quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Editoria Estranha Semelhança com a Utopia

SÉRIE MÍDIA E ELEIÇÕES - SEGUNDO TURNO PRESIDENCIAL

Neste novo artigo da série, Jefferson Ruiz continua sua análise e reflexão sobre o processo eleitoral de 2010. Em artigo postado no dia 03/10 já questionava "Que festa, que democracia?" estamos vivendo. Agora aponta algumas das razões pelas quais votará nulo no segundo turno, em concordância do nosso blog-amigo Ricardo Pereira. E sugere que as esquerdas debatam e defendam o voto facultativo no próximo período.


Um abraço,


Equipe Blog Mídia e Questão Social
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 Por que votamos?

Reflexões para antes, durante e depois do dia 31 de outubro de 2010


Jefferson Ruiz*


Fonte: blog moedeiro

Um segundo turno para não esquecer

Há algumas semanas parte dos brasileiros torcia por um segundo turno nas eleições. Muitos imaginavam (como dizia a Globo) que seria a chance de “conhecer melhor os candidatos e suas diferenças”. Doce ilusão. O segundo turno trouxe poucos, mas importantes resultados. Dilma fez movimentos à direita. Negou antigas convicções sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Comprometeu- se com setores religiosos a não contrariar, em sua eventual gestão, quaisquer valores defendidos pelas igrejas. Disputou com Serra o título de “candidato mais família” das eleições. Serra demonstrou o que é atualmente: a representação pública da direita brasileira. Aliou-se à TFP e a monarquistas (i). Utilizou imagens religiosas para ganhar votos. Expôs sua vida e a de sua esposa à execração pública. Simulou agressões, tratando como tolos os brasileiros, irritando inclusive jornalistas de sua principal defensora (ii), a Rede Globo de Televisão.

Difícil lembrar de tão baixo nível em eleições brasileiras. Houve ocasiões em que elas significaram momentos de educação política e de debate mínimo de ideias sobre a vida e o país. Em 2010 a democracia meramente eleitoral demonstrou todos os seus limites. Como está, deseduca. Esconde fatos e projetos atrás de números. Prioriza marketing e ilusões midiáticas em detrimento de propostas e de uma real preocupação com as questões fundamentais para nossas vidas.


Diferenças existem. São suficientes?

Os candidatos ao segundo turno não são iguais. Nem seus partidos. Nem suas histórias.

Serra reúne em torno de si o que há de mais conservador e autoritário na vida política nacional. Criminaliza os movimentos sociais. Mente descaradamente ao dizer que defende as empresas públicas nacionais. Quem imagina a possibilidade de uma sociedade com efetiva igualdade e justiça social jamais fará opção por sua candidatura. 



Fonte: jogo dos sete erros / google

Registrar esta diferença é fundamental. Há segmentos sociais e companheiros valiosíssimos que votarão em Dilma por conta do retrocesso que a eleição de Serra poderia significar em relação ao momento vivido pelo Brasil. Pode-se discordar desta tática. Contudo, não estou entre quem pensa que todos os que optam por este caminho capitulam às perspectivas pragmáticas e de gestão do capitalismo adotadas pelo PT. É preciso respeitar esta opção. Sem que isto signifique criar nuvens de poeira sobre realidades que não podem deixar de ser questionadas na vida política recente e atual em nosso país.

Várias questões nos são colocadas neste processo. Cito duas.

(a) As diferenças entre as candidaturas são suficientes para justificar nossa adesão, ainda que crítica?

(b) Embora evidente e historicamente minoritária, a opção por não votar em nenhum dos candidatos deve ser esvaziada de seu conteúdo?


Um governo “de todos” – mas mais de alguns que de outros

Parece ser fato que milhões de brasileiros têm, em 2010, condições melhores de vida que as que tinham sob as gestões do PSDB. Nas palavras do próprio presidente: comem carne mais vezes por semana; podem trocar (ou comprar pela primeira vez) suas televisões e geladeiras a prazo, sem fazer aumentar a inadimplência (cujos índices atuais são os mais baixos da história). Se isto pode ser chamado classe média é outra história...

O próprio presidente, porém, vaiado em carreata em Fortaleza há algumas semanas enquanto passava por bairros em que habitam os mais ricos da cidade, se surpreendeu. “Por que estão me vaiando, se nunca ganharam tanto quanto em nosso governo?”

A afirmação não é falsa. R$ 13 bilhões em 2009 foram investidos no Programa Bolsa Família, beneficiando 12,6 milhões de famílias brasileiras (iii) . Ao mesmo tempo, contudo:

. R$ 8 bilhões (iv) foram investidos apenas em propaganda em redes de televisão no primeiro semestre de 2009. Tais redes estão nas mãos de pouquíssimas famílias (certamente menos de uma dezena). O governo não mexeu nesta indecente concentração.



. R$ 380 bilhões (36% da renda brasileira) foram utilizados no mesmo ano para pagamento de dívidas públicas. Os beneficiários? Cerca de 20 mil investidores, que controlam 80% desta dívida. Movimentos sociais que questionam a dívida brasileira denunciam: há ilegalidades nos cálculos de seu montante. Ainda assim, o governo se nega (em nome de “governabilidade”) a auditar a dívida – conforme previsto, inclusive, pela Constituição Federal de 1988 (v).

. A desigualdade social do Brasil continua sendo uma das maiores do mundo. Somos a 7ª ou 8ª economia mundial. Mas apenas o 75º país em desenvolvimento humano (vi).

Não é à toa que para o famoso “mercado” tanto faz quem vença a eleição de domingo. Seus altos lucros e ganhos não serão comprometidos.


O presente constroi o futuro


Fonte: google

Um dos argumentos utilizados por companheiros que defendem o voto crítico em Dilma é que não se faz política sem diálogo com a vida real, com o quotidiano, com o momento vivenciado pelo país e pela população. Até aqui não há divergência. Contudo, é possível, analisando a mesma realidade, adotar distintos caminhos – sem que um seja menos ou mais legítimo que os demais.

Fato é que as atitudes que tomamos no momento em que vivemos não têm apenas repercussões imediatas. Parte de seus impactos permanece ano após ano, potencializando ou reduzindo as possibilidades futuras de construção de uma sociedade justa. Vejamos alguns exemplos.


Conceito de ética: redução petista

1992. Milhões de brasileiros estão nas ruas. Questionam o presidente que, eleito como “caçador de marajás”, seria cassado por denúncias de corrupção. Nos movimentos sociais um debate se aquece. A corrupção é apenas uma questão de honestidade? Há ou não, na forma como a democracia liberal se organiza, um prato feito para práticas lesivas ao Estado? Trata-se de um fenômeno brasileiro? Ou Europa e África, Ocidente e Oriente também convivem com desvios de verbas públicas para interesses particulares?


Manifestação na Av. Rio Branco (RJ) – fonte: google

O PT e partidos aliados, majoritariamente, fazem sua opção. A “ética na política”, não mais um modelo alternativo de sociedade, passa a ser o carro-chefe no discurso petista. Ética é reduzida a honestidade. Dimensão que deveria ser cobrada e cumprida por todos aqueles que ocupam cargos públicos passa a ser o diferencial para o voto da maioria da população. O discurso rebaixado se instala e permanece: “a corrupção e a impunidade (vii) são o mal do país”.

Que contribuição isso tem para a polarização das atuais eleições entre os menos desonestos de cada lado? “Diga-me com quem anda e te digo quem és” diferencia as atuais candidaturas? Que responsabilidade o discurso moralista da política feito por estes setores da “esquerda” tem no atual quadro nacional?


Mídia conservadora: o papel do atual governo

Lula e o PT sempre questionaram a forma como eram distribuídas concessões de rádios e televisões no Brasil. Ao longo de suas gestões, no entanto, mudaram-se os beneficiários, não o método. Já não são coroneis nordestinos e de outros Estados. Desta vez, são igrejas – católicas e evangélicas (viii).

Que parcela de responsabilidade esta medida tem em relação ao retorno do discurso religioso para as eleições? Que contribuição trouxe para deslegitimar o caráter laico do Estado?


Fonte: carlosalmo.blogspot.com


Registre-se: nenhuma revisão de concessão foi feita pelo atual governo. Não por falta de vontade política, mas por deliberação, pragmática e calculada. Visa garantir apoio ao governo e resultados eleitorais. Como no caso da dívida pública, rever concessões não seria revolucionário. A medida é prevista pela Constituição.


São Paulo: 16 anos de PSDB

Seguidas eleições paulistas (para o governo do Estado) e paulistanas (para sua capital). “Opções” de segundo turno se colocam à população: Covas X Maluf; FHC X Jânio; Fleury X Maluf.

Desespero. “Como permitir tamanho conservadorismo? Não é melhor votar no ‘mal menor’?”

Resultados: 16 anos de governo tucano. Credenciamento de “democratas” (curioso que este seja o atual nome do antigo PFL...) para disputas nacionais contra projetos que se dizem “democrático-populares”.

As decisões que tomamos hoje não têm apenas efeito imediato. Esta dimensão da política também não pode ser jogada às traças.


Razões para a decisão do meu voto

A série do blog sobre o segundo turno presidencial fez com que nossos articulistas dividissem com os leitores aspectos de suas vidas pessoais – especialmente sua militância e dedicação por aquilo em que acreditavam. Não vou fugir ao script. Votar não envolve apenas cálculo racional. Há história, emoções, sonhos, decepções, e também análise e cálculo conjuntural, em cada militante que decide votar neste ou naquele candidato, neste ou naquele programa político.

Mês passado, em um debate sobre o movimento sindical em Campinas (SP) fui lembrado por um companheiro de que tenho algum nível de militância social desde por volta dos 12 anos de idade. À época, participante da Comunidade Eclesial de Base do Jardim São Vicente, adepta da Teologia da Libertação, tocava violão em uma paralisação da rodovia Campinas-Valinhos. Centenas de moradores reivindicávamos a construção de uma passarela. Lembrei-me: o que me motivava era a morte de um colega de sala, atropelado na mesma pista cujo tráfego interrompíamos para a missa e a manifestação popular.

Seguiram-se diferentes militâncias. Pastoral da Juventude; Associação de Moradores; Movimento Popular de Saúde; Movimento Sindical; Partido Político; Teatro Popular. São mais de três décadas de passos que muito me ensinaram e dos quais muito me orgulho. De aprendizado com inúmeros companheiros de luta. De desafios, emoções, decepções e sonhos construídos quotidianamente.

Neste processo aprendi a votar em projetos, não em candidatos. Óbvio: estas dimensões se misturam. Se elas se punham em conflito, o que me guiava era o que se anunciava de programa para o futuro.

Foi assim que meu último voto tranquilo em Lula foi para as eleições presidenciais de 1998. Em 2002, já fora do PT (a “gota d´água” foi a aliança eleitoral com o PL, do “boa-praça”, mas liberal vice-presidente Alencar), tapei o nariz e optei por Lula no primeiro turno. Após a “Carta aos Brasileiros”, no entanto, meu voto já foi nulo no segundo turno. A conjunção da aliança eleitoral, do pragmatismo dos governos estaduais e municipais petistas e das promessas de sossego ao “mercado” anunciava o que viria pela frente. O programa para as eleições presidenciais já não era o que eu acreditava. Não votei no “mal menor”.


Fonte: emule.com.br

Estive nas comemorações da Cinelândia, já relatadas por Ana Lúcia, Ricardo e Mione nos artigos anteriores. Dividi com dois companheiros, numa mesa do Amarelinho, o turbilhão interno que me angustiava a ponto de doer. Ali havia, certamente, uma conquista de anos de lutas e dedicação de milhões de brasileiros e militantes, socialistas (como nós) ou não. Ao mesmo tempo, se anunciava o maior desafio histórico do último período para a esquerda revolucionária no país. Tudo indicava que o Brasil conheceria a versão reformulada do PT. Do programa radical (que questiona as raízes das desigualdades e das injustiças sociais) à pactuação com o capital. Da mobilização e apoio às reivindicações dos movimentos sociais (qualquer que fosse o governo) a sua cooptação e retirada de muitas lideranças para esferas da gestão estatal. Ainda que experiências anteriores (ver Allende no Chile e Mandela na África do Sul) já apontassem para os equívocos destas opções. Como bom brasileiro, naquele dia a angústia acabou em cerveja e samba, mas também em bexigas (ou balões, como se diz no Rio) vermelhas, para demarcar o que e por que comemorávamos.
Infelizmente, aquela sensação (que também misturava imensa emoção e análise concreta, calculista e calculada da conjuntura) teve como decorrência o pior dos dois quadros. O Brasil melhoraria em relação aos governos anteriores. Mas dificultaria, sobremaneira, por ação do partido que foi um dos principais atores sociais das mobilizações populares das décadas de 70 a 90, as condições objetivas de derrota da organização capitalista e de construção de alternativas de efetiva igualdade no país.

Voto nulo, como posição política consciente
Relatos do ato público realizado nos últimos dias na Universidade de São Paulo, de apoio a Dilma, com mais de mil pessoas presentes, dizem que o eixo central foi a crítica aos que pretendem votar nulo (ix) .
Não me surpreende. Há tempos, como nos alertaram Mione e Ana Lúcia, nossas polêmicas são “não diálogo” e desqualificação de interlocutores. Pode-se divergir. Mas não negar legitimidade às opções feitas, conscientemente, pelo voto crítico ou pelo voto nulo em situações como as que vivemos neste momento.
O voto em eleições não é, sozinho, o que define a conjuntura de cada país. Conferir-lhe esta força seria desconsiderar o que move a vida social: as mobilizações, as contradições entre classes e segmentos sociais, as lutas que elas viabilizam. Mas o voto, em determinadas conjunturas, tem importância política, conjuntural e histórica (x) . É processo, ao mesmo tempo, coletivo e pessoal.
A resposta à questão “Por que votamos?” é o que define nossa opção final. Ela será baseada nas análises conjunturais de cada organização e/ou militante, combinada com a articulação que, em cada momento, se faz com os passos que imaginam para a construção da sociedade futura. Dificilmente haverá consenso sobre o quanto cada alternativa reúne de equívocos ou acertos. O fundamental é manter o diálogo aberto. Tarefa para a qual nos propusemos no blog e que, penso, vimos conseguindo cumprir.

Fonte: google

No domingo, em nome da sociedade em que acredito e de como imagino chegar a ela, meu voto será nulo. 

Finalizando: a esquerda revolucionária e as eleições
Tenho acordo integral com a análise de Ricardo, em artigo aqui no blog, sobre o atual papel das eleições para as esquerdas anticapitalistas. Nossos investimentos, há tempos, já são desproporcionais (xi).
Penso ser possível e necessário sugerir mais duas reflexões neste campo. Uma delas Ricardo já adiantou: é preciso avaliar se nosso investimento (inclusive financeiro) não tem servido mais para legitimar a falsa democracia brasileira, ao invés de fortalecer as vias de construção de uma sociedade justa.
Quanto à segunda reflexão faço uma pequena distinção com este valioso companheiro de voto nas eleições deste ano. Não nos vejo mobilizados para promover boicote significativo ao processo eleitoral. Talvez o caminho seja pensar em como viabilizar processos educativos que desnudem massivamente o papel que as eleições vêm cumprindo nos últimos tempos no país.

Há deputados eleitos pela esquerda manifestando um possível caminho: o fim do voto obrigatório. Ele pode potencializar a relativa importância deste instrumento (que não tem sido, há tempos, “arma de luta dos trabalhadores”). Pode provocar os partidos (inclusive os de esquerda que persistem na aposta eleitoral como eixo central – embora neguem, quase todos o vêm fazendo) à tarefa de qualificar sua própria intervenção. Pode ajudar a população a reconhecer que, como estão, as eleições são instrumento de despolitização, não de educação e formação para o efetivo exercício de nosso papel de sujeitos sociais.

Jefferson Lee de Souza Ruiz é bacharel e mestrando em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Profissionalmente, atua como assessor político do Conselho Regional de Serviço Social do mesmo Estado. _______________________________________________

i.     Revista Isto É, edição de 27/10/2010.

i1.  Consultar www.conversaafiada.com.br

iii.  Os dados foram citados pelo colunista Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, em 03/10/10.
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iv.   O Globo, edição de 19/09/2010.


v.    Os dados são da Auditoria Cidadã da Dívida, que reúne vários movimentos sociais. Ela calcula a dívida pública brasileira atual em nada menos que R$ 2 trilhões.

vi.   Os dados estão no mesmo artigo de Clóvis Rossi.

vii.  A impunidade no Brasil tem cor e classe, como nos lembram Marcelo Freixo e o personagem nele inspirado para o filme Tropa de Elite 2. Um negro e/ou pobre que comete qualquer pequeno delito não fica impune. O mesmo não vale para outros extratos sociais.

viii. Cf. MAGALHÃES, L. A. A mídia, o medo e o governo Lula. In Revista Margem Esquerda nº 6. São Paulo: Boitempo.

ix.    O relato da reunião circulou na Rede Terceiro Setor.

x.     Não se deve desconsiderar, aliás, que o voto universal foi conquista de lutas populares.

xi.    É fato que colhemos alguns bons frutos. Em 2010, a reeleição de Marcelo Freixo para deputado estadual no Rio de Janeiro e a manutenção de bancadas, ainda que pequenas, mas críticas (à esquerda) aos rumos do Brasil são demonstrações disso. O mesmo não vale para a opção de lançar quatro pequenos candidatos às eleições presidenciais. Pior: a análise posterior nada revela de autocrítica deste processo. As eleições nos dividem, quando o essencial da crítica que cada candidatura apresentou à população não reúne diferenças de fundo entre nós.

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