisão usava o número 45 em destaque e tinha seu elenco afirmando que “todos queremos mais”. O slogan do candidato do PSDB, número 45, é “o Brasil pode mais”. Coincidência? Após reação de vários internautas a vinheta saiu do ar.

Como diz o Intervozes, toda comunicação é editada. Inclusive a que você lê no nosso blog. O exercício, então, é procurar desvendar interesses existentes, quando os mesmos já não estão evidentes. Cláudia Correia, jornalista e assistente social, nos informou, também neste blog (veja entrevista de 17 de abril) que a revista Carta Capital anunciará, segundo um de seus editores, Mino Carta, o apoio à candidata do PT à presidência. Aliás, nos EUA esta prática é relativamente comum: órgãos de imprensa anunciam abertamente a quem apoiam.


Quem pode se queixar?

terça-feira, 20 de abril de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

Na eleição, como na guerra, a primeira vítima é a verdade


                                                                                                Arqueiro egípcio


Ana Lucia Vaz*


A campanha eleitoral para sucessão presidencial já está a todo vapor na mídia. Há quem diga que nunca esteve fora. Mas tudo indica que, no próximo período, vamos assistir a um fenômeno novo, em termos de Brasil. Pelo menos desde a retomada das eleições presidenciais, em 1989.

Toda tentativa de previsão é um risco monumental de cometer erros grosseiros. Ainda mais nesses tempos de velocidade e complexidade global dos movimentos e da comunicação. Mas minha aposta não é exatamente uma previsão. É apenas uma constatação dos sinais do presente e uma aposta em sua intensificação.

O Rio de Janeiro debaixo de água e terra, comprei as revistas da semana para acompanhar o debate. Duas surpresas. A primeira é que a campanha presidencial mereceu, em geral, mais atenção do que as centenas de mortos no Rio de Janeiro. Mesmo da revista Época, sediada no Estado. Aliás, a Época mais parecia uma publicação de campanha do PSDB. O segundo estranhamento foi perceber que a capa da Veja e da Carta Capital tinham manchetes parecidas. Deve ter sido a primeira vez, na história das duas publicações. As duas culpavam os governos pela tragédia das chuvas.

Eu já tinha me surpreendido, dias antes, vendo o Jornal Nacional da Rede Globo fazer matéria crítica incomum, mostrando que a Prefeitura de Niterói gasta com maquiagem muito mais do que seria necessário para resolver o problema habitacional da cidade. Por outro lado, as chuvas de São Paulo foram discutidas, tanto na Rede Globo, quanto pela Veja, como fenômeno climático. Por que, então no Rio de Janeiro, descobriu-se as responsabilidades governamentais?

A Revista do Brasil[i], criada e sustentada por entidades sindicais e dos movimentos sociais, avisa, em sua edição de abril: “Diante da popularidade do governo que combate há oito anos, a imprensa conservadora se organiza como nunca para tentar evitar nova indigestão eleitoral”[ii].

Mas, não se iluda, a Revista Brasil também tem seus compromissos. Como, aliás, qualquer publicação.

Não existe isenção em jornalismo. Isto, até os manuais das redações comerciais avisam a seus jornalistas. Embora na auto propaganda digam o contrário. Mas o fato de todo discurso jornalístico estar comprometido com o lugar político e social ocupado pelo sujeito que o produz, não elimina a noção de verdade. Não a verdade filosófica, muito menos teológica. Mas a verdade que é o oposto da mentira.

Em tempos de paz, uns mais, outros menos, os jornalistas são pressionados a assumir um compromisso também com a verdade (além daqueles políticos). Em tempos de guerra, o compromisso político atropela todos os outros. E os moradores das favelas, atingidos pelos desabamentos, serão soterrados pelas campanhas eleitorais.

Quando a disputa eleitoral tem, no subsolo, a guerra pelo controle de uma das maiores e melhores reservas de petróleo do mundo, é de se esperar muita truculência no aniquilamento da verdade. Afinal, estamos falando de um dos principais motes das guerras, no planeta.

A mídia comercial sempre fez campanha eleitoral, em nosso país. Mas há pelo menos dois elementos bem diferentes, este ano. O primeiro é o peso das descobertas do pré-sal a determinar os interesses geopolíticos no continente. O segundo é o crescimento indiscutível da comunicação alternativa aos grandes conglomerados comerciais. A briga vai ser grande! E feia!

Tomara que nosso blog sirva aos leitores como uma bóia nas águas turvas. Não isento, claro, porque somos todos sujeitos de nossa história coletiva. Temos nossos compromissos! Mas honesto, porque mais comprometido com as questões sociais que com as lutas político-institucionais. Não seremos os únicos, com certeza.



*Ana Lucia Vaz, jornalista, mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net) , professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.

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[i] A revista já pode ser encontrada em algumas bancas do Rio de Janeiro. Em seu sítio define-se assim: “O projeto começou no início de 2006 com a participação de 19 entidades e hoje conta com cerca de 50. O objetivo dos dirigentes sindicais, jornalistas e intelectuais reunidos em torno da iniciativa é proporcionar um conteúdo de qualidade e diferenciado: 1) para quem não está satisfeito com a que encontra na mídia comercial; e 2) para quem tem pouco ou nenhum acesso a outros veículos impressos de atualidades”. Para conhecer mais acesse: http://www.redebrasilatual.com.br/


[ii] Leia a íntegra da matéria no mesmo sítio.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Sinal de tempos hipermodernos

Ou a primeira vez que eu vi um leitor de e-book

 

Texto/Imagens
Mione Sales*

Andava de metrô outro dia em Paris num horário de rush. Eu seguia pela Linha 7 (Ivry-Villejuif), que faz parada em algumas universidades (Jussieu – Paris 6 e 7; Censier Daubenton, Paris 3). É comum avistar pessoas lendo no trajeto dessa linha. Mais que isso, essa cena faz parte dos hábitos em geral dos passageiros no metrô aqui, mesmo se enquanto hábito é incomparável com Londres, onde todo mundo lê. Todavia, a tendência parisiense aumenta em linhas como a 7, que tem um barulhinho e poltronas que lembram as de um trem.


No lado do vagão onde eu estava, contei naquele começo de tarde aproximadamente umas trinta pessoas, entre os que viajavam de pé ou sentados. A imponente paisagem de meios - eletrônicos e em papel – chamou-me logo atenção. Meu olhar dirigiu-se inicialmente para uma curiosa figura: uma moça asiática, talvez japonesa, segurava um objeto do tamanho de um caderno ou bloco de notas bem em frente ao rosto, e parecia ler. Ela tocava de leve no lado direito do que eu supus, imediatamente, ser o seu leitor de e-book, para virar a página. Sabemos que essa parafernaliazinha comporta uma biblioteca e esse talvez seja, quanto ao quesito facilidade e praticidade nos deslocamentos, o seu ponto forte. De longe, eu pude visualizar uma tela mais ou menos cinza, qual um texto redigido em Word. Nada de extraordinário se passava para além da disposição plana e fria do objeto.

                                     Foto de divulgação

Comecei a dar uma espiada, então, no que estava ao redor da concentrada moça asiática, desbravadora das fronteiras da leitura virtual. Como pequena cartografia daquela cena, vi, à sua esquerda, uma moça que lia uma revista. Em frente, outras duas jovens liam livros, enquanto um adolescente ao lado delas enviava mensagens pelo Iphone. De frente para onde eu estava e de costas para a « e-moça », estava um homem que portava um chapéu e lia o seu jornal pelo filtro de uns óculos escuros, ao qual se acoplava um outro de lentes claras e de grau. Formava uma bizarra figura. Era a prova da imperfeição humana a tentar ler, se comparado ao suposto caráter límpido e moderno da leitura eletrônica.

domingo, 18 de abril de 2010

Editoria Jornalistas Parceiros

Hoje, estréia na Editoria Jornalistas Parceiros, Liliana Peixinho, jornalista baiana, ativista socioambiental.

Neste seu artigo expressa algumas de suas preocupações decorrentes das últimas chuvas na Bahia, no Nordeste e no Rio de Janeiro. Não é só pela intensidade das chuvas, mas o descaso com o saneamento básico, o lixo e a saúde pública que é afetada. Ela começa então... “Socializando indignações”.


Um abraço,

Equipe Blog Mídia e Questão Social

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Vidas, recursos, esperanças... enxurradas abaixo


Liliana Peixinho*


As chuvas que caem na Bahia, no Nordeste, no Rio de Janeiro, no Brasil, inundando ruas, derrubando casas, aumentado os buracos das pistas, matando pessoas e proliferando doenças, revelam também o grau de descaso com o saneamento básico, com a qualidade da água, com a Vida. Das enxurradas descem toneladas de resíduos sólidos dos mais variados: plásticos, papel higiênico, restos de comida, papelão, vidros, alumínio, madeira, entre outros caracterizados como “lixo”, ampliando o leque de problemas à saúde, deslocamento da população, incremento da economia e desestrutura familiar. É imenso, incalculável, o volume de coisas que ainda jogamos fora, em qualquer lugar, sem nenhum critério de reutilização, racionalidade no uso e reuso transformando- os em lixo, que, nas chuvas, acabam boiando aos nossos olhos incrédulos, ou soterrados, junto a corpos humanos, proliferando dor.

A falta de manutenção dos esgotos, das galerias da rede subterrânea de água, associada ao desmatamento das encostas e à falta de coleta seletiva dos resíduos, até mesmo em unidades hospitalares, aumentam os riscos à saúde da população. Os recursos gastos com o tratamento de doenças provocadas pela falta de saneamento, de políticas ambientais preventivas, moradias em encostas, medidas emergenciais e paliativas, revelam uma filosofia dissonante com as necessidades atuais de preservação da vida no planeta. É inadmissível como o Governo, empresas e sociedade em geral, ainda não executam ações previamente planejadas com o rigor, a urgência e a correlação entre custos e benefícios, necessários para minimizar os efeitos de fenômeno naturais como ventos e chuvas fortes, cujas previsões poderiam servir como alertas.

A existência de lixões, a falta de ações de prevenção, com educação ambiental massiva, são problemas graves para aceitar discursos que banalizam a expressão sustentável. Problemas ambientais de um Brasil que ainda não tem a aplicação de uma política nacional limpa sobre resíduos sólidos. O fato é que milhões de pessoas, na sua maioria crianças e idosos, pobres, estão morrendo. Conforme estudos da ONU a diarréia, provocada por falta de água limpa, mata mais crianças na América Latina do que a tuberculose ou o HIV/AIDS. O alerta de que milhões de meninos e meninas, sobretudo indígenas e afro-descendentes, estão em perigo, e que a diarréia é somente uma das doenças da extensa lista resultante da falta de qualidade da água, parece não ter sensibilizado técnicos responsáveis pelos programas, que com certeza, recebem volumosos recursos, mal utilizados.

Essa política não integrada, de visão estreita sobre sustentabilidade como fator resultante de comportamentos preventivos, cuidadosos, harmoniosos, racionais, menos consumistas, está levando cientistas sociais para uma posição pessimista com relação ao futuro próximo. Se as crianças, que representam a esperança de construção desse paradigma sustentável, estão morrendo de doenças preveníveis, como doenças respiratórias, dengue, leptospirose, gripes, infecção intestinal por injeção de água suja, entre muitas outras que poderiam ser evitadas, o futuro não pode ser animador. Informe sobre Desenvolvimento Humano, divulgado, anualmente , pelo PNUD, desde 1990, enfatiza que investir em água e saneamento salvaria milhões de vidas, com agregação de valor econômico. O acesso universal a serviços de água e saneamento reduziria a carga financeira dos sistemas de saúde nos países em desenvolvimento em cerca de US$ 1,6 bilhão ao ano.


Liliana Peixinho* – Jornalista, ativista sócioambiental, fundadora dos Movimentos Independente AMA – Amigos do Meio Ambiente e RAMA – Rede de Articulação e Mobilização em Comunicação Ambiental

sábado, 17 de abril de 2010

Editoria Caleisdoscópio Baiano

"A mídia fala para quem compra na Daslu".
Entrevista exclusiva com Mino Carta


*Claudia Correia

Fotos: Assessoria Dep.Emiliano José










Acabo de chegar da palestra de Mino Carta, diretor de redação da revista Carta Capital e jornalista de longa trajetória, na Faculdade de Direito da UFBa, aqui em Salvador, nesta sexta (16) de céu limpo. São Pedro nos deu uma trégua, depois de dois dias de alagamentos e encostas em risco.

Com o sugestivo título “O partido político da Mídia”, a exposição dele, regadaa três copos de cerveja, atraiu 300 professores, estudantes, “intelectuais” e políticos da boa terra. Até o ex-ministro Waldir Pires deu o ar da graça.

O evento é parte dos Seminários “A Política e a vida na esquina do mundo”, promovidos pelo Grupo de Estudos de Comunicação e Política da UFBa, coordenado pelo professor e deputado federal Emiliano José (PT-BA). 

Confesso que esperava mais. Minha expectativa é que ele fizesse uma análise mais profunda dos aspectos ideológicos da mídia. Ele fez uma dura crítica ao poder manipulador da grande mídia, aos interesses políticos que direcionam a cobertura política dos veículos dominantes e rechaçou a imparcialidade jornalística. Abertamente, afirmou que no momento certo a Carta Capital apoiará Dilma para presidente e denunciou a mentira e a distorção da realidade promovidas pela Rede Globo. 














“Para mim a fidelidade e a realidade factual são essenciais ao bom Jornalismo. O espírito crítico e a fiscalização do poder também devem ser praticados. Eu aprendi com Hannah Arendt a compreender a realidade factual”, declarou ele sob aplausos entusiastas da platéia.

Às duras penas, eu consegui uma exclusiva com Mino Carta para o nosso blog. Alguns dos temas da entrevista ele abordou na sua palestra:


Claudia Correia: Como se dá a ação política da mídia?

Mino Carta: Onde há poder e disputa por ele, há política, ela permeia nossa vida, é uma companheira inseparável. Eu escolhi uma profissão que me obriga a fazer política, escolhas. A mídia dominante fantasia, manipula e mente. Ela é condenável por causa disso e é medíocre. A mídia representa um partido mais importante e mais amplo do que os partidos políticos brasileiros que se comportam como clubes sociais que servem a uma minoria que não quer que o Brasil seja o melhor país do mundo, como ele pode ser.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Editoria Caleidoscópio Baiano

Reflexões no dia do jornalista




Claudia Correia

O dia do jornalista – 07 de abril- foi comemorado em Salvador pelo Sindicato dos Jornalistas da Bahia com um café da manhã seguido de debate sobre a luta pela retomada do diploma e uma mesa redonda sobre os desdobramentos da I Conferência Nacional de Comunicação-Confecom.

Fiquei um pouco frustrada porque esperava refletir mais sobre as bandeiras de luta aprovadas na Confecom. De saldo positivo do evento, ficou o anúncio do Secretário de Comunicação do Estado, Robinson Almeida, sobre a criação do grupo de trabalho para criar o Conselho Estadual de Comunicação. Se conseguirmos aprová-lo antes da virada do governo Jaques Wagner, a Bahia de novo será a pioneira da construção de um instrumento importante da política pública de Comunicação.

Aliás, o tema dos conselhos de direitos tem me preocupado. No jornal local A TARDE, a Associação Nacional de Jornais tem publicado artigos criticando as deliberações da Confecom e prestado um des-serviço confundindo conceitos fundamentais para compreender o sistema público de comunicação no Brasil.

Resolvi então publicar hoje, dia 12, na página “Opinião” deste mesmo jornal, o artigo transcrito abaixo, fruto de minhas inquietações.

Alguns desavisados insistem em confundir controle social com censura, distorcendo o importante papel dos conselhos de direitos, responsáveis pela fiscalização da aplicação dos recursos das políticas públicas.

Estes conselhos são representativos de entidades civis e órgãos governamentais e regulamentados por leis específicas. Desde a Constituição de 1988, os princípios da descentralização político-administrativa e do controle social ampliaram a participação cidadã nos rumos das políticas setoriais.

Fui conselheira municipal e estadual de Assistência Social e posso atestar avanços importantes na execução de planos e orçamentos públicos, numa política tradicionalmente usada como clientelismo paternalista e eleitoreiro.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

Tragédia no Rio de Janeiro: quem escolhe correr risco?

Gisa, sobre a lage de sua casa não consegue disfarçar a tristeza

Gislaine de Oliveira, ou Gisa, viu o chão de sua cozinha cair, no Morro do Borel, depois que a parede dos fundos foi destruída pelo desabamento de pedaços de concreto, durante o temporal da madrugada de terça-feira, 6 de abril. De onde veio o concreto que destruiu a parede da casa? Aparentemente dos restos de uma construção derrubada pelo governo, anteriormente.

Gisa comprou a casa em novembro do ano passado, depois de aprovada pelos técnicos do PAC. Ela recebeu 9 mil do Programa para sair de sua antiga casa, cuja localização foi considerada de risco. A casa nova, mais segura na avaliação dos técnicos do governo, custou 10.600 reais. Gisa pagou do próprio bolso a diferença.

Três pessoas morreram e várias ficaram feridas durante a madrugada de terça-feira, na favela do Borel, Zona Norte do Rio de Janeiro. Diante da tragédia, boa parte das conversas de cariocas e fluminenses, nos últimos dias, tem sido pautada pela discussão sobre se é ou não razoável insistir em morar numa casa construída em área de risco. Como se houvesse uma fronteira perfeitamente demarcada entre risco e não-risco. Caminhar pelas encostas do Borel, guiada por moradores que vão explicando o mapa caótico dos vários programas de urbanização das favelas, é uma aula e tanto sobre a imprecisão dessas fronteiras.

Na maioria das áreas onde houve desabamento, no Borel, é possível encontrar as vigas laranjas colocadas pelos técnicos do PAC. Elas demarcam as áreas consideradas de risco contempladas pelo programa, antes das verbas acabarem. Houve desastres acima e abaixo delas. Mas há casas desapropriadas que não foram derrubadas. Acabaram invadidas por outras famílias. “Essas famílias, agora, estão lá no Ciep, também!”, critica uma moradora.

Também são muitas as casas rachadas, parcialmente destruídas ou mesmo sob evidente risco, neste momento, pintadas com as inscrições SMH (Secretaria Municipal de Habitação). Essas inscrições indicam a necessidade de desapropriação identificadas pelos técnicos do Favela-Bairro, da prefeitura. Mas muitas não chegaram a ser desapropriadas. As famílias continuam esperando a continuidade do projeto.

Seu Antônio perdeu a casa onde morava há mais de 20 anos. O filho, Sérgio Luiz, casou e construiu ao seu lado. “Durante o Favela Bairro, a prefeitura já tinha dito que era área de risco, que ia tirar nossa casa. Depois, a Defesa Civil interditou, deu um papel dizendo que a casa estava interditada... Mas ir pra onde?”, pergunta Maria da Graça Davi, esposa de Sérgio. Eles esperavam a vez de receber a indenização que lhes permitiria buscar alternativa de moradia.

domingo, 11 de abril de 2010

DEBATE - CHUVAS E QUESTÃO SOCIAL


Caros blog-leitores, compartilhamos com vocês alguns artigos que propõem uma reflexão sobre os acontecimentos sociais e urbanos trágicos dos últimos dias, parte importante também do que Ana Lúcia Vaz chamou de “Olhar em Rede”. Agradecemos a todos os amigos e colaboradores que gentilmente os enviaram. Nunca é demais, porém, aproveitando a inspiração musical de Jorge Ben e o mote da matéria abaixo, fazermos “uma prece para a chuva parar”. Todavia, as análises que se seguem vão, de fato, mostrar que a complexidade do problema é resultado de algo bem maior que os caprichos de uma “ chuva ruim”, contra quem contestava o poeta, deixando no Rio de Janeiro e em Niterói um rastro de calamidade pública.

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A culpa é de São Pedro e dos cariocas




Afonso Costa*
JORNALISTA

Mais uma vez as esporádicas chuvas torrenciais foram as responsáveis pelo caos que se instalou no Rio de Janeiro. Além delas, a falta de educação dos cariocas e a falta de responsabilidade daqueles que morreram e perderam suas famílias por morarem nas encostas. Essa é a avaliação nas entrelinhas das entrevistas concedidas pelo prefeito e sua equipe desde a noite de segunda-feira, dia 5.

Em verdade, a chuva torrencial explica mas não justifica: Cadê a prefeitura? Está cuidando do coco na praia? Do limãozinho? Dos camelôs? Está fazendo choque de ordem? A ordem das águas? Do caos?

Os ralos não são limpos há muito tempo e todo mundo vê, ou melhor, não vê. Ao mesmo tempo, é inequívoco que a prioridade da prefeitura desde que assumiu não foi a conservação da cidade. Ao contrário, tem sido atrapalhar a vida dos cariocas em todas as áreas: na praia, no trabalho, na rua, no estacionamento, no maracanã... .

Em artigo publicado há cerca de três meses escrevi que “é muita falta de sensibilidade (da prefeitura) pretender promover ordem, quando o que a cidade mais precisa é de investimentos e prioridade nos serviços voltados diretamente à população mais carente”.

Infelizmente, palavras proféticas. A arrogância do executivo municipal permitiu que o caos se instalasse na cidade, que vidas tenham sido perdidas.

A arrogância se traduz em um trecho de entrevista concedida pelo prefeito: "Vai ver que é normal o que acontece na cidade, que essa chuva é assim mesmo, tem toda semana e, por acaso, nas outras vezes, limpei os ralos e hoje eu resolvi não limpar."

sexta-feira, 9 de abril de 2010

ESPECIAL: CHUVAS E QUESTÃO SOCIAL

Chuvas e Questão Social no Rio de Janeiro


Se há apenas pouco mais de quinze dias tivesse desabado esse temporal, todos os que estiveram no Rio de Janeiro para o Fórum Social Urbano Mundial teriam tido um laboratório de pesquisa a céu aberto. Nessa semana, choveu a cântaros no Rio de Janeiro, deixando um rastro de dramas humanos, individuais, coletivos e citadinos. Responsabilidades políticas e governamentais são levantadas, mas, frente a múltiplas atitudes esquivas ou de mera contagem dos futuros prejuízos eleitorais, o ar cheira sobretudo a tragédia, pois vidas foram irreparavelmente perdidas. Em Niterói, o Morro Bumba teve uma cota salgada nessa avalanche de água e lama: pelo menos duzentas pessoas viram-se arrastadas e soterradas.


O descaso, assim, frente às políticas públicas juntamente com a inépcia em termos de investimentos sociais concorrem, unidos, para que viver nas cidades brasileiras hoje constitua um árduo exercício equilibrista. Somam-se no espaço urbano vulnerabilidades a vulnerabilidades - da pobreza à violência e às intempéries ambientais -, o que permite falar em escala maior em « cidades vulneráveis ».


Vê-se numa situação como esta que « governar » significa muito mais do que meramente se eleger e administrar para os seus iguais. Governar significa dar atenção a todos, ao que é comum e proteção aos mais frágeis. Significa ainda escutar e acolher demandas e reivindicações dos diferentes, do Outro, das maiorias, repetidas incansavelmente pelos movimentos de moradores, enquanto os partidos da ordem limitam-se a proceder à gestão da miséria, pela via do seu ocultamento, repressão ou por meio de soluções tão baratas quanto ineficazes. Como bem diz um trecho de uma canção do grupo Nação Zumbi, « da lama ao caos, do caos à lama ». Tudo indica que a lama dos acordos políticos e das prioridades mesquinhas dos poderosos é um berço natural que conduz ao caos urbano.


Para tentar extrair um naco de otimismo de tal situação, recorremos ainda à mesma canção, quando ela diz « que me desorganizando posso me organizar ». Esperemos e confiemos que o sentimento de cidadania mais a força política que brota junto com a indignação se fortaleçam em meio a essa calamidade pública.


O Blog Mídia e Questão Social vem, portanto, aqui manifestar a sua total solidariedade à população dos morros cariocas, que disputam palmo a palmo o direito à cidade, equilibrando-se em ribanceiras e em condições se, por vezes, aparentemente privilegiadas, dada a beleza que muitas vezes desfrutam de certos mirantes, correm um evidente risco de vida. Criamos, assim, especialmente a rubrica « Chuvas e Questão Social no Rio de Janeiro » para socializar matérias que chegaram até nós pela rede de movimentos sociais e também aquelas produzidas pelos nossos colaboradores.


Damos aqui a palavra, primeiramente, à professora e jornalista Ana Lúcia Vaz, que com a câmera na mão registrou a fúria das águas na Zona Sul. Depois, é a vez da « Voz do Morro » - por meio de algumas de suas lideranças -, como alma ou consciência da cidade, de se expressar em nosso espaço virtual. Socializamos ainda ao final dessa matéria uma lista com os pontos sociais de apoio, públicos e iniciativas da sociedade civil organizada.



Equipe do Blog Mídia e Questão Social


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Muita água e uma grande tragédia

Imagens / coordenação da matéria:
ANA LUCIA VAZ

terça-feira, 6 de abril de 2010

<< Babel >> TRADUCTIONS du blog MEDIAS et QUESTION SOCIALE foi lançado no dia 05 de abril de 2010.


Caros blog-leitores,


Já faz um certo tempo que nós do Blog Mídia & Questão Social acalentávamos desenvolver um « projeto de traduções ».

Como exigir o « impossível » nesse blog virou bandeira e de tanto que falo nessa experiência em Paris, recebi um grande estímulo franco-brasileiro para que também tentássemos garanti-lo em francês. Eis que essa matéria sobre a Marcha foi decisiva ! Não podíamos deixar de divulgar algo de tamanha importância e beleza ! Ao lê-la quantos e quantas de nós não ficaram com vontade de participar !

O desafio foi aceito, com a preciosa colaboração da jornalista francesa Jacqueline Beaulieu, que topou colaborar com a revisão das traduções das matérias.

Foi assim que concebemos coletivamente a Babel - uma página que pode ser acessada independentemente ou conforme a curiosidade dos que visitam o nosso blog. Ela é uma página exclusivamente com traduções, o que não significa que todas as matérias do blog daqui para frente serão traduzidas. Ainda não temos esse fôlego. Mas, vamos investir na tradução de, pelo menos, um artigo de cada editoria até agora para começar e depois, conforme o grau de abrangência e significado para quem se interessa pelo Brasil aqui fora.

A língua ponto de partida é o francês, mas aos poucos, conforme as novas colaborações e parcerias, pretendemos traduzir alguns artigos também para o espanhol, inglês e italiano.

sábado, 3 de abril de 2010

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Crônica-Filo

Fome de Alma

L’accomplissement - Gustav Klimt

Texto
Mione Sales*

"De cada um, conforme sua capacidade;
para cada um, conforme suas necessidades."

Karl Marx

 
Segui a pista da inspiração do autor moçambicano Mia Couto que tem um livro intitulado Cronicando, para discorrer de forma mais leve aqui na Volta do Mundo neste final de semana de Páscoa, por meio deste curto ensaio, meio crônica meio filosofia. Enquanto o Brasil e parte do planeta já se acham em pleno feriado, suspendo momentaneamente o foco sobre as questões políticas e sociais, para proceder a um movimento de análise, simultaneamente, de « fora para dentro» e de “dentro para fora” dos sujeitos.

O nome desta matéria – « Fome de alma » - poderia sugerir uma reflexão metafísica, bem de acordo com a data, mas na verdade a proposição é falar de gente e suas necessidades; dito mais precisamente, de homens e mulheres e suas « necessidades radicais », entre as quais se inclui o legítimo desejo de cultura.

Aproveito para lembrar que a filósofa húngara Agnes Heller desenvolveu, no seu livro Teoria de las Necesidades en Marx (1978), uma pesquisa sobre o tema. Ela discorre ainda sobre as « necessidades naturais » (concernentes à perpetuação e conservação da vida) e as « necessidades necessárias » (fundamentais à estruturação da vida em comum). Essas necessidades têm o ser humano como eixo; sendo assim, o determinam e são por ele determinadas. Giram, ademais, dinamicamente, em torno da luta pela sobrevivência, da construção e garantia de condições de vida em sociedade, e do horizonte possível e inalienável de superação crítico-social, estética e política.

Trata-se potencialmente de um movimento de mão dupla: das necessidades naturais até as necessidades radicais e vice-versa. Todavia, no contexto da sociedade capitalista, lamentavelmente, uma grande parte da população da Terra encontra-se alijada, ainda hoje, das mais elementares necessidades naturais e necessárias. O ecosocialismo e a luta por direitos humanos apontam na direção justamente da socialização das riquezas e do direito à fruição individual e coletiva dos bens comuns, como a natureza, e aqueles produzidos socialmente. Integram, assim, um projeto coletivo – nacional e altermundialista - que pleiteia o reconhecimento e tenta assegurar as necessidades fundamentais de alimentação, água potável, abrigo, vestuário e saúde para a totalidade dos indivíduos, lado a lado ao direito ao trabalho. Desde longa data, incluo-me nesta luta, assim como os demais companheiros do blog Mídia & Questão Social.