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quarta-feira, 28 de julho de 2010

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Patrimônio Vivo

10º ENCONTRO DE CULTURAS TRADICIONAIS da Chapada dos Veadeiros


Texto
Mione Sales*

Fotos e vídeo
Frédéric Hugon


« O caminho mais curto de chegarmos a nós mesmos
é aquele que dá a volta ao mundo" »
Montaigne.


Não poderia deixar de registrar a feliz coincidência de ter ido passar uns dias na Chapada dos Veadeiros – Goiás, na vila de São Jorge, em Alto Paraíso, justamente na ocasião do 10° Encontro de Culturas Tradicionais. Para quem nunca ouviu falar, trata-se de uma espécie de festival de cultura popular com ares de uma bela festa do interior. Mesmo se é justo descrevê-lo assim, é pouco para traduzir esse encontro com cara realmente de um evento do século XXI, ou seja, um encontro de culturas. Não de países diferentes, mas brasileiras mesmo. Pelo componente inovador e ao ar livre, talvez se aproxime do espírito intergaláctico zapatista daquele que foi o primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo (1996), em Chiapas, mas quem dá as cartas ali não é a política, mas a cultura (rodas de prosa, oficinas, feira de oportunidades sustentáveis, etecetera).


A diversidade passa o chapéu e convida a todos à exuberância e simplicidade da inventividade popular fomentada nas mais longínquas comunidades e povoados do país. Como exemplos, podemos citar a capoeira, o congo, o mamulengo, batuques, catireiros, violeiros, tambores e orquestras populares, presenças confirmadas na festa desse ano. O festival começou em 16 de julho e segue até o dia 31.


Assisti a dois interessantes flashes do festival. O primeiro, sexta-feira (23), foi o encerramento da Aldeia Multiétnica, momento também da « Corrida de Toras »: atividade em que índios de tribos diferentes disputavam quem conseguia perfazer em menor tempo um longo percurso de 8 km portando uma pesada tora de madeira. Não somente os concorrentes corriam, mas membros das respectivas tribos apoiavam aquele que corria com o imenso tronco de árvore pelas ruas de São Jorge. Ao lado dos concorrentes, corriam também vários jovens, entre curiosos, solidários e aqueles que tentavam filmar o evento. Uma cena antológica!


Além da corrida, houve ainda demonstrações artísticas especiais desses povos e cidadãos da floresta, capazes de emocionar corações mais sensíveis frente à beleza da sua liberdade. Ali se encerrava a IV Aldeia Multiétnica.


Ver todos aqueles índios – homens, mulheres, adultos e criancinhas - se divertindo, com seus trajes e pinturas, à vontade e em integração descontraída com os demais brasileiros na pacífica cidade de São Jorge fez-me pensar que o nosso país parece realmente ainda ter jeito.


Vídeo especialmente registrado para o blog M&QS

O astral na pequena São Jorge era dos melhores, com a presença de muitos jovens, naquele que era quase um Woodstock antropológico. Muitas cores, vivacidade e um jeito hippie e popular de povoado interiorano se coadunavam ao espírito ecológico e cultural da agenda do século XXI. Muitas penas, pinturas, tatuagens, cabelos pretos longos e peles morenas revelavam indígenas e mestiços entre os demais transeuntes.


O segundo flash a que assisti no sábado, (24), foram apresentações de comunidades Kalunga. O povo subiu literalmente no palco, a cantar suas canções em toadas, que fazem pensar no “repente” nordestino e no contemporâneo “rap”. Homens e mulheres a partilhar o palco, cheios de cores, exibindo, porém, uma performance em ritmo quebrado e tons despreocupados da afinação profissional. Havia uma intenção de comunicação que se impunha, plena e cheia de si.

Gostei do fato de que aquela festa não quisesse imitar a televisão ou o mundo do show business. Havia um misto de profissionalismo e improviso, mas ninguém estava ali almejando se tornar uma celebridade ou projetar uma outra. O quase anonimato daquelas figuras em azul, com chapéu de couro, e daquelas mulheres com sua desenvolta simplicidade - combinado ao resgate da legitimidade dessa e de tantas outras práticas múltiplas, muitas vezes invisíveis - parecia constituir, por isso mesmo, a própria razão de ser e o caráter inovador do encontro de culturas tradicionais.

              Mural do artista Moacir

O Festival tem dez anos de existência e foi um « gol de placa » na homenagem às tradições brasileiras. Culturas tradicionais – longe de qualquer conservadorismo - é algo que faz pensar nas nossas raízes, aquilo que não foi nem deve ser mumificado - como infelizmente muitos leigos costumam fazê-lo -, sob a alcunha de « folclore ». Constituem, sim, um patrimônio vivo ou imaterial, segundo formulação jurídica e teórica mais recente, conforme me esclareceu Elaine Monteiro, professora da UFF de Pádua e membro do Pontão de Cultura do Jongo. A história dessa construção do patrimônio histórico brasileiro, como se sabe, remonta, porém, à década de 30, ainda sob os auspícios vanguardistas e lúcidos do saudoso escritor Mario de Andrade.

          Mural do artista Moacir

Ver aqueles índios partilhando o mesmo território geo-criativo de caboclos, negros e neohippies, numa rica fusão cultural e intersubjetiva fortaleceu a minha convicção de que a cultura é um tema chave da construção de qualquer projeto societário que se pretenda efetivamente democrático. Não é um porvir. É um presente de mãos dadas com o melhor do seu passado. É um agora. É também um possível futuro, desde que acreditemos que vale a pena ceder espaço a valores menos midiatizados, menos consumistas e mais reais, menos ao sabor das modas e mais ao gosto do povo. Perdoe-me encerrar com um bordão, mas « o povo não é bobo ».

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Mione Sales – é assistente social, professora de Serviço Social (FSS/Uerj) e doutora em Sociologia/USP. Contato: mioneecia@hotmail.com
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LINKS

Para navegar

http://www.encontrodeculturas.com.br/2010/index.php

Para ler

http://site.dm.com.br/noticias/dm-revista/onde-as-comunidades-do-brasil-inteiro-se

http://www.tribunadobrasil.com.br/site/?p=noticias_ver&id=24913

http://www.cultura.gov.br/site/categoria/politicas/patrimonio-e-monumenta/patrimonio-imaterial/
(sobre patrimônio cultural imaterial)

http://www.unesco.pt/cgi-bin/cultura/temas/cul_tema.php?t=9
(site português da UNESCO historia e cita documentos atinentes ao patrimônio imaterial)

Para descobrir

http://www.pontaojongo.uff.br/o-que-%C3%A9-o-pont%C3%A3o

sábado, 19 de junho de 2010

Editoria Jornalistas Parceiros


Liliana Peixinho*



Dia 08 de junho a comunidade acadêmica da Universidade Federal da Bahia-UFBA foi surpreendida com desmatamento de parte do que a própria a universidade classificou como “Memorial da Mata Atlântica”, localizado no Campus Ondina. Prova que o discurso não corresponde à prática nem mesmo em retaguardas importantes como as instituições de ensino, local de pesquisa, defesa de culturas, propagação do saber, fortalecimento dos instrumentos de construção da democratização, difusão da informação como ferramenta fundamental para o exercício da cidadania e outras tantas teorias.

Alunos do curso de jornalismo Científico da Facom, professores, estudantes de outras faculdades e ambientalistas que estiveram in loco no estrago do desmatamento manifestaram indignação com o fato. A professora-doutora Simone Bortoliero, Pesquisadora, vice presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Cientifico e coordenadora do Grupo de Jornalismo Científico e Ambiental da FACOM -UFBA, que tem foco de diversos trabalhos/ pesquisas/estudos em meio ambiente, ficou estarrecida com o fato e circulou uma carta na UFBA inconformada com a posição da instituição após o fato, através de informações veiculadas no site oficial da universidade, onde informa que a área (desmatada) será utilizada para a construção de um prédio para o Instituto de Humanidades, E que está decisão já havia sido prevista há dois anos, em reunião do Conselho Universitário dentro da proposta do REUNI, plano federal que prevê o aumento das vagas e que tem como conseqüência a ampliação da infra-estrutura e de construção de inúmeros prédios. O fato - diz a professora- é que o campus de Ondina já se transformou num canteiro de obras, mas nunca poderíamos imaginar que iríamos construir em área de mata em recuperação. Simone Bortoliero antecipou algumas informações, frutos de pesquisa científica (Geologia e Biologia) onde apontam o local com aproximadamente 25000 m² e que estende-se da Escola de Dança ao Instituto de Letras.


Estudos de alunos de graduação orientados por diversos professores demonstram que há, (ou havia) espécies florísticas de mata atlântica (Nunes, A. T.; Roque, N. 2006. Levantamento florístico das espécies arbustivo-arbóreas dos fragmentos de mata do Campus de Ondina da Universidade Federal da Bahia Salvador, Bahia). O relatório informa que além de animais dispersores de sementes, em 2009, alunos introduziram espécies originárias de mata atlântica como Protium burm.f. conhecida como Amescla, Vatairea Aubl conhecida por Angelim-amargoso, Eschweilera ovata (Cambess.) Miers conhecida por Biriba, Spondias mombin L. conhecida por Cajazeira, Sloanea L. conhecida por Carrapateiro, Brosimum Sw.sp.1 conhecida por Conduru, entre outras. Desse trabalho de Nunes há citações sobre as espécies encontradas e que são nativas da Mata Atlântica: Schinus terebinthifolius Raddi; Himatanthus bracteatus (A.DC.) Woodson; Urera baccifera (L.) Gaud.; Trema micrantha (L.) Blume; Guazuma ulmifolia Lam.; Solanum lycocarpum St.Hil.; Chrysophyllum splendens Sprengel; Genipa americana L.; Eugenia cyclophylla O. Berq; Guarea guidonia (L.) Sleumer; Senna macranthera (Collad.) Irwin & Barneby; Cassia grandis L.f.; Cecropia pachystachia Trec.; Tapirira guianensis Aubl.

domingo, 18 de abril de 2010

Editoria Jornalistas Parceiros

Hoje, estréia na Editoria Jornalistas Parceiros, Liliana Peixinho, jornalista baiana, ativista socioambiental.

Neste seu artigo expressa algumas de suas preocupações decorrentes das últimas chuvas na Bahia, no Nordeste e no Rio de Janeiro. Não é só pela intensidade das chuvas, mas o descaso com o saneamento básico, o lixo e a saúde pública que é afetada. Ela começa então... “Socializando indignações”.


Um abraço,

Equipe Blog Mídia e Questão Social

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Vidas, recursos, esperanças... enxurradas abaixo


Liliana Peixinho*


As chuvas que caem na Bahia, no Nordeste, no Rio de Janeiro, no Brasil, inundando ruas, derrubando casas, aumentado os buracos das pistas, matando pessoas e proliferando doenças, revelam também o grau de descaso com o saneamento básico, com a qualidade da água, com a Vida. Das enxurradas descem toneladas de resíduos sólidos dos mais variados: plásticos, papel higiênico, restos de comida, papelão, vidros, alumínio, madeira, entre outros caracterizados como “lixo”, ampliando o leque de problemas à saúde, deslocamento da população, incremento da economia e desestrutura familiar. É imenso, incalculável, o volume de coisas que ainda jogamos fora, em qualquer lugar, sem nenhum critério de reutilização, racionalidade no uso e reuso transformando- os em lixo, que, nas chuvas, acabam boiando aos nossos olhos incrédulos, ou soterrados, junto a corpos humanos, proliferando dor.

A falta de manutenção dos esgotos, das galerias da rede subterrânea de água, associada ao desmatamento das encostas e à falta de coleta seletiva dos resíduos, até mesmo em unidades hospitalares, aumentam os riscos à saúde da população. Os recursos gastos com o tratamento de doenças provocadas pela falta de saneamento, de políticas ambientais preventivas, moradias em encostas, medidas emergenciais e paliativas, revelam uma filosofia dissonante com as necessidades atuais de preservação da vida no planeta. É inadmissível como o Governo, empresas e sociedade em geral, ainda não executam ações previamente planejadas com o rigor, a urgência e a correlação entre custos e benefícios, necessários para minimizar os efeitos de fenômeno naturais como ventos e chuvas fortes, cujas previsões poderiam servir como alertas.

A existência de lixões, a falta de ações de prevenção, com educação ambiental massiva, são problemas graves para aceitar discursos que banalizam a expressão sustentável. Problemas ambientais de um Brasil que ainda não tem a aplicação de uma política nacional limpa sobre resíduos sólidos. O fato é que milhões de pessoas, na sua maioria crianças e idosos, pobres, estão morrendo. Conforme estudos da ONU a diarréia, provocada por falta de água limpa, mata mais crianças na América Latina do que a tuberculose ou o HIV/AIDS. O alerta de que milhões de meninos e meninas, sobretudo indígenas e afro-descendentes, estão em perigo, e que a diarréia é somente uma das doenças da extensa lista resultante da falta de qualidade da água, parece não ter sensibilizado técnicos responsáveis pelos programas, que com certeza, recebem volumosos recursos, mal utilizados.

Essa política não integrada, de visão estreita sobre sustentabilidade como fator resultante de comportamentos preventivos, cuidadosos, harmoniosos, racionais, menos consumistas, está levando cientistas sociais para uma posição pessimista com relação ao futuro próximo. Se as crianças, que representam a esperança de construção desse paradigma sustentável, estão morrendo de doenças preveníveis, como doenças respiratórias, dengue, leptospirose, gripes, infecção intestinal por injeção de água suja, entre muitas outras que poderiam ser evitadas, o futuro não pode ser animador. Informe sobre Desenvolvimento Humano, divulgado, anualmente , pelo PNUD, desde 1990, enfatiza que investir em água e saneamento salvaria milhões de vidas, com agregação de valor econômico. O acesso universal a serviços de água e saneamento reduziria a carga financeira dos sistemas de saúde nos países em desenvolvimento em cerca de US$ 1,6 bilhão ao ano.


Liliana Peixinho* – Jornalista, ativista sócioambiental, fundadora dos Movimentos Independente AMA – Amigos do Meio Ambiente e RAMA – Rede de Articulação e Mobilização em Comunicação Ambiental