Uma candidata do Novo Partido Anticapitalista é alvo de polêmica na França por portar um véu
« Amam-me com a única verdade dos seus evangelhos (…)
E enchem-me de sons que não sinto
Das canções das suas terras
Que não conheço.
E dão-me
a única permitida grandeza dos seus heróis (…)
Aprendo que os homens que inventaram
a confortável cadeira elétrica (…)
criaram Al Capone, Hollywood, Harlem (…)
e emprenharam o pássaro que fez o choco
sobre os ninhos mornos de Hiroshima e Nagasaki ».
« África »,
do poeta moçambicano José Craveirinha
Xigubo, 1964.
Quando até mesmo a esquerda radical deixa-se levar ou fica aturdida pela pressão do sensacionalismo midiático, há que se pensar seriamente sobre o que se passa em tal sociedade. Na verdade, a França sarkozista vê-se cada vez mais obcecada pelo tema da identidade nacional. Um longo e polêmico debate acaba de ter lugar nos fóruns políticos governamentais a esse respeito, com profunda repercussão social. O que já tivemos oportunidade de saudar recentemente aqui mesmo na editoria « Volta do Mundo » (VM) como cosmopolitismo, em função da presença de inúmeras nacionalidades estrangeiras em Paris, é visto por setores nacionalistas e reacionários, quando se trata de trabalhadores e pobres, como uma ameaça às origens « francas » e « gaulesas » dos franceses.
O leitor do M&QS está agora mesmo a se perguntar sobre o que teria toda essa esparrela a ver com um partido de esquerda, ligado à IV Internacional. Poderíamos resumir provocativamente a questão dirigida a alguns dos militantes do NPA como: uma vez descendente do « racionalismo cartesiano »* francês, para sempre cartesiano! Mas seria simplificar as coisas, até porque nesse caso envolve-se também o tema das mulheres e consequentemente as conquistas do movimento feminista, a partir da segunda metade do século XX.
Apenas para situar o leitor - visto que o nosso blog coletivo nasceu no ano passado e sendo toda essa polêmica bem mais antiga -, recomendamos ler os trechos da entrevista de Daniel Bensaid (também membro fundador desse partido falecido recentemente), divulgada, no mês de janeiro, em homenagem póstuma na VM. Ele situa, por exemplo, o apoio à luta pela Independência da Argélia associada à onda política e cultural que vai desaguar no Maio de 1968. Isto remete ao processo colonial, pois vários dos descendentes de magrebinos* que aqui moram provêm das antigas colônias da África do Norte, dominada durante muito tempo pela França. Trata-se, portanto, da lei do « eterno retorno ». Os povos ex-colonizados buscam abrigo na Velha Mãe européia. Até os anos 50, essa mão de obra era bem-vinda, mas, a partir do começo do declínio da dita « sociedade industrial », o que era uma solução começou a virar problema. Assim, hoje, os imigrantes argelinos, marroquinos e tunisianos, mesmo naturalizados, incomodam e prejudicam a « identidade nacional » francesa que não quer se misturar com sangue árabe nem africano, da mesma forma que Sarkozy opõe-se ardentemente à entrada da Turquia na Comunidade Econômica Europeia.