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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Editoria Caleisdoscópio Baiano

Lições dos povos indígenas





Claudia Correia*



O jornal baiano A TARDE de 30/05/11 noticiou o avanço da Educação Indígena na Bahia na matéria “MEC destaca a Bahia no ensino oferecido em áreas indígenas”, dando conta da existência de 60 escolas indígenas e 7.730 alunos matriculados em aldeias estaduais.

Imediatamente um filme passou em minha cabeça e um sentimento de saudosismo e orgulho me invadiu. Viajei para 1981 quando ainda estudante do 2º ano de Serviço Social na UCsal ingressei na militância indigenista através da ANAI – Associação Nacional de Ação Indigenista. Reuniões noturnas sem hora para acabar, viagens por estradas esburacadas com pouco dinheiro, Projeto de Educação Indígena (Capacitação de monitores para Alfabetização de Adultos e Jovens com base na obra de Paulo Freire), acampamentos improvisados, muitos embates com os governos municipal, estadual e a FUNAI e um grande aprendizado político. Digo sempre que para mim, filha da classe média urbana, ter escolhido o Serviço Social e a militância política por direitos humanos me proporcionou ver o mundo com outros olhos, me humanizou e me deu um senso critico que marcou para sempre minha trajetória.

Nesta época, na década de 80, convivi com os mais respeitados antropólogos e indigenistas baianos entre eles, Ordep Serra , atual dirigente da UFBa e meu orientador do Mestrado em Ciências Sociais na UFBa ( que por imaturidade abandonei em 1984), Maria do Rosário Carvalho, Eduardo Almeida, Pedro Agostinho e muitos outros. Em 1981, na reunião da SBPC sediada em Salvador, participei de uma Mesa redonda sobre os povos indígenas da Bahia e a questão fundiária e fiquei tão impactada que entrei no dia seguinte na ANAI e só me desliguei formalmente em 1990.

Em 1983, ano que me formei, tive o privilegio de representar a ANAI em um Seminário sobre Educação Popular com Paulo Freire, na Diocese de Juazeiro- Bahia, com diversas entidades que atuavam com educação para a cidadania. Lembro que fiquei sem dormir por dias, mobilizada com as discussões e a oportunidade de tomar café e conversar na varanda da Diocese, com o Mestre Paulo Freire. Na época ele estava casado com Elza, um casal simpático, alegre, e de uma sabedoria rara.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Alegria, esperança*  
CARNAVAL MEXICANO, CENTROS DE ANIMAÇÃO E CULTURA EM PARIS




Mione Sales*
TEXTO, FOTOS E VÍDEOS

« Agora eu já sei
da onda que se ergueu no mar
e das estrelas que esquecemos de contar »
TOM JOBIM



Como « a maré não está muito para peixe » (aliás, o sol acaba mesmo de entrar em Áries), com direito a guerras e terremotos no Oriente - árabe e asiático -, resolvi partilhar um pouco da esperança que resta por estas bandas acima da linha do Equador.

Sou fã das iniciativas francesas de cultura e ainda por cima daquelas que custam pouco, porque são iniciativas comunitárias. Refiro-me, nesta matéria, a um carnaval de bairro, no 10ème arrondissement, neste último final de semana, o qual teve a participação de professores, pais, alunos e vizinhos de duas escolas públicas - Aqueduc e Louis Blanc. Essa festividade contou ainda com o apoio logístico de um centro cultural do quartier, no caso o Centro de Animação Château Landon, financiado em parte pela prefeitura.


Cartaz do evento

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Editoria Caleidoscópio Baiano

Ode ao Rio de Janeiro

                                           Baía da Guanabra e Pão de Açúcar ao fundo


Claudia Correia*


Primeiras Palavras...


O texto que segue abaixo abre minha dissertação de Mestrado, apresentada ao Insituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (2001). No dia da defesa, o professor Elenaldo Teixeira (UFBa) - falecido em 2008 -, que convidei para compor minha banca como avaliador externo, disse que era uma « ode ao Rio ». Segundo ele, eu rompia um pouco com o rigor acadêmico, permitindo-me um tom mais poético na abertura da dissertação.

Foram seis meses difíceis na Cidade Maravilhosa, mas também muito ricos para mim. No entanto, se meus colegas baianos (sete) viviam em pânico, nunca tive medo de andar pelas ruas da cidade. Por isso, aproveitei o mote da dissertação para expressar em palavras todo este sentimento, produto do meu exílio intelectual no Rio de Janeiro, que aqui compartilho com vocês, blog-leitores.

sábado, 20 de novembro de 2010

Editoria Caleidoscópio Baiano

Direitos culturais como expressão dos direitos humanos
alguns eixos para a formulação de políticas


                                                                                                                                foto: Mione Sales

 
Claudia Correia(*)
 
 
Não consigo conceber os direitos culturais dissociados dos Direitos Humanos e dos princípios éticos que inspiraram a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU aprovar em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Brasil, signatário desse valioso pacto mundial em defesa da liberdade, da justiça social e da igualdade ainda precisa avançar muito na efetivação destes direitos. Os primeiros passos foram dados recentemente, contextualizando a Política Nacional de Cultura no cenário sócio-econômico e político brasileiro e abrindo espaços para atores sociais expressarem suas históricas demandas, tendo vez e voto.

Em recente entrevista à Revista Muito (Jornal A TARDE, Salvador, Bahia, novembro 2010), Zulu Araújo, Presidente da Fundação Palmares, definiu bem as três dimensões da cultura. Ele destacou o aspecto simbólico, da produção artística, a natureza econômica do universo cultural que envolve geração de emprego, renda e trocas de mercadorias com valor de bens patrimoniais e a relevante dimensão do direito de cidadania que a cultura implica. Fiquei muito contemplada com esta percepção apurada, ampla, abrangente, fundamental para gestores da Política Pública de Cultura num país marcado pela diversidade cultural como o nosso.

A garantia do direito à cultura está prevista na Constituição Federal brasileira:

"Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

A partir de amanhã inicia-se dez Oficinas de Circo gratuitas, no Rio de Janeiro, Queimados e Três Rios. O grupo Off-Sina fará parte desse projeto cultural, que divulgamos na agenda cultura do blog Mídia e Questão Social. Clique aqui para maiores informações.

Aproveito a oportuinidade desse evento cultural, importante, para reproduzir abaixo uma reportagem que fiz e foi publicada no Brasil de Fato, Edição 399 de 21 a 27 de setembro de 2010, com o título “Choque de ordem contra cultura popular”. Já tratei do assunto aqui no blog, em 26 de agosto de 2010, com o título “A arte pela vida contra o deserto”.


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Choque de ordem contra a cultura popular



Ana Lucia Vaz*

Para fazer um espetáculo teatral gratuito em praça pública, no Rio de Janeiro, o artista precisa dar entrada num pedido de “nada a opor”, na Secretaria de Ordem Pública, com 30 dias de antecedência. Já os blocos de carnaval de rua tiveram até o dia 24 de setembro deste ano, para pedir a “autorização” da Prefeitura para desfilar no carnaval de 2011. É o choque de ordem na cultura popular carioca.


Ordem acima da lei

Atores e coordenadores de blocos afirmam que as normas da Prefeitura são inconstitucionais. “Não é concebível que o prefeito diga quem pode e quem não pode fazer cultura de graça, na rua, para o povo!”, protesta Luis Otávio Almeida, coordenador do Cordão do Boi Tolo e membro da Desliga de Blocos. Dia 19 de setembro, a Desliga promoveu sua segunda Bloqueata, um carnaval-protesto contra o decreto de Eduardo Paes.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta




Texto e imagens
Mione Sales*


« Vento, ventania
Me leve prá qualquer lugar
Me leve para
Qualquer canto do mundo
Ásia, Europa, América... »
Biquini Cavadão


Cérebros-voadores: entre sons e desmistificações


Atos falhos existem. Os lapsos cuidadosamente monitorados por psicanalistas que o digam. Por isso, penso que vale a pena contar, a título de introdução, uma pequena historieta que explica o meu interesse pelo tema dos papagaios muitos anos antes de conhecer o Festival de Dieppe. Um dos motivos desse interesse conto logo. O outro, blog-leitores, vocês somente vão ficar sabendo ao final da matéria.



Pois bem. Desde que comecei a ouvir falar na França em « cerf-volant » - um termo que, no Brasil, equivale a « pipa », « papagaio » e mesmo « arraia » (no Ceará), certa homofonia impôs-se em prejuízo do sentido. Ao invés de perceber gamo (“cerf”) e voador (“volant”), decodificava sonoramente algo, dito muito rápido, como “cerveaux-volants”: “cérebros-voadores”. Para quem está aprendendo um novo idioma, há, por vezes, uma linha muito tênue entre o certo e o errado, em razão de uma escuta ainda não apurada, um ouvido não treinado suficientemente. Ambiguidades imperam solenes, posando com ares de certezas até ruírem como a areia de castelos na praia. Freud vem em meu auxílio, sugerindo uma outra explicação para o porquê dessa confusão fonético-semântica: os franceses são tão racionais e expressivos que tudo nos leva a imaginá-los, de forma fetichizada, quase sempre primordialmente como « seres pensantes ». Por isso, os cérebros-voadores !

Recentemente, um amigo, porém, me sugeriu uma outra possibilidade de homofonia: « cerveaux-lents », « cérebros-lentos »… Talvez, lá no fundo, a minha “lentidão kunderiana” contribua mesmo para esse tipo de mistificação.

Na verdade, conversando com Jean-Michel Petit, um dos participantes históricos do Festival Internacional do Papagaio de Dieppe, na França – que acabou de acontecer, entre 11 e 19 de setembro na Normandia - ele me explicou que a expressão « cerf-volant » provém de uma espécie de inseto. Penso, de imediato, num louva-deus, por sua fragilidade. Substituo, assim, cérébros ou cervos-voadores pela imagem de um inseto garranchudinho.

Faz sentido, visto que « papagaios » ou pipas têm uma estrutura frágil. No Brasil, por exemplo, a tradição consiste num losango de papel de seda sobre um delicado esqueleto em madeira fina, suspenso por uma linha, a ganhar coloridamente os céus.

No entanto, mais uma desmistificação se faz necessária: o inseto em questão é um coleóptero bojudinho ! Paro, espero e decifro, como recomendava Drummond, e percebo que o « cerf-volant » - o inseto - com as patas abertas, adquire uma forma que pode se assemelhar a uma modalidade de papagaio. Ele tem também na cabeça uns ferrões que lembram os cervos! De todo modo, como se diz por aqui, ce n’est pas évident … Imagem por imagem sou mais a « arraia » cearense !


Concluo, assim, que a etimologia das palavras é mesmo assunto para cérebros-voadores como o meu, que adoram viajar ! Mas falemos finalmente de Dieppe e do Festival de Papagaios.


Quantos céus um homem deve voar

"Que sont les cerfs-volants ?
Ils sont l'image de la joie sur le visage d'un enfant
lorsqu'il sent pour la première fois la traction qu'exerce le vent.
Ils sont l'image du miracle de ‘ça vole’.
Ils sont une façon d'exprimer l'inspiration artistique de chaque homme
lorsqu'il essaie de trouver un sens à son action et son existence.
Ils sont le miracle qui remplis le ciel de beauté…".*
(Don Mocke, USA)


Fonte : Association Turbulences

 
Jean-Michel Petit ou simplesmente « Jamie » é um francês de uns sessenta anos, recentemente aposentado, que quedou de paixão pelos papagaios, há uns 24 anos atrás, ali mesmo em Dieppe – que realizou agora o 30° Festival Internacional de Cerf-volant. Segundo ele, é o maior Festival da Europa. No caso de Jamie, foi paixão à primeira vista. Disse-nos ele - em entrevista especial para o blog Mídia e Questão Social -, que deparar com o céu repleto das cores dos papagaios foi algo tão impressionante que o conquistou para sempre.

 
Jean-Michel Petit, da Association Turbulences (Dieppe, 2010)


Isto levou-o, alguns anos depois, a criar, em 1991, a « Association Turbulences » (Turbulências) [http://turbulences.cv.free.fr/invite.html], com vistas a reunir outros apaixonados por este esporte, que depende basicamente do espaço livre e do vento.


Outros membros de « Turbulences » (Dieppe, 2010)     


O que encanta nessa prática cultural e esportiva é, antes de tudo, o seu aspecto lúdico. Homens, mulheres e até famílias, portanto, podem libertar a criança que existe dentro de cada um. Os « cérebros-estressados » cedem a vez justamente à leveza do brincar e descontrair que o contato em especial com a praia permite.


« El tiempo passa »: Festival Internacional de Dieppe, 30 anos de história


Foto: Mione Sales


Dieppe é uma cidade portuária na Normandia. Uma parte do seu turismo hoje tem a ver com esse festival que começou ali despretensiosamente em 1980, sucedendo-se sempre a cada dois anos. No início participaram apenas 6 países da Europa e hoje já são mais de 40. Em 1988, pela primeira vez,
dois países distantes honraram o Festival com a sua presença: a China e a Tailândia. Talvez por isso, a Tailândia tenha sido em 2010 o primeiro país a ser homenageado pelos « cerf-volistas ».




Se em 1990, eles já reuniam um público de 120.000 participantes, para assistir, nos gramados de Dieppe, as manobras do competidores, em 2004 esse número saltou para 450.000 espectadores, consagrando a beleza e a leveza desse espetáculo aéreo. Como diz Jamie, da Associação Turbulências, o que atrai no papagaio e faz dele um prazer e uma diversão familiar é o seu caráter, ao mesmo tempo, ancestral e universal.


 País homenageado: balé tailandês, no sábado 11 de setembro.

Tradição circence francesa: « pernas de pau », domingo 12 de setembro

Essa « paixão pelo vento », a qual remonta historicamente a 3.500 anos atrás na Indonésia, segundo pesquisas mais recentes, deve falar ao Icaro que dorme dentro de cada um de nós. Se não podemos, pois, voar, por que não amar tudo o que voa? Ou como diria o poeta Mário Quintana:

"Se as coisas são impossíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las!
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

Turbulências é filiada à Federação do Voo Livre e é parceira da organizadora do Festival, a Associação « Dieppe capital do Cerf-Volant ». Mas em que consiste esse Festival? Os participantes-concorrentes dos diversos países se inscrevem nas modalidades, por exemplo, « cerf-volant » acrobático e « cerf-volant » de combate (lembram das linhas das pipas brasileiras cheias de cerol ? Na França, ele se chama « manjha » e é feito com pasta de arroz e vidro triturado. Ganha, portanto, quem consegue cortar e eliminar a pipa adversária.)


                                                   Foto: Mione Sales


A partir de 2002, o Festival integrou os « cerf-volant » gigantes ou estáticos, que ficam suspensos  presos a uma base pesada. Um espetáculo realmente de tirar o fôlego!


Foto: Mione Sales


Dada a presença de diversos países, essas grandes figuras ganham formas as mais diversas, inspiradas nas culturas japonesas, tailandesas, francesas, americanas, belgas, entre outros [Ver também os links]. Como se trata de um Festival Internacional, as interpretações e criações são múltiplas e ricamente variadas. Ou seja,  soltar pipa também é cultura!


Foto: Mione Sales


Há também recortes temáticos. As mulheres já foram homenageadas e também o meio ambiente, por meio da fauna e da flora, assim como a música e o som.  Verdadeiras músicas do vento!





Esse « hobbie » conta com 11 festivais somente na França. No mundo, países como Inglaterra, Espanha, Itália, Japão, Líbano, India e, pertinho do Brasil, a Colômbia, têm também seus festivais.


Do combate à arte: pipas e questão social no Brasil


Fonte : Blog Insoonia


E por falar nisso, o Brasil estava no festival, representado por um casal, um carioca e uma paulista, os quais mantinham um stand todo verde e amarelo, como bem se pode imaginar. Havia ali uma grande pipa homenageando as festas juninas! O “cerf-volista” carioca disse já ter tentado criar um festival semelhante no Rio, mas na altura em que tentou, a Prefeitura não se interessou nem autorizou. Talvez em razão da má fama adquirida pelas pipas, depois que elas começaram a servir de « aviso » não aos navegantes, mas aos traficantes, quanto à chegada da polícia. Mais uma vez cabe recorrer ao poeta, dizendo : « Ora! Não é motivo para não querê-las! ».



Fonte : Blog Insoonia


Cabe decididamente resignificar e nos reapoderarmos dessa arte eólica, primitiva, natural e lúdica. Em pesquisa pela Internet, conseguimos identificar alguns eventos realizados em São Paulo, onde há, inclusive, um Pipódromo, e em Minas Gerais, mas sob o comando da Companhia de Energia Elétrica / CEMIG.  Se os meninos do Rio e do Brasil, tivessem à sua disposição mais recursos educacionais e criativos, menos se envolveriam com as atividades ilícitas.

Uma outra limitação quanto à brincadeira com os papagaios pela criançada brasileira é o risco de acidentes com a fiação elétrica. Impõe-se, portanto, a necessidade de criar espaços livres e seguros para o exercício dessa prática pelos meninos e meninas do nosso país. Uma prática que permite que tenham opções de lazer longe das telas de tevê, que é ao que se resume muitas vezes o cardápio cultural das classes trabalhadoras pauperizadas.

Céu livre


« Me leve para
As bordas do céu
Pois vou puxar
As barbas de Deus »
Biquini Cavadão


O Brasil é reconhecido mundialmente como um dos países praticantes do papagaio tradicional. No Rio de Janeiro, segundo dado divulgado no site do Festival de Dieppe, são vendidas 40 mil pipas todos os anos, voltadas à prática do cerf-volant de combate.

Prafraseando o poeta, “voar é preciso, viver não é preciso”. Pensemos, então, na imensidão do litoral brasileiro, em especial no Nordeste, quantas praias e cidades não poderiam abrigar festivais dessa monta ? Pense-se em toda a rede de sujeitos envolvidos, investindo numa sociabilidade artística popular, com a realização de oficinas, trocas de experiências e muita linha solta no céu?

E por falar no Nordeste, a professora e cronista que vos escreve, reivindica em nome de todas as meninas e mulheres brasileiras o direito de soltar pipa. Quando criança, morando num dos subúrbios de Fortaleza, era totalmente proibido ou mal visto uma menina soltar « arraia ». Só experimentei uma vez e rapidamente graças a um paquera, quando tinha uns dezesseis anos. Essa é sem dúvida uma das injustiças de gênero!


Foto: F. Hugon  


Trocando ideias com amigas de outros estados (Rio de Janeiro e Minas Gerais), inclusive no contexto do Festival de Dieppe, descobri que essa era uma característica sobretudo da educação repressiva no Nordeste. Menos mal. Nunca é tarde para se exercer a liberdade ! Soltei finalmente pipa, agora, junto com a minha filha em Dieppe.


Mione Sales – é assistente social, doutora em Sociologia (USP) e professora da FSS/Uerj. Contato: mioneecia hotmail.com

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Tradução

* "O que são as pipas?
Elas são a imagem da alegria no rosto de uma criança,
quando ela sente pela primeira vez a tração que exerce o vento.
Elas são a imagem do milagre do ‘isto voa’.
Elas são um modo de expressar a inspiração artística de cada homem
quando ele tenta encontrar um sentido para sua ação e sua existência.
Elas são o milagre que enche o céu de beleza…".

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Glossário

Homofonia - palavras que se pronunciam igual, porém se escrevem de forma diferente são homófonas.

Fonética – é o ramo da linguística que estuda os sons físicos do discurso humano, especialmente a sua produção e recepção.

Semântica – é o estudo do sentido das palavras de uma lingual.

“Lentidão kunderiana” – referência ao livro A lentidão do autor tcheco Milan Kundera.

Etimologia – estuda a origem das palavras.

Cerf-volista – praticante da arte de soltar pipa, papagaio ou “cerf-volant”.

Cerol – mistura de cola e vidro moído, aplicada à linha das pipas.

Eólico – diz-se daquilo que é movido pela força do vento.

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Links

Para navegar

(site da Association Turbulences)

Federação francesa do Voo Livre)

(clube francês do « cerf-volant » )

 (sobre o « cerf-volant » de combate)

(Artigo em francês sobre a prática dos « papagaios » na América do Sul e Central: Brasil, Colômbia, Chile e Guatemala)

(« Papagaios » na Índia)

(uma outra Associação « Vento Cortês », que existe desde 1978, dessa vez em Woincourt, na Picardia - Norte da França)

(para dar uma ideia dos « cerf-volistas » ou mais amplamente « eolistas », em referência às várias curtições ao vento)

(outros festivais, dessa vez em Berck sur Mer, em Pas de Calais, também dos lados da Mancha)


Oficinas de pipas

(o belo site Ecoarte)


No Brasil

(Festival da CEMIG – companhia elétrica de Minas Gerais)

(Com muitas fotos e tipos de pipas nacionais e internacionais)

(site paulista de pipas)

(site carioca de pipas)


Em Portugal



Para ouvir

(música eólica)

(reportagem sobre música eólica)

(Clip-vidéo de « Le vent nous portera », música do grupo Noir Désir)

(Outra bela versão da mesma canção)

(A emblemática « Vento Ventania » do Biquini Cavadão)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Estréia hoje a Editoria...

Fazendo Arte & Educação


Ricardo Pereira*


Um alô, para começar

Sou professor de Artes da rede estadual no Rio de Janeiro, antiga Educação Artística. Hoje, é minha estréia por aqui. Não sei se começo Fazendo ARTE, não sei se começo com Educação. Depois de um lampejo rápido de decisão, farei as duas coisas, pois todo educador seja formal ou popular, prima pela educarte sempre, com todo o neologismo necessário para essa explicação. Se você não entender de pronto,não se preocupe, pois durante a nossa convivência virtual, perceberá o quanto a arte é necessária para se educar. E me conhecerá!

Sou um professor-camarada, ou pelo menos busco ser. Essa postura de horizontalidade tem a ver com a minha história de participação no movimento estudantil também no Rio de Janeiro, desde a AMES-RJ (Associação Municipal de Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro) até o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UERJ. A experiência entre os estudantes « cara-pintadas », sujeitos políticos-chave na luta pelo impeachment do Collor, me deu toda a prova de que o saber não é coisa de se guardar pra si, mas algo para viver e partilhar tanto quanto para questionar e transformar. É preciso espraiá-lo ao nosso redor, principalmente junto aos que estão à espera do conhecimento para entenderem a si mesmos, a vida, e as instituições, com as quais têm laços apertados. Hoje, uma de muita importância, a educação, precisa ser cuidada, zelada e revolucionada em muitos sentidos.

Penso no prumo que meus alunos precisam para a construção de suas vidas num futuro próximo, dentro de uma perspectiva de independência e, vou usar uma palavra da moda, sustentabilidade. Mas não me apoio nessa linha de modismo, na verdade, mas nos direitos sociais que precisam ser ditos, explicitados. A arte e a educação, associadas à cultura - com seu misto de criatividade, potencial rebeldia e socialização para a entrada no mundo adulto - podem contribuir e muito nessa proposta.

 
Agora, estou pronto para começar... Com as mãos geladas, mas teclando com todo o gosto. Falarei abaixo de coisa muito séria - educação, e fecho com coisa muito bonita – arte. 


Educação do Estado Rio de Janeiro no CTI  

Recentemente o blog Mídia e Questão Social divulgou matéria do Uol, que expunha a realidade da educação no Estado do Rio de Janeiro. Vocês ainda não sabem, mas sou também profissional do SEPE-RJ (Sindicato dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro), razão pela qual meus companheiros de blog acharam que eu teria a acrescentar ao debate que já vem sendo travado por aqui sobre mídia, questão social e cultura. O poema abaixo diz bem ao que vim: 
“Sou profissional da educação a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou profissional da educação a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou profissional da educação contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou profissional da educação a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou profissional da educação contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou profissional da educação a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias.” (adaptado da obra de Paulo Freire)
Por isso, nessa primeira matéria para a nossa editoria Fazendo Arte & Educação, decidi contar para vocês, de forma mais precisa e completa, como fazemos o tal cálculo que permite mensurar os dados de carência de profissionais na rede de ensino estadual. É simples.
O Sindicato (SEPE-RJ) vem utilizando, atualmente, uma metodologia que é a leitura e acompanhamento sistemático das exonerações e aposentadorias publicadas no Diário Oficial do Estado. Pegamos esse número e deduzimos do número de chamadas de concursados, revelando um primeiro dado de carência dos profissionais de educação. Somam-se a esse cálculo os números de Gratificação por Lotação Provisória /GLP (hora extra do professor), declarados pela SEEDUC (Secretaria Estadual de Educação), que totaliza um quadro de carência geral, o qual dividido por dias úteis nos fornecerá um total de saída diária desses profissionais. Chega-se ao cálculo absurdo de quatro professores por dia fora de sala de aula em 2010. Vejamos abaixo um quadro que detalha a situação:


QUADRO DE CARÊNCIA DE PROFESSORES – REDE ESTADUAL/RJ*

Levamos em consideração a declaração da SEEDUC em 2002, contabilizando em 26.000 a carência de professores na rede estadual.

Esses números de exonerações e aposentadorias são precisos, diferente do que diz a matéria do portal UOL. Tem ainda números não divulgados pelo Governo, o que demonstra que a situação é ainda mais alarmante. Não temos acesso, por exemplo, ao número de licenças médicas, de professores em readaptação (fora de sala de aula) e de quantos professores chamados realmente tomaram posse. Esses dados que revelam a migração dos professores para fora do sistema estadual vêm crescendo principalmente quando levamos em conta o aumento de casos de assédio moral e violência nas escolas, com média de cinco a dez casos denunciados diariamente ao Sindicato.


Promessas vãs: a história se repete

Mas com toda certeza, o principal fator desse verdadeiro êxodo profissional é a desvalorização dos profissionais. Ainda em campanha, em 2006, Sérgio Cabral se comprometeu, por iniciativa própria (através de carta dirigida à casa dos profissionais da educação do Estado), com várias reivindicações históricas dos profissionais da educação. Algumas destas promessas: reposição das perdas salariais dos últimos 10 anos; descongelamento do plano de carreira dos funcionários administrativos; fim da política de gratificação do Nova Escola e incorporação do valor da gratificação ao piso salarial; fim da política de abonos; abono das greves e paralisações e fim das terceirizações e contratos precários e abertura imediata de concurso público.
Destas medidas devemos destacar que a “política salarial” do governador foi a de incorporação da gratificação do Nova Escola gradualmente até o ano de 2016 (parece piada!), o que, para nós, é, no entanto, direito líquido e certo. Política de valorização apenas através da incorporação de abonos não pode ser levada a sério. E nossas perdas salariais acumuladas nesses anos de arrocho?

Durante esse governo, fizemos inúmeras manifestações em defesa de maior investimento na educação, já que Cabral em sua carta-compromisso dizia que uma de suas metas, caso eleito, seria a de “...fazer da educação do Estado do Rio de Janeiro um modelo para todo o país.”


Uma dura realidade: a educação no Estado do Rio de Janeiro em alerta vermelho

Recebemos no Estado salários aviltantes, salário este menor do que a maioria das redes municipais; soma-se a isso a falta de condições de trabalho, salas superlotadas, aumento de tarefas por falta de profissionais de apoio (pessoal de secretaria, merendeiras e principalmente inspetores), ausência de concursos públicos que deem conta da necessidade funcional nas unidades de ensino, a estrutura física das escolas não tem manutenção suficiente, não há materiais para serem utilizados nas atividades, não é investido o mínimo do orçamento previsto pela Constituição, etc. O resultado é a queda vertiginosa da qualidade do serviço da escola pública e o seu desprestígio crescente na sociedade.

A escola pública, instituição sistematicamente desvalorizada, atacada e desprestigiada, necessita de muitas políticas públicas para se reerguer.

Recentemente foi divulgado o índice de avaliação do IDEB 2010 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que classificou o Estado do Rio de Janeiro como um dos piores, “perdendo” apenas para o Piauí. Não nos espantam - visto que vimos acompanhando diariamente a situação a partir do SEPE-RJ - os dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) divulgados no jornal “O Globo” de domingo (05/09) –, demonstrando que, entre 2006 e 2009, o Rio de Janeiro teve a maior queda no número de alunos matriculados no país.

O “modelo” de Sérgio Cabral nós conhecemos, infelizmente. Tudo o que houve de avanço para a categoria foi arrancado a duras penas.

O melhor exemplo dessa postura do governo Cabral é o do dia 15 de setembro do ano passado, quando, ao se deparar com uma manifestação pacífica dos profissionais da educação, organizada pelo SEPE/RJ, sua polícia militar nos recebeu com bombas de efeito moral, o que acarretou lesões físicas em vários profissionais da educação, afastando-os do trabalho por alguns meses, incluindo esse que vos escreve.

Diante dessa situação, aprovamos em nossos fóruns uma marcha no dia 16 de setembro, que sairá da Candelária em direção à Cinelândia, onde será realizada uma manifestação. Lançaremos, nesta oportunidade, um manifesto em defesa da escola pública e dos serviços públicos estaduais.

Contamos com a presença dos/as companheiros/as nesta atividade, para fortalecer a defesa pela escola pública, gratuita, laica e de qualidade.

Os governos passam, mas a escola pública resistirá!


Esperança que nos anima apesar de tudo 



O autor do desenho acima, Diógenes Magno, é aluno do 9° ano da Escola Municipal Argentina, Vila Isabel no Rio de Janeiro. Gosta de arte e criou o blog Franca Mente [diihm.blogspot.com], no qual faz uma exposição virtual de alguns de seus desenhos.

Já podemos observar uma marca própria em seus "personagens" e cenários. Menino de grande talento, procura sempre se antenar com a vida cultural da cidade. Tem interesse por Graffiti e participa ativamente de todas as atividades artísticas na sua escola. Em 2009, participou da pintura do muro da escola junto com colegas e professores...




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Ricardo Pereira - é professor Docente da disciplina de Artes da rede estadual, militante e funcionário do SEPE/RJ. Contato: e-mail: ricardoploc80@globo.com

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

A arte pela vida contra o deserto

A arte de rua pousa para foto diante do monumento à grande arte


Ana Lúcia Vaz*


Artistas de circo, teatro de rua, foliões e outros "loucos", ou melhor, artistas, fizeram um lindo ato, segunda-feira, dia 23 de agosto, na Cinelândia, centro do Rio. Festa política. “Para que todos saibam”, diziam eles, que as cidades estão sendo privatizadas, no Brasil.

Praças gradeadas, atividades publicas cercadas, com distribuição de senha, e exigência de autorização da Secretaria de Ordem Pública para qualquer atividade de rua. Tudo isso, segundo Amir Haddad, do grupo Tá na Rua, é parte de um projeto de cidade, que avança em todo país. “A população não sabe. Porque é feito de cima pra baixo.”

Amir Haddad coordena o ato-espetáculo popular

Neste projeto, Moradores de rua, camelôs, artistas, foliões, todos foram colocados no mesmo saco e estão sendo expulsos para “limpeza das ruas”. "Querem transformar isso em Dinamarca!", protestavam os artistas.

O ato foi convocado por centenas de grupos artísticos, em todo o Brasil. Em todas as falas, a denúncia a um plano de cidade “facistóide”, nas palavras de Haddad, uma espécie de rei momo do ato no Rio. A pergunta que se repetia era: “Que Brasil a gente quer mostrar na Olimpíada?”. Para os atores-manifestantes, um Brasil brasileiro, popular, plural e em transformação. Mas, ao que parece, o projeto das autoridades é outro: ordem, controle e praças vazias.

 A festa é do povo

Mas, contra a cidade deserta que o Estado promove, Haddad avisa: "Estamos vivos!" Falta de política para a cultura popular, segundo Haddad. "Só temos política de controle!"

 A festa continua

No final do ato, Herculano Dias, também do grupo Tá na Rua, desabafou: “A gente se sente como o cocô da vaca. Mas eles esquecem que do cocô da vaca nascem cogumelos maravilhosos!”

                              Poetas do mundo pela continuidade da vida


*Ana Lucia Vaz, jornalista, mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net) , professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.


** fotos Ana Lucia Vaz

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Patrimônio Vivo

10º ENCONTRO DE CULTURAS TRADICIONAIS da Chapada dos Veadeiros


Texto
Mione Sales*

Fotos e vídeo
Frédéric Hugon


« O caminho mais curto de chegarmos a nós mesmos
é aquele que dá a volta ao mundo" »
Montaigne.


Não poderia deixar de registrar a feliz coincidência de ter ido passar uns dias na Chapada dos Veadeiros – Goiás, na vila de São Jorge, em Alto Paraíso, justamente na ocasião do 10° Encontro de Culturas Tradicionais. Para quem nunca ouviu falar, trata-se de uma espécie de festival de cultura popular com ares de uma bela festa do interior. Mesmo se é justo descrevê-lo assim, é pouco para traduzir esse encontro com cara realmente de um evento do século XXI, ou seja, um encontro de culturas. Não de países diferentes, mas brasileiras mesmo. Pelo componente inovador e ao ar livre, talvez se aproxime do espírito intergaláctico zapatista daquele que foi o primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo (1996), em Chiapas, mas quem dá as cartas ali não é a política, mas a cultura (rodas de prosa, oficinas, feira de oportunidades sustentáveis, etecetera).


A diversidade passa o chapéu e convida a todos à exuberância e simplicidade da inventividade popular fomentada nas mais longínquas comunidades e povoados do país. Como exemplos, podemos citar a capoeira, o congo, o mamulengo, batuques, catireiros, violeiros, tambores e orquestras populares, presenças confirmadas na festa desse ano. O festival começou em 16 de julho e segue até o dia 31.


Assisti a dois interessantes flashes do festival. O primeiro, sexta-feira (23), foi o encerramento da Aldeia Multiétnica, momento também da « Corrida de Toras »: atividade em que índios de tribos diferentes disputavam quem conseguia perfazer em menor tempo um longo percurso de 8 km portando uma pesada tora de madeira. Não somente os concorrentes corriam, mas membros das respectivas tribos apoiavam aquele que corria com o imenso tronco de árvore pelas ruas de São Jorge. Ao lado dos concorrentes, corriam também vários jovens, entre curiosos, solidários e aqueles que tentavam filmar o evento. Uma cena antológica!


Além da corrida, houve ainda demonstrações artísticas especiais desses povos e cidadãos da floresta, capazes de emocionar corações mais sensíveis frente à beleza da sua liberdade. Ali se encerrava a IV Aldeia Multiétnica.


Ver todos aqueles índios – homens, mulheres, adultos e criancinhas - se divertindo, com seus trajes e pinturas, à vontade e em integração descontraída com os demais brasileiros na pacífica cidade de São Jorge fez-me pensar que o nosso país parece realmente ainda ter jeito.


Vídeo especialmente registrado para o blog M&QS

O astral na pequena São Jorge era dos melhores, com a presença de muitos jovens, naquele que era quase um Woodstock antropológico. Muitas cores, vivacidade e um jeito hippie e popular de povoado interiorano se coadunavam ao espírito ecológico e cultural da agenda do século XXI. Muitas penas, pinturas, tatuagens, cabelos pretos longos e peles morenas revelavam indígenas e mestiços entre os demais transeuntes.


O segundo flash a que assisti no sábado, (24), foram apresentações de comunidades Kalunga. O povo subiu literalmente no palco, a cantar suas canções em toadas, que fazem pensar no “repente” nordestino e no contemporâneo “rap”. Homens e mulheres a partilhar o palco, cheios de cores, exibindo, porém, uma performance em ritmo quebrado e tons despreocupados da afinação profissional. Havia uma intenção de comunicação que se impunha, plena e cheia de si.

Gostei do fato de que aquela festa não quisesse imitar a televisão ou o mundo do show business. Havia um misto de profissionalismo e improviso, mas ninguém estava ali almejando se tornar uma celebridade ou projetar uma outra. O quase anonimato daquelas figuras em azul, com chapéu de couro, e daquelas mulheres com sua desenvolta simplicidade - combinado ao resgate da legitimidade dessa e de tantas outras práticas múltiplas, muitas vezes invisíveis - parecia constituir, por isso mesmo, a própria razão de ser e o caráter inovador do encontro de culturas tradicionais.

              Mural do artista Moacir

O Festival tem dez anos de existência e foi um « gol de placa » na homenagem às tradições brasileiras. Culturas tradicionais – longe de qualquer conservadorismo - é algo que faz pensar nas nossas raízes, aquilo que não foi nem deve ser mumificado - como infelizmente muitos leigos costumam fazê-lo -, sob a alcunha de « folclore ». Constituem, sim, um patrimônio vivo ou imaterial, segundo formulação jurídica e teórica mais recente, conforme me esclareceu Elaine Monteiro, professora da UFF de Pádua e membro do Pontão de Cultura do Jongo. A história dessa construção do patrimônio histórico brasileiro, como se sabe, remonta, porém, à década de 30, ainda sob os auspícios vanguardistas e lúcidos do saudoso escritor Mario de Andrade.

          Mural do artista Moacir

Ver aqueles índios partilhando o mesmo território geo-criativo de caboclos, negros e neohippies, numa rica fusão cultural e intersubjetiva fortaleceu a minha convicção de que a cultura é um tema chave da construção de qualquer projeto societário que se pretenda efetivamente democrático. Não é um porvir. É um presente de mãos dadas com o melhor do seu passado. É um agora. É também um possível futuro, desde que acreditemos que vale a pena ceder espaço a valores menos midiatizados, menos consumistas e mais reais, menos ao sabor das modas e mais ao gosto do povo. Perdoe-me encerrar com um bordão, mas « o povo não é bobo ».

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Mione Sales – é assistente social, professora de Serviço Social (FSS/Uerj) e doutora em Sociologia/USP. Contato: mioneecia@hotmail.com
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LINKS

Para navegar

http://www.encontrodeculturas.com.br/2010/index.php

Para ler

http://site.dm.com.br/noticias/dm-revista/onde-as-comunidades-do-brasil-inteiro-se

http://www.tribunadobrasil.com.br/site/?p=noticias_ver&id=24913

http://www.cultura.gov.br/site/categoria/politicas/patrimonio-e-monumenta/patrimonio-imaterial/
(sobre patrimônio cultural imaterial)

http://www.unesco.pt/cgi-bin/cultura/temas/cul_tema.php?t=9
(site português da UNESCO historia e cita documentos atinentes ao patrimônio imaterial)

Para descobrir

http://www.pontaojongo.uff.br/o-que-%C3%A9-o-pont%C3%A3o