Alegria, esperança*
CARNAVAL MEXICANO, CENTROS DE ANIMAÇÃO E CULTURA EM PARIS
Mione Sales*
TEXTO, FOTOS E VÍDEOS
« Agora eu já sei
da onda que se ergueu no mar
e das estrelas que esquecemos de contar »
TOM JOBIM
Como « a maré não está muito para peixe » (aliás, o sol acaba mesmo de entrar em Áries), com direito a guerras e terremotos no Oriente - árabe e asiático -, resolvi partilhar um pouco da esperança que resta por estas bandas acima da linha do Equador.
Sou fã das iniciativas francesas de cultura e ainda por cima daquelas que custam pouco, porque são iniciativas comunitárias. Refiro-me, nesta matéria, a um carnaval de bairro, no 10ème arrondissement, neste último final de semana, o qual teve a participação de professores, pais, alunos e vizinhos de duas escolas públicas - Aqueduc e Louis Blanc. Essa festividade contou ainda com o apoio logístico de um centro cultural do quartier, no caso o Centro de Animação Château Landon, financiado em parte pela prefeitura.
Cartaz do evento
Para preparar o desfile, que aconteceu neste sábado (19/03) pelas ruas próximas da estação de metrô Louis Blanc, foram organizados três Ateliês de Máscara em Papel Machê e Dança – grátis, para crianças e extensivos aos pais. O tema do carnaval era o México, mesmo se a França e a « terra dos Incas » cancelaram o evento que homenageava este ano os mexicanos no Hexágono. As crianças podiam inventar máscaras de cactos, serpentes, águias, « sombreros » e outros.
Mães e crianças desenhando e criando suas máscaras
Mãe testando uma máscara e outra concentradamente trabalhando
ANIMADOR SOCIOCULTURAL: um “métier” francês
“Se você não tem esperança,
invente.”
CIRQUE DU SOLEIL
ARTE : Ricardo Pereira e Dione Lins
Paris têm aproximadamente 50 Centros de Animação, espalhados por toda a cidade. Ali são oferecidos uma série de atividades culturais e esportivas à população do bairro (“arrondissement” ou quartier), embora não seja proibida a participação de outros moradores.
O critério da organização dos equipamentos e instituições públicas, portanto, é, na maioria das vezes, territorial. Há subprefeituras que têm recursos próprios e que se organizam sob um princípio geral, mas com relativa autonomia e participação dos habitantes, por meio dos conselhos de ruas ou de bairro, na definição de prioridades: obras urbanas, restauração de prédios, limpeza pública, enfim. Quando digo territorial, refiro-me às facilidades e praticidade quanto ao modo de vida que isso implica.
As escolas (e outros equipamentos) costumam estar a dois passos da casa de pais e alunos, de maneira a se poder ir a pé ou no máximo de bicicleta. Atualmente, esse esquema que já foi bem rígido torna-se cada vez mais flexível. No entanto, francês que é francês – e poderia até estender essa lógica aos conjunto dos europeus – mora perto da escola, que funciona de 8:30 da manhã até as 16:30 ou 18 h. Isso se deve possivelmente a um caráter comunitário original - a escola do vilarejo – combinado ao peso do inverno nesse continente. Distâncias curtas seguramente descomplicam a lida com a neve e a chuva.
Crianças em Centro de Lazer, no bairro do Marais
As escolas públicas pertencem à alçada/orçamento da Educação Nacional (currículos [programmes], prédios e salário dos professores), o que no Brasil equivale ao Governo Federal. Contam, todavia, com investimento local de duas maneiras:
1) a cantina (onde servem os almoços e o lanche) e certos serviços são financiados pela Sub-Prefeitura (Mairie de l’Arrondissement), cujo custo é relativamente repassado aos pais, conforme seu nível de ganho; e
2) a Prefeitura (Mairie de Paris) é responsável pelos profissionais encarregados da atividades / horários peri-escolares:
* HORA DO ALMOÇO [cantine];
* LANCHE NO FINAL DA TARDE [ goûter] – de 16:30 até 18:00, opcional para as crianças cujos pais trabalham e/ou não têm outro sistema de guarda (babá, baby-sitter, familiares, etc.);
* LANCHE NO FINAL DA TARDE [ goûter] – de 16:30 até 18:00, opcional para as crianças cujos pais trabalham e/ou não têm outro sistema de guarda (babá, baby-sitter, familiares, etc.);
* QUARTA-FEIRA, que é um dia livre para os alunos, embora muitos pais trabalhem; logo aqueles que não dispõem de avós, irmãos mais velhos, babás ou algum dos pais que se libere para ficar com os filhos neste dia, precisam dessa estrutura que funciona no interior da própria escola; e
* FÉRIAS - visto que nem todas as crianças têm condições financeiras de viajar a cada pausa escolar: uma ou duas semanas em média a cada intervalo de 40 dias de aula.
No início, eu considerava que havia muitos dias de férias, porém com o passar do tempo, vamos nos dando conta de quão intenso é o ritmo de vida para adultos e crianças – jornadas escolares de dia inteiro, mais conteúdos pedagógicos ensinados com rigor e profundidade desde cedo, bem como a autonomia e independência -, o que exige realmente essas pausas para professores, alunos e pais. E como já dizia o poeta Drummond: « a vida precisa de pausas ».
Fiz toda essa explanação para situá-los quanto ao papel dos animadores socioculturais, que são jovens com formação e diploma de nível médio ou superior atribuído pelo Estado para trabalhar com crianças e adolescentes, ou mesmo adultos. Uns são mais especializados e profissionalizados que outros, no entanto são pessoas formadas para atuar na cultura e na peri-educação: recreação escolar e passeios. Essa estrutura, acoplada à escola, tem o nome de Centro de Lazer.
Nos Centros de Animação, a pauta de oferta é mais rica: os animadores assumem, regularmente durante todo o ano, cursos e ateliês diversos, como dança, circo, judô, karatê, artes plásticas, na companhia também de professores de piano, francês e língua estrangeira (inglês, alemão, etc.), natação, entre outros. Basta se inscrever no momento certo (aliás, a vida aqui é toda assim!) e o critério de pagamento dá-se com base numa planilha de cotas, conforme o rendimento da família e número de participantes de uma mesma casa.
Atividades propostas CENTRO DE ANIMAÇÃO C. LANDON
CRIANÇAS: acompanhamento dos deveres, ateliê de cerâmica, basquete, dança clássica, dança contemporânea, hip hop, dança modern’jazz, desenho/pintura, esgrima, expressão corporal, flauta traversa, violão, baixo, ginástica para as crianças, initiação musical, karatê, laboratório de marionetes, piano, teatro, violino.
ADOS: basquete, bateria, hip hop, dança neoclássica, dança modern’jazz, dança oriental, dança ragga, flauta, violão, baixo, multiesportes, piano, violino.
ADULTOS: ateliê de orquestra, peteca, bateria, boxe francês, boxe tailandês, capoeira, canto « oud », coral debutantes e avançados, dança africana, dança « bolywood », dança brasileira, dança clássica, dança contemporânea, dança de salon/rock, hip hop, dança modern’jazz, dança oriental, dança soul jazz, flauta traversa, violão baixo, ginástica « hapkido/self défense », multiesportes em sala, enologia, piano, cerâmica, ginástica, teatro, violino, yoga.
Os Centros de Animação oferecem também estágios criativos durante as férias e constituem uma excelente opção aos Centros de Lazer, que funcionam nas escolas. Um aspecto interessante é que esse formato permite aos alunos conhecerem outras crianças e jovens que não frequentam a mesma escola, mas moram no mesmo bairro ou cidade.
Cenas de um carnaval no Château Landon
Crianças na folia
Os Centros de Animação não são, porém, apenas uma estrutura pública sem maior interligação com a vida do bairro. Pelo contrário. Eles têm espaços para exposição de fotos, realização de espetáculos – produzidos ou não por eles – e também fazem festas que envolvem os moradores da vizinhança ou os frequentadores/usuários das suas atividades (adultos, crianças e adolescentes). Há poucos dias foi a Festa de 40 anos do bairro « la Grange aux Belles », também no 10ème arrondissement de Paris, e o Centro de Animação que leva o mesmo nome mobilizou artistas parceiros para uma homenagem. Foi o caso da atriz grega Anastassia Politi, membro da Companhia de Teatro Erinna, que fez uma performance especial para o evento.
Carnaval Mexicain Aqueduc-Louis Blanc (Paris)
Dança Carnaval Château Landon
Do carnaval em Château Landon, também participaram bandas de música [fanfares], no caso a Fanfare laTINA e um coral de música conjugado a uma banda chamado Fanforale du Douzbekistan, que já são velhos parceiros do Carnaval Aqueduc/Louis Blanc e do Centro de Animação. As demais fantasias e danças das escolas participantes foram asseguradas pelo grupo Fritchi concept.
Do carnaval em Château Landon, também participaram bandas de música [fanfares], no caso a Fanfare laTINA e um coral de música conjugado a uma banda chamado Fanforale du Douzbekistan, que já são velhos parceiros do Carnaval Aqueduc/Louis Blanc e do Centro de Animação. As demais fantasias e danças das escolas participantes foram asseguradas pelo grupo Fritchi concept.
« Alegria, Esperanza » – Carnaval Mexicano em Paris
No final do circuito, pausa para um « goûter » (lanche) em frente ao Centro de Animação Château Landon, claro!, ao som das fanfares e do coral. Ou seja, uma bela e tranquila folia carnavalesca, « à la française » !
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Fanfare La Tina
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Mione Sales – é assistente social, graduada em Literatura Comparada (Paris 3), doutora em Sociologia (USP) e professora de Serviço Social (UERJ). Contato: mioneecia@hotmail.com
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* O título deste artigo inspirou-se em uma das canções do espetáculo da Fanforale du Douzbekistan durante o Carnaval Mexicano, que diz : « Alegria, campesina, esperança… » e de um poema do poeta uruguaio, Mario Benedetti, « Defesa da Alegria », que transcrevemos resumidamente: « Defender a alegria como uma trincheira / defendê-la do escândalo e da rotina/ (…) defender a alegria por princípio / defendê-la do pasmo e dos pesadelos / (…) defender a alegria como bandeira / defendê-la do raio e da melancolia / (…) defender a alegria como um destino / (…) e defendê-la da obrigação de estar alegre / (…) defender a alegria como uma certeza / (…) defender a alegria como um direito… ». Este belo "poema-presente" foi-me apresentado, há não muito tempo, pela amiga e colega de profissão, Sandra Teixeira, de Brasilia, a quem agradecemos carinhosamente.
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[Blog do Carnaval do Bairro Château-Landon]
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Para ler
MIGNON, Jean-Marie. Le métier d’animateur. Paris, éditions La Découverte.
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