Fotos Celular: Nelma Espíndola
“Da Janela Lateral”
De onde os bem-te-vis cantavam
De onde os bem-te-vis cantavam
Nelma Espíndola*
“Da janela lateral
Do quarto de dormir
Vejo uma igreja
Um sinal de glória
Vejo um muro branco
E um vôo, pássaro
Vejo uma grade
Um velho sinal...”
Fernando Brant/Lô Borges
A pré-invasão
Na última terça-feira (23), não acordei ao som dos bem-te-vis que cantam abaixo de minha janela, solenemente pela manhã. O sol não veio forte. Pus-me a sair da cama, sem a quentura que me cobre o corpo sempre que ele nasce com vigor lá no horizonte. Nada disso! O dia amanheceu silencioso, nublado e tive de fazer um esforço a mais para me levantar, pois tinha um compromisso de trabalho na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
No trajeto para lá, na Av. dos Democráticos, presenciei com certo temor, o que seria o início das incursões das polícias civil e militar no decorrer da semana; nesse dia a favela de Manguinhos estava tendo a “visita” da Polícia Civil. Homens com armas em punho, adentrando pelas vielas, mulheres e crianças saindo delas. Na Av. dos Democráticos, o trânsito correndo, as calçadas com pessoas nos pontos de ônibus, mas o que tornava aquele quadro mais triste eram os fogos estourando no céu. Os passageiros do ônibus em que eu estava mostravam caras de apreensão e medo. Da janela do coletivo, avistava os mais expostos de sempre, dormindo nas calçadas, com seus lençóis sujos, aglutinados: crianças, adolescentes, jovens... Alguns com o corpo em meio ao lixo... Será que dá para dizer que são mesmo “invisíveis”? São os habitantes da Cracolândia, que se estende até a entrada da Favela do Jacarezinho, o Point do Crack.
Meu retorno à tarde para casa foi tranquilo. Vim como todos os dias de trem, depois de ir da Estação da Mangueira até a Central do Brasil e de lá para a Penha, bairro que faz parte da minha história de vida. Local pelo qual tenho amor. Nesse trajeto, acompanhada de duas outras amigas assistentes sociais, falávamos sobre as desigualdades sociais, a má distribuição de renda e o esforço louco visto e vivido cotidianamente por “nós”, trabalhadores usuários dos trens, nas correias de ocupação de cada composição, para ir para casa sentados... Com um detalhe: os trens mais velhos e menos confortáveis são aqueles disponibilizados para os usuários da Baixada Fluminense!