quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

A partir de amanhã inicia-se dez Oficinas de Circo gratuitas, no Rio de Janeiro, Queimados e Três Rios. O grupo Off-Sina fará parte desse projeto cultural, que divulgamos na agenda cultura do blog Mídia e Questão Social. Clique aqui para maiores informações.

Aproveito a oportuinidade desse evento cultural, importante, para reproduzir abaixo uma reportagem que fiz e foi publicada no Brasil de Fato, Edição 399 de 21 a 27 de setembro de 2010, com o título “Choque de ordem contra cultura popular”. Já tratei do assunto aqui no blog, em 26 de agosto de 2010, com o título “A arte pela vida contra o deserto”.


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Choque de ordem contra a cultura popular



Ana Lucia Vaz*

Para fazer um espetáculo teatral gratuito em praça pública, no Rio de Janeiro, o artista precisa dar entrada num pedido de “nada a opor”, na Secretaria de Ordem Pública, com 30 dias de antecedência. Já os blocos de carnaval de rua tiveram até o dia 24 de setembro deste ano, para pedir a “autorização” da Prefeitura para desfilar no carnaval de 2011. É o choque de ordem na cultura popular carioca.


Ordem acima da lei

Atores e coordenadores de blocos afirmam que as normas da Prefeitura são inconstitucionais. “Não é concebível que o prefeito diga quem pode e quem não pode fazer cultura de graça, na rua, para o povo!”, protesta Luis Otávio Almeida, coordenador do Cordão do Boi Tolo e membro da Desliga de Blocos. Dia 19 de setembro, a Desliga promoveu sua segunda Bloqueata, um carnaval-protesto contra o decreto de Eduardo Paes.

Pouco antes, no dia 23 de agosto, os artistas de teatro e circo de rua fizeram manifestação artística na Cinelândia, também em nome da liberdade de expressão. No manifesto, os artistas protestavam contra “a injustiça que a Prefeitura do Rio vem cometendo”, “proibindo os espetáculos de Teatro de Rua e Circo, gratuitos, nas praças públicas.”


Diante do Teatro Municipal, recentemente reformado, os artistas de rua defendem a arte popular. 
 Foto: Ana Lucia Vaz


A prática dos artistas de rua sempre foi informar à região administrativa onde o evento aconteceria. Também os blocos informam à região administrativa e à polícia. Em 2009, a Prefeitura decretou que os blocos devem aguardar sua “autorização”. Já os artistas teatrais dependem da Secretaria de Ordem Pública.

Segundo o artigo 5º da Constituição brasileira, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Como, então, uma prefeitura pode autorizar ou proibir tais manifestações?

Sobre o carnaval, o prefeito decretou: “Os representantes das bandas e blocos carnavalescos deverão protocolar os pedidos de autorização”. Os documentos exigidos vão do CPF do responsável pelo bloco à comprovação de que já informaram diversas instâncias do governo. O decreto ainda ameaça: “O não cumprimento das normas (...) implicará no indeferimento do pedido para o carnaval do ano subseqüente.”

E se resolver desfilar sem autorização, o que acontece? O Cordão do Boi Tolo já ignorou o decreto no ano passado. Aliás, problema com a polícia, no carnaval, não é exatamente uma novidade. É quase uma brincadeira. Jorge Sapia, coordenador do bloco “Meu Bem Volto Já”, aposta que não tem como proibir os blocos que não se registrarem. “A lógica do carnaval é exatamente driblar a lógica oficial. O movimento de gato e rato com a polícia.”

Difícil reprimir um bloco. Mas, segundo Luis Otávio, acontece repressões pontuais, a pequenos grupos, dependendo da decisão dos policiais de plantão.

A situação do teatro de rua é semelhante. Depende da sorte. Muitas vezes, mesmo considerando inconstitucional, o grupo obedece à exigência da Prefeitura porque “é muito desagradável você chegar na praça e a polícia não te deixar trabalhar”, explica Richard Riguetti, um dos articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua.


Richard, no espetáculo Nego Beijo em Vila Isabel - Foto: Bruna Prado


Richard pretende registrar denúncia contra a Prefeitura, no Ministério Público, por impedir a apresentação de seu grupo, o Off-Sina, em Campo Grande. O espetáculo “Nego Beijo” foi reprimido por “quinze homens do choque de ordem”, apesar de ter autorização da Secretaria Municipal de Cultura e o “Nada a Opor” da Sub-Prefeitura de Campo Grande.


A onda nacional de limpeza das ruas

O protesto do teatro de rua, dia 23 de agosto, aconteceu em várias cidades do Brasil. A experiência com a repressão policial e a privatização do espaço público que restringe a liberdade de expressão do teatro popular tem se generalizado pelo país. Em São Paulo e Belo Horizonte, o artista que quer levar sua arte gratuitamente ao povo, tem que pagar um alvará à Prefeitura.

Em Belo Horizonte, a Praça da República, onde fica o palácio do Governo e a Câmara Legislativa, foi adotada pela empresa Vale. Se quiser se apresentar lá, além de pagar alvará à prefeitura, o artista tem que pedir autorização à empresa. Em algumas praças o teatro de rua está proibido. “É a privatização do espaço público”, denuncia Herculano Dias, do grupo Tá na Rua.

Richard Riguetti elogia a política de cultura do governo federal que, segundo ele, desenvolveu um verdadeiro plano de ação para estimular a produção artística e cultural do povo, através do Plano Nacional de Cultura e dos pontos de cultura.

Mas há uma contradição entre a política nacional e a prática local, nas cidades. Para Haddad, a onda progressista de Brasília não chega “embaixo”. “A gente tem um governo federal progressista. No entanto, as políticas públicas de educação, de segurança... Todas elas têm um ar fascista de controle.”

Segundo Haddad, ainda resiste uma idéia de estado mínimo. Mas ele é “mínimo nas políticas públicas das áreas sociais e culturais” e, ao mesmo tempo, “poderoso, totalitário, nas áreas do controle da liberdade individual e das possibilidades de manifestação do cidadão”.

É “a ordem da gaveta vazia”. Não tem política de cultura, nem de educação. Só tem política de controle. “Isso é muito assustador. É fascista!”

Criador do grupo de teatro “Tá na Rua”, que desde 1980 atua nas ruas usando o teatro como espaço de expressão e transformação popular, Haddad vê nessa tendência fascista reflexos da crise da civilização ocidental. Para ele, o desejo de controle cresce na proporção em que definham os valores civilizatórios.

“Existe uma coisa que é pior que o fascismo dos partidos políticos. É o fascismo dentro das pessoas. Uma paranóia que leva as pessoas a se defenderem de qualquer ataque, a tentar se garantir com segurança por todo lado, afirmar uma única verdade, não ter contato com a diferença.”

Nas cidades onde há administrações comprometidas com algum nível de participação popular, a tendência é de democratização do debate sobre políticas culturais. Durante as administrações de Erundina e Marta Suplicy, São Paulo aprovou leis regulamentando uma política cultural que especifica valores a serem investidos, assim como conselhos e critérios para distribuição. Niterói elegeu, recentemente, seu conselho de cultura, seguindo as orientações do Plano Nacional de Cultura.



Artistas denunciam a morte da liberdade de expressão em frente à Prefeitura de São Paulo -
Foto: Alessandra Perrechil

Já no Rio de Janeiro, todas as ações da Prefeitura são no sentido de centralizar as decisões sobre cultura. Mais precisamente, as decisões sobre financiamentos. A prefeitura compra grandes espetáculos e patrocina grandes produções comerciais e chama a isso de política cultural. Para a cultura produzida pelo povo, só aparecem ações de controle e repressão. O mercado agradece!


O caos criativo

“Quem não consegue viver um minuto de desordem, jamais conseguirá descobrir uma nova ordem!”, professa Haddad que, durante a ditadura, foi buscar o teatro de rua como forma de sobrevivência à repressão. “Eu sou uma contradição do governo Médici que, sem querer, nos jogou nesse lugar maravilhoso de salvação fora das áreas de poder, na periferia, nas praças, nas ruas.”


Amir Haddad - Foto: Ana Lucia Vaz


Nos anos 80, como Augusto Boal, como os blocos de carnaval, como os movimentos populares, o Tá na Rua surgiu para ocupar os espaços públicos. “Nos anos 80, a gente trabalhava no presente em busca de um outro futuro.”

E hoje o que mantém este teatro? “A gente se apóia no conteúdo político da liberdade de expressão. Trabalha com as contradições, com as opressões. O espetáculo é a forma de organização mais perfeita das relações entre o particular e o coletivo. O espetáculo traz esse sabor de utopia. Trabalhando na rua, você atinge esse lugar. E proporciona a todos a experiência de viver, por alguns instantes, a utopia. Nós acreditamos que viver isso dá ânimo pra pessoa viver mais dez anos com esperança, acreditando que é possível mudar o mundo!”


BOX

Contra a bahianização do carnaval

Nos anos 80, junto com as manifestações políticas pela democratização do país, ressurgiram os blocos de rua do Rio de Janeiro. “Os blocos são a melhor reação que essa cidade podia ter tido contra o esmagamento do carnaval!”, comemora Amir Haddad, do grupo Tá na Rua.

De lá para cá o carnaval de rua cresceu. Em 2000, surge o Sebastiana, formado por 12 dos blocos mais tradicionais do Rio. A principal preocupação era “pensar maneiras de enfrentar o crescimento dos blocos”, explica Jorge Sapia.

O fluxo de turistas cresceu e, segundo Jorge, tornou-se necessário buscar apoio para viabilizar o desfile dos grandes blocos. Hoje existem em torno 500 blocos registrados. Blocos tradicionais como o “Bloco de Segunda” e “Barbas” reúnem dezenas de milhares pelas ruas do Rio e o Cordão do Bola Preta chegou, no último carnaval, a juntar cerca de um milhão.

Em 2009, surgiu a Desliga de Blocos, em reação ao primeiro decreto de regulamentação do carnaval. A Desliga se afirma um movimento que “não tem estrutura organizativa, porque bloco não precisa de liga”, explica Luis Otávio. Jorge Sapia e Luis Otávio concordam que as prefeituras anteriores ignoraram o carnaval. E que hoje é inviável realizá-lo sem que a Prefeitura assuma a responsabilidade pela infra-estrutura da cidade.

A atual prefeitura foi a primeira a participar de debate com os blocos do Sebastiana e definir estratégias conjuntas. Mas quem faz isso é a Secretaria de Turismo, de olho no mercado turístico. Mas a infra-estrutura continua faltando.

Nem os banheiros públicos, necessários ao cotidiano da cidade, foram feitos. Em vez disso, a Prefeitura se contenta em escolher um patrocinador que deve garantir dos banheiros públicos às UTIs móveis. Com direito a muita propaganda! Em 2010 foi a Antártica. Os 3 mil banheiros químicos não deram nem para a saída, mas não faltaram pingüins. “A Antártica vestiu blocos, espalhou cartazes e outdoors pela cidade inteira. A cidade estava azulzinha!”, reclama Sapia. “Não pode ser o carnaval da Antártica!”

Enquanto a prefeitura negocia com o mercado, a palavra de ordem do carnaval de rua é: “contra a bahianização do carnaval”. Luis Otávio e Jorge Sapia criticam os blocos cariocas que já colocam cordas para reservar o espaço dos que compraram camisas.

Para Jorge, o carnaval é uma expressão popular que mostra que a cidade é viável, mostra a solidariedade e criatividade populares. Mas a prefeitura só compreende seu valor econômico. “São muitos blocos aparecendo em todas as regiões, a cidade fica viva de novo... aí, em vez de estimular esse crescimento, juntando o pessoal pra ver como faz, vem um regulamento dizendo o que cada um vai fazer. Organiza, mas não estimula. E mata!”, lamenta Amir Haddad.

Jorge Sapia garante que o Sebastiana continuará resistindo às cordas. O Cordão do Boi Tolo, mais radical, promete desfilar sem autorização. E, para marcar posição, tem roda de samba dia 10 de outubro à tarde, na Rua do Mercado, em frente ao número 23.



* Ana Lucia Vaz – jornalista, mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net) , professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.

Um comentário:

  1. Olá blog midiaequestãosocial sou do rn da cidade de governador dix-sept rosado e olhando seu blog gostei muito.
    parabéns pelas noiticiase o blog eu tbm tenho um blog
    www.ciaartenaveia.blogspot.com

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