quinta-feira, 22 de abril de 2010

Editoria Estranha Semelhança com a Utopia

Mídia e eleições presidenciais – perguntas e provocações para debate


*Jefferson Ruiz

Fonte: Site Refletores da Fama

Passadas as enxurradas das “águas de abril” e a cobertura sensacionalista da imprensa, as eleições já são pauta quotidiana com maior centralidade. A quem se interessa por analisar o comportamento da mídia em momentos importantes para determinada conjuntura, este deve ser um “prato cheio”. Assim, antes que as “torcidas” de cada candidato iniciem a polarização despolitizada que tem tido lugar nestas ocasiões pelo Brasil, julguei ser interessante nos provocar a pensar o que esperar da relação entre mídia e as escolhas que as urnas indicarão em outubro e novembro deste ano. Não utilizo “torcidas” por acaso: a democracia representativa, nos moldes como vem se apresentando pelo mundo, tem se caracterizado muito mais por falsas polarizações que pelo debate de projetos e propostas para a organização da vida política, econômica, cultural e social dos diversos países.

Imparcialidade? Não há e não haverá

Na Veja, em fevereiro de 2010, o comentário da revista é: “Uma rara combinação de fatores atmosféricos é a causa do dilúvio que há mais de 40 dias castiga o Sul e o Sudeste do Brasil”. Na mesma revista, em abril de 2010: “Culpar as chuvas é demagogia. Os mortos do Rio de Janeiro que o Brasil chora foram vítimas da política criminosa de dar barracos em troca de votos”.

A jornalista Ana Lúcia já nos alertou da parcialidade da imprensa (veja artigo do dia 20 de abril neste blog). As capas da Veja reproduzidas acima falam por si só.

A TV Globo também já tentou das suas: lançada em rede nacional no domingo, 18 de abril, uma vinheta supostamente de comemoração de aniversário daquela rede de televisão usava o número 45 em destaque e tinha seu elenco afirmando que “todos queremos mais”. O slogan do candidato do PSDB, número 45, é “o Brasil pode mais”. Coincidência? Após reação de vários internautas a vinheta saiu do ar.

Como diz o Intervozes, toda comunicação é editada. Inclusive a que você lê no nosso blog. O exercício, então, é procurar desvendar interesses existentes, quando os mesmos já não estão evidentes. Cláudia Correia, jornalista e assistente social, nos informou, também neste blog (veja entrevista de 17 de abril) que a revista Carta Capital anunciará, segundo um de seus editores, Mino Carta, o apoio à candidata do PT à presidência. Aliás, nos EUA esta prática é relativamente comum: órgãos de imprensa anunciam abertamente a quem apoiam.


Quem pode se queixar?

Os partidários de Dilma não deveriam se queixar da tendência provavelmente majoritária de apoio da grande mídia a Serra. Tampouco os que apoiam Ciro Gomes ou Marina Silva. Os três candidatos vêm das fileiras do atual governo federal, o mesmo que em oito anos pouco ou nada fez para democratizar a mídia no Brasil. Ao contrário: persistiu na distribuição de concessões de rádios e televisões por critérios político-partidários; optou por um modelo de TV digital que não modifica o essencial; recuou recentemente da defesa de uma maior democratização da mídia, assustado com o discurso que dizia que o “controle social” previsto no Plano Nacional de Direitos Humanos era autoritário e antidemocrático. Democracia, para os donos da mídia no Brasil, é manter nas mãos de onze famílias o controle de quase tudo que circula de informação.

                                        Fonte: Curta “Levante a sua voz”, do Intervozes

Se alguém poderia reclamar seriam os movimentos sociais que, no nível ideal, poderiam apoiar os candidatos de sua preferência, mantendo a independência de afirmar seus limites e equívocos. Pouco provável que isso, também, aconteça. A maior parte das organizações populares existentes já fez sua escolha e não deixará de fazer “concessões” em nome da eleição de sua candidata.


A internet terá peso maior nas eleições?

                    Fonte: blog Amanhã é outro dia - jacksonangelo.blogspot.com

É provável que sim. Mas estará longe de interferir significativamente nos rumos das campanhas dos candidatos no essencial: o eixo de seus programas econômicos, políticos, culturais.

Todos os maiores candidatos já têm redes de comunicação, “twitteiros”, blogueiros, internautas prontos para uma guerra de acusações e versões. Se considerarmos, no entanto, que a “exclusão digital” no país ainda é uma das maiores do mundo (embora o país apareça em pesquisas internacionais como aquele em que mais horas diárias se acessa a internet), estes debates tendem a se limitar a alguns setores da sociedade. A regra, penso, é a mesma que a usada para a grande mídia: olho vivo e buscar entender o que está por trás da enxurrada de informações que provavelmente circulará.


As pesquisas terão peso na definição dos votos?


                                                Fonte: Alienado.net

Eis uma antiga polêmica. No Brasil, no entanto, já houve momentos em que interpretações de números de pesquisas às vésperas das eleições potencialmente mudaram o resultado das urnas. Ainda há um lugar comum que pensa que “não desperdiçar o voto é votar em quem vence”.

Desde já há inúmeras análises das pesquisas sendo realizadas. Uns afirmam que a candidata Dilma tende a ser beneficiada, pois nem metade dos brasileiros sabem que ela é “a cara” escolhida por Lula. Outros dizem que Serra leva no primeiro turno, se ainda se investir na polarização entre os dois candidatos. Ciro tenta convencer seu partido e os governistas de que seria uma boa opção para provocar segundo turno. Enfim, nos próximos meses teremos contato com inúmeros, longos e infrutíferos debates sobre números, percentuais, cálculos matemáticos etc. De novo o essencial estará guardadinho de baixo dos tapetes.


E quem se incomoda com isso?

                         Fonte: Site Overmundo

Nós deveríamos. Em um mundo em que cada vez mais a democracia representativa burguesa se apresenta como a forma acabada e privilegiada de exercício da política, a eleição de um ou outro governo interfere no quotidiano de nossas vidas, nas políticas sociais a que temos acesso, na ampliação ou limitação de direitos da população. Caminho alternativo seria haver grandes mobilizações populares (sempre possível, mas infelizmente improvável no curto prazo: a maior parte dos movimentos sociais já se adaptou a este formato) em torno das bandeiras que realmente interessam à população, forçando os candidatos a se moverem na direção reivindicada.

Quem não se preocupa atualmente são os que lucram com o momento conjuntural do país. Os jornais têm trazido declarações de empresários e banqueiros nacionais e estrangeiros de que com qualquer candidato a “estabilidade econômica” estará garantida. Leia-se: seus lucros continuarão crescentes e sólidos.


Então, o que fazer?

                                     Fonte: UFRB

Penso que não devemos ter dúvidas. Salvo a remota possibilidade de mobilizações sociais de grande impacto surgirem pelo Brasil nos próximos meses, a cobertura que veremos se alternará entre os seguintes fenômenos: divulgação e debate rasteiro sobre resultados de pesquisas; gafes cometidas pelos principais candidatos; tentativas de associar candidaturas a escândalos com dinheiro público (o discurso da “ética na política” já se reduziu, há muito tempo, à mera defesa de honestidade, que deve ser obrigação de qualquer pessoa que se candidate a cargos públicos, não um requisito para diferenciar e decidir votos); os acordos e acertos entre partidos que se dizem muito diferentes, mas que em nome de um número maior de votos se aliam a adversários sem a menor dificuldade – vejam o Rio de Janeiro: Cabral, Garotinho, Benedita, Lindberg, Jandira e Crivella terão a mesma candidata a presidente; César Maia e Gabeira ensaiam o mesmo candidato. Tudo justificado pelo “tempo de TV”.

Parece-me que o caminho é analisar este difícil quadro com o distanciamento crítico necessário. Não será um jogo em que se oporão santos e diabos.

Umberto Eco afirmava, já em 1998, que a tendência dos diferentes partidos é de uniformizar sua intervenção na televisão, dificultando a percepção de eventuais diferenças existentes. Para o autor de O nome da Rosa, o que se faz é declarar “(...) à TV uma coisa qualquer”, na tentativa de fixar “(...) a pauta das prioridades jornalísticas”. Citando os Estados Unidos e suas quase sempre mecânicas eleições, Eco nos lembra que os candidatos se submetem às características do debate televisivo, seguindo “(...) regras de uma oratória aparentemente improvisada, mas na verdade milimetricamente estudada”. Em um país como o Brasil, em que 93% da população assistem televisão, certamente estas estratégias não podem ser desconsideradas.

Sabendo que este é um terreno pantanoso e polêmico, penso que a tarefa de curto prazo é manter acesa nossa capacidade crítica para o batalhão de informações que se aproxima. E abrir espaços para debate crítico e respeitoso do comportamento da imprensa, dos candidatos e de seus partidos.

No médio prazo, estou convencido da necessidade de um balanço histórico do quanto as eleições, nos moldes em que ocorrem no mundo atual, pouco ou nada acrescentam à construção de um mundo justo. Rejeitar ditaduras e reconhecer a hegemonia do capital no atual momento histórico não pode ser assumido por nós como “fim da história”. O ser humano é capaz de reinventá-la, projetá-la e construí-la em moldes alternativos.

Agradecimento

Maria Isabel da Cruz, a Bel, de Paulínia, novamente nos brindou com uma grande contribuição ao enviar as capas da revista Veja em suas edições de São Paulo e Rio de Janeiro. Novamente envio meu beijo e gratidão.


Citações

As citações de Umberto Eco estão no artigo Sobre a Imprensa (In Cinco Escritos Morais. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998, p. 63, 71, 76-77).

Os números de telespectadores de televisão aberta no Brasil foram citados pelo jornalista Daniel Castro, então na Folha de São Paulo, durante os debates sobre a televisão digital no Brasil, em 08 de março de 2006.

As onze famílias que dominam a comunicação no Brasil estão no vídeo que não me canso de recomendar a todos, do Intervozes, chamado “Levante sua voz” (acesso em http://www.intervozes.org.br/).

Sobre o episódio da vinheta da Globo a fonte principal foi o blog de Altamiro Borges (http://altamiroborges.blogspot.com/2010/04/tv-globo-o-clip-do-serra-e-os-ingenuos.html). Os investimentos dos candidatos a presidente da república na mídia eletrônica estão anunciados em http://www.vermelho.org.br/noticia_print.php?id_noticia=124967&id_secao=1

Dica

Em 2002 a Carta Capital já tomou posição pública sobre as eleições presidenciais. A dica, como sempre muito oportuna, me foi dada por Ana Lúcia Vaz. O artigo publicado à época está em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp021020021.htm



Jefferson Lee de Souza Ruiz é bacharel e mestrando em Serviço Social pela UFRJ. Profissionalmente atua como assessor político do Conselho Regional de Serviço Social – RJ.

3 comentários:

  1. Muito oportuna a discussão. Os meios de comunicação defendem seus interesses como raposas velhacas, astutas. O triste é que todo esse contingente que você cita como desconhecedor até dos candidatos, que não é pouca gente, sugere um perfil de inocentes nas mãos de interesseiros, gente manipulável. São galinhas para as raposas.
    Como você bem disse, o governo atual não se mexeu para alterar a realidade, mostrando que não há interesse de mudança, há interesse em se ocupar do poder e se valer de suas benesses, tirar proveito das regras e das mesquinharias tanto da campanha como da distribuição de cargos e fruição da máquina.
    O show está apenas começando.
    Um abraço.

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  2. Olá, Humberto!
    Que legal sua participação conosco! E com observações tão oportunas!
    Dialogando contigo, acho importante fazer dois registros. Há grandes polêmicas entre os que debatem comunicação acerca de que esfera de autonomia este contingente aparentemente inocente tem. Estou entre os que pensam que, no caso do Brasil, tem enorme importância o fato de que a imensa maioria da população tem na televisão seu principal meio de informação. Combinado com as estatísticas educacionais (inferiores, por exemplo, a grande parte dos países da América Latina) este é um fenômeno que não devemos, penso, desconsiderar. Há, no entanto, autores que nos lembram, adequadamente, que há uma certa esfera de autonomia no ser social que não devemos desconsiderar. Enfim, é um debate aberto.
    O outro aspecto diz respeito ao comportamento do atual governo acerca da democratização da comunicação. Penso que em várias áreas a política adotada foi de continuidade do que vinha sendo implementado pelos governos federais anteriores. Em algumas, a política foi aprimorada. Em outras, como a comunicação, a política parece ter seguido os eixos centrais anteriores. Isso não significa colocar sinais de "igual" entre tais governos e/ou partidos, mas manter a criticidade necessária para estas análises.
    Abraço,
    Jefferson

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  3. Saudações, meu caro Jefferson e minha cara Nelma,
    Não queria me alongar mas apenas gostaria de ponderar alguns pontos – ou um ponto – que achei inadiavel.
    Primeira coisa gostaria de solidarizar com suas assertivas sobre a esfera de autonomia nesse contingente de “inocentes”. É claro que não existe classe ou grupo social monolítico, indivisível com todos seus membros pensando e agindo homogeneamente. Quando eu disse que esse contingente que ainda não conhece os candidatos à presidência são inocentes, e por isso, manipuláveis – seja por políticos, seja por religiosos ou por meios de comunicação interesseiros e inescrupulosos - digo isso não no particular, mas no genérico. Os que têm uma grande restrição de informação, não espero uma reflexão muito elaborada nem muito crítica da realidade, ainda que apareça um aqui outro acolá que destoe na maneira de pensar da maioria. Este contingente, se por um lado tem um senso crítico, por outro acalenta um certo messianismo entre um operário e a mídia. Acreditam que “a Globo é meu pastor”.
    A autonomia existe, porém é pequena, dar muito peso a isso me faz lembrar da mitologia marxista que acreditava no proletariado como classe revolucionária.
    Sobre este governo, os possíveis aprimoramentos foram solapados pela entrega do país de mão beijada aos banqueiros e corruptos.
    Um abraço.

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