terça-feira, 14 de setembro de 2010

Estréia hoje a Editoria...

Fazendo Arte & Educação


Ricardo Pereira*


Um alô, para começar

Sou professor de Artes da rede estadual no Rio de Janeiro, antiga Educação Artística. Hoje, é minha estréia por aqui. Não sei se começo Fazendo ARTE, não sei se começo com Educação. Depois de um lampejo rápido de decisão, farei as duas coisas, pois todo educador seja formal ou popular, prima pela educarte sempre, com todo o neologismo necessário para essa explicação. Se você não entender de pronto,não se preocupe, pois durante a nossa convivência virtual, perceberá o quanto a arte é necessária para se educar. E me conhecerá!

Sou um professor-camarada, ou pelo menos busco ser. Essa postura de horizontalidade tem a ver com a minha história de participação no movimento estudantil também no Rio de Janeiro, desde a AMES-RJ (Associação Municipal de Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro) até o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UERJ. A experiência entre os estudantes « cara-pintadas », sujeitos políticos-chave na luta pelo impeachment do Collor, me deu toda a prova de que o saber não é coisa de se guardar pra si, mas algo para viver e partilhar tanto quanto para questionar e transformar. É preciso espraiá-lo ao nosso redor, principalmente junto aos que estão à espera do conhecimento para entenderem a si mesmos, a vida, e as instituições, com as quais têm laços apertados. Hoje, uma de muita importância, a educação, precisa ser cuidada, zelada e revolucionada em muitos sentidos.

Penso no prumo que meus alunos precisam para a construção de suas vidas num futuro próximo, dentro de uma perspectiva de independência e, vou usar uma palavra da moda, sustentabilidade. Mas não me apoio nessa linha de modismo, na verdade, mas nos direitos sociais que precisam ser ditos, explicitados. A arte e a educação, associadas à cultura - com seu misto de criatividade, potencial rebeldia e socialização para a entrada no mundo adulto - podem contribuir e muito nessa proposta.

 
Agora, estou pronto para começar... Com as mãos geladas, mas teclando com todo o gosto. Falarei abaixo de coisa muito séria - educação, e fecho com coisa muito bonita – arte. 


Educação do Estado Rio de Janeiro no CTI  

Recentemente o blog Mídia e Questão Social divulgou matéria do Uol, que expunha a realidade da educação no Estado do Rio de Janeiro. Vocês ainda não sabem, mas sou também profissional do SEPE-RJ (Sindicato dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro), razão pela qual meus companheiros de blog acharam que eu teria a acrescentar ao debate que já vem sendo travado por aqui sobre mídia, questão social e cultura. O poema abaixo diz bem ao que vim: 
“Sou profissional da educação a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou profissional da educação a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou profissional da educação contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou profissional da educação a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou profissional da educação contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou profissional da educação a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias.” (adaptado da obra de Paulo Freire)
Por isso, nessa primeira matéria para a nossa editoria Fazendo Arte & Educação, decidi contar para vocês, de forma mais precisa e completa, como fazemos o tal cálculo que permite mensurar os dados de carência de profissionais na rede de ensino estadual. É simples.
O Sindicato (SEPE-RJ) vem utilizando, atualmente, uma metodologia que é a leitura e acompanhamento sistemático das exonerações e aposentadorias publicadas no Diário Oficial do Estado. Pegamos esse número e deduzimos do número de chamadas de concursados, revelando um primeiro dado de carência dos profissionais de educação. Somam-se a esse cálculo os números de Gratificação por Lotação Provisória /GLP (hora extra do professor), declarados pela SEEDUC (Secretaria Estadual de Educação), que totaliza um quadro de carência geral, o qual dividido por dias úteis nos fornecerá um total de saída diária desses profissionais. Chega-se ao cálculo absurdo de quatro professores por dia fora de sala de aula em 2010. Vejamos abaixo um quadro que detalha a situação:


QUADRO DE CARÊNCIA DE PROFESSORES – REDE ESTADUAL/RJ*

Levamos em consideração a declaração da SEEDUC em 2002, contabilizando em 26.000 a carência de professores na rede estadual.

Esses números de exonerações e aposentadorias são precisos, diferente do que diz a matéria do portal UOL. Tem ainda números não divulgados pelo Governo, o que demonstra que a situação é ainda mais alarmante. Não temos acesso, por exemplo, ao número de licenças médicas, de professores em readaptação (fora de sala de aula) e de quantos professores chamados realmente tomaram posse. Esses dados que revelam a migração dos professores para fora do sistema estadual vêm crescendo principalmente quando levamos em conta o aumento de casos de assédio moral e violência nas escolas, com média de cinco a dez casos denunciados diariamente ao Sindicato.


Promessas vãs: a história se repete

Mas com toda certeza, o principal fator desse verdadeiro êxodo profissional é a desvalorização dos profissionais. Ainda em campanha, em 2006, Sérgio Cabral se comprometeu, por iniciativa própria (através de carta dirigida à casa dos profissionais da educação do Estado), com várias reivindicações históricas dos profissionais da educação. Algumas destas promessas: reposição das perdas salariais dos últimos 10 anos; descongelamento do plano de carreira dos funcionários administrativos; fim da política de gratificação do Nova Escola e incorporação do valor da gratificação ao piso salarial; fim da política de abonos; abono das greves e paralisações e fim das terceirizações e contratos precários e abertura imediata de concurso público.
Destas medidas devemos destacar que a “política salarial” do governador foi a de incorporação da gratificação do Nova Escola gradualmente até o ano de 2016 (parece piada!), o que, para nós, é, no entanto, direito líquido e certo. Política de valorização apenas através da incorporação de abonos não pode ser levada a sério. E nossas perdas salariais acumuladas nesses anos de arrocho?

Durante esse governo, fizemos inúmeras manifestações em defesa de maior investimento na educação, já que Cabral em sua carta-compromisso dizia que uma de suas metas, caso eleito, seria a de “...fazer da educação do Estado do Rio de Janeiro um modelo para todo o país.”


Uma dura realidade: a educação no Estado do Rio de Janeiro em alerta vermelho

Recebemos no Estado salários aviltantes, salário este menor do que a maioria das redes municipais; soma-se a isso a falta de condições de trabalho, salas superlotadas, aumento de tarefas por falta de profissionais de apoio (pessoal de secretaria, merendeiras e principalmente inspetores), ausência de concursos públicos que deem conta da necessidade funcional nas unidades de ensino, a estrutura física das escolas não tem manutenção suficiente, não há materiais para serem utilizados nas atividades, não é investido o mínimo do orçamento previsto pela Constituição, etc. O resultado é a queda vertiginosa da qualidade do serviço da escola pública e o seu desprestígio crescente na sociedade.

A escola pública, instituição sistematicamente desvalorizada, atacada e desprestigiada, necessita de muitas políticas públicas para se reerguer.

Recentemente foi divulgado o índice de avaliação do IDEB 2010 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que classificou o Estado do Rio de Janeiro como um dos piores, “perdendo” apenas para o Piauí. Não nos espantam - visto que vimos acompanhando diariamente a situação a partir do SEPE-RJ - os dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) divulgados no jornal “O Globo” de domingo (05/09) –, demonstrando que, entre 2006 e 2009, o Rio de Janeiro teve a maior queda no número de alunos matriculados no país.

O “modelo” de Sérgio Cabral nós conhecemos, infelizmente. Tudo o que houve de avanço para a categoria foi arrancado a duras penas.

O melhor exemplo dessa postura do governo Cabral é o do dia 15 de setembro do ano passado, quando, ao se deparar com uma manifestação pacífica dos profissionais da educação, organizada pelo SEPE/RJ, sua polícia militar nos recebeu com bombas de efeito moral, o que acarretou lesões físicas em vários profissionais da educação, afastando-os do trabalho por alguns meses, incluindo esse que vos escreve.

Diante dessa situação, aprovamos em nossos fóruns uma marcha no dia 16 de setembro, que sairá da Candelária em direção à Cinelândia, onde será realizada uma manifestação. Lançaremos, nesta oportunidade, um manifesto em defesa da escola pública e dos serviços públicos estaduais.

Contamos com a presença dos/as companheiros/as nesta atividade, para fortalecer a defesa pela escola pública, gratuita, laica e de qualidade.

Os governos passam, mas a escola pública resistirá!


Esperança que nos anima apesar de tudo 



O autor do desenho acima, Diógenes Magno, é aluno do 9° ano da Escola Municipal Argentina, Vila Isabel no Rio de Janeiro. Gosta de arte e criou o blog Franca Mente [diihm.blogspot.com], no qual faz uma exposição virtual de alguns de seus desenhos.

Já podemos observar uma marca própria em seus "personagens" e cenários. Menino de grande talento, procura sempre se antenar com a vida cultural da cidade. Tem interesse por Graffiti e participa ativamente de todas as atividades artísticas na sua escola. Em 2009, participou da pintura do muro da escola junto com colegas e professores...




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Ricardo Pereira - é professor Docente da disciplina de Artes da rede estadual, militante e funcionário do SEPE/RJ. Contato: e-mail: ricardoploc80@globo.com

6 comentários:

  1. É fato!
    A má valorização do prefessor no Rio, vai se refletir;
    Quando alunos semi-alfabetizados, se tornarem falsos "profissionais".
    - Falsos médicos;
    - Falsos Políticos e etc.
    Acho que no mínimo deveriam poupar os professores!

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  2. Bem vindo Ricardo ao nosso coletivo. Adorei a sua estréia. Atuo também com arte-educação no Centro de Referência de Adolescentes (www.criando.org.br) em Salvador-Ba.Voce vai abrir novas possibilidades de debate sobre cultura-comunicação-arte-educação. Beijo
    Claudia Correia

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  3. Ricardo,

    Estamos todos muito felizes por você ter vindo fazer parte dessa grande « Nau Catarineta virtual » - o Blog M&QS - , o qual navega pelas desafiadoras correntezas midiáticas, tentando discutir a fundo cultura e comunicação como direitos humanos, pelo prisma da questão social. Como diz a canção, “faltava mesmo chegar você!”

    Sabemos da sua capacidade em propor temas importantes ligados ao seu trabalho e militância na educação,mas também a de nos fazer – blog-camaradas e blog-leitores - rir e ter um pouco mais de esperança e fé na vida.

    « Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu ! » (Roberto Freire)

    Grande abraço,

    Mione*
    (editoria Volta do Mundo, Blog M&QS)

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  4. Parabéns pelo texto! ainda bem que temos alunas e alunos como o Di,né?... que com toda sua arte e percepção se juntará aos que querem uma educação pública verdadeiramente de qualidade!

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  5. Olá Ricardo!

    Finalmente estou deixando meu comentário aqui!
    Em primeiro lugar, quero dizer que será um prazer tê-lo aqui compartilhando este sonho coletivo de uma realidade social diferente desta!
    Em seguida, quero dizer que realmente temos em seu artigo dois lados da moeda que nos fazem refletir.
    Observando um talento como o Diógenes, nós só ganhamos fôlego para gritar mais alto por nosso direito à educação, cultura e arte.
    Observando e lendo profissionais competentes e comprometidos como você, encontramos mais força para lutar por condições dignas de trabalho e pela valorização dos serviços públicos.
    A luta é difícil e, por vezes, cansativa, mas estamos somando nossas vozes... Uma hora elas gritarão tão forte que ninguém poderá nos ignorar!

    Um abraço!

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  6. Ricardinho, maravilhoso o blog e o seu trabalho. Ver vcs, meus amigos, não desistindo da educação me dá forças para prosseguir tbém.
    Um grande bjo e saudades,

    Simone by Mauá

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