Nelma Espíndola
Minha abordagem hoje não será especificamente sobre sites, portais e blogs, embora cite os devidos endereços necessários para quem quiser se aprofundar num assunto que merece atenção e é pouco divulgado pela mídia. Ela não deixa de ser uma mídia, pois é uma revista, mas alternativa, e tem um viés social respeitável.
Falarei da Revista OCAS, que faz da disseminação da informação uma possibilidade de “romper estigmas e preconceitos” de um contingente expressivo nas grandes capitais de nosso país: a população em situação de rua e em risco social. Este fenômeno, vale saber, embora pouco repercutido, acontece em proporções também significativas noutras partes do mundo.
Quem me instigou a escrever sobre isto foi Jefferson Ruiz, através de seu último post, na editoria Estranha Semelhança com a Utopia: “Liberdade de imprensa: do que estamos falando?” Ele me trouxe à memória o primeiro e único contato que tive com essa revista. Isto aconteceu em 2006, nas imediações da ESS/UFRJ, num dos dias em que frequentei o curso de extensão “Antropologia e Serviço Social”, no período de agosto a novembro daquele ano. Não me lembro qual dia foi. A única coisa que recordo é da abordagem de uma mulher de aproximadamente 30 anos, frágil fisicamente e de olhar sofrido, que expôs a mim e às minhas colegas a importância da venda daquela revista. Eu e algumas colegas a compramos. Depois desse dia, porém, não tive mais acesso a ela. E, hoje confesso o meu olhar falho na importância do que ela traz em seu bojo.
Um rápido histórico
Antes de dar um panorama geral sobre a revista, seu conteúdo e objetivos, falarei um pouco da responsável por sua publicação, a qual foi instituída em 21 de abril de 2001.
A Organização Civil de Ação Social (OCAS) é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, auto-sustentável, que tem como objetivo principal a reinserção social da população em situação de rua e em risco social.
Essa possibilidade, segundo a ONG, dá-se através de instrumentos que favorecem a essa população o resgate de sua auto-estima, na perspectiva de criar condições, para que cada indivíduo construa por si só sua transformação social.
Embora haja outros projetos na instituição, o principal é a publicação da revista “OCAS”, e o acompanhamento de seus vendedores através de uma rede de cooperação. Esta rede objetiva a formação de parcerias para a prestação de serviços habitacionais, educacionais e saúde, entre outros, destinados aos participantes do projeto.
A revista OCAS
1º Exemplar
Em 1999, um grupo de jornalistas começou a discutir a possibilidade da publicação aqui no Brasil de uma revista que pudesse ser vendida por moradores de rua e em situação de risco social. A ideia foi inspirada e alimentada por experiências bem sucedidas em outros países.
O exemplo significativo nessa direção foi o da “The Big Issue” (A Grande Edição), revista de sucesso vendida pelos “sem-teto” nas ruas de Londres, a partir de setembro de 1991. “The Big Issue”, por sua vez, havia seguido uma ideia posta em execução pelo Street Journal , que tinha sua venda feita pelos “sem-teto” (homeless) da cidade de Nova Iorque. Em 1992, a Street News, de Chicago fez o seu lançamento de sua revista, com venda nos mesmos moldes dos seus antecessores.
Atualmente são mais de 40 publicações desse tipo, na América, Europa, Ásia, África e Oceania, todas filiadas a International Network of Street Papers (INPS) e signatárias da Declaração das Publicações de Rua (The Street Paper Charter, na internet em WWW.street-papers.com). A OCAS fez adesão aos princípios dessa rede.
Em 06 de julho de 2002 o projeto brasileiro se concretiza, com a publicação da primeira edição da revista OCAS. Seu lançamento e venda em São Paulo, por 44 moradores de rua deu-se nesta data. No Rio de Janeiro, dois dias depois (08), por 31 deles. Cada exemplar era comprado pelos vendedores por R$0, 50 e comercializados nas ruas por R$2,00. O valor de R$1,50 equivalia ao lucro correspondente à venda para seus vendedores.
OCAS se define como um produto editorial de temas culturais, políticos e sociais, com periodicidade mensal. Nela há o código de conduta dos vendedores, mais o conceito e funcionamento do projeto, além de um espaço interativo onde seus vendedores se expressam. A seção “Cabeça Sem Teto” foi criada à época na perspectiva de ser alimentada num futuro próximo com a produção de material feito pelos próprios vendedores.
A venda é feita somente por homens e mulheres que vivam numa “condição de instabilidade de moradia fixa e que utilizam logradouros públicos, albergues e similares para dormir”. Todos são de maior idade e podem ser identificados na execução deste trabalho.
Mesmo diante de muitas dificuldades econômicas para a sua manutenção, por ser um produto auto-sustentável, isto significa que a publicação do periódico se dá com o valor arrecadado com a compra e venda de cada exemplar por seus vendedores. Só para se ter uma idéia do quanto é importante essa iniciativa, desde 2004 a gráfica na qual é impressa a revista não cobra mais a impressão, para que ela não saia de circulação.
Hoje, o preço de capa de cada exemplar é de R$3,00 e seu custo de compra de R$1,00. A diferença de R$2,00 fica para cada vendedor.
Ao longo desses anos, mais de 1500 pessoas foram cadastradas e colocaram em circulação cerca de 250 mil exemplares, o que corresponderia a R$500 mil, transferidos diretamente ao público beneficiário.
A venda acontece em pontos culturais nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Sei que fui extensiva, porém, penso que era importante, assim o ser. Muitas outras coisas a serem abordadas referentes a esse projeto podem ter ficado no ar, entretanto acredito que elas serão procuradas e absorvidas por quem pensa em dias melhores e justos para todas as pessoas do mundo.
Nelma Espíndola, assistente social. E-mail de contato: nelmaespindola@gmail.com
Colaboraram: Jefferson Ruiz e Mione Sales, articulistas do BM&QS.
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Outras informações
- A revista oferece aos seus vendedores treinamentos para execução das vendas. Trabalham com identificação e uniformes. O projeto ainda possibilita o serviço psicológico de psicodrama; oficinas de redação; espaço de informática; teatro e projeto esportivo a Copa do Mundo de Homeless (Dos vendedores de publicações de rua ) .
- O trabalho de jornalistas, fotógrafos, designers, psicólogos, assistentes sociais e educadores é voluntário.
- Pontos de venda São Paulo: Centro Cultural do Banco Brasil ; Centro Cultural de São Paulo; Espaço Unibanco; HSBC Belas Artes; Pinacoteca do Estado (nos fins de semana); PUC; Rede Sesc; Universidade Mackenzie; USP (ECA – FAU – FFLCH) e outros mais.
- Pontos de venda Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Cinema Estação Botafogo; Cinema Estação Paissandu, Cinema Odeon; Metrô Largo do Machado; Museu da República; UFRJ; UERJ e outros mais.
Endereços eletrônicos:
Blog da Revista OCAS - http://www.blogdaocas.blogspot.com/
Reportagem sobre o lançamento http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u1356.shtml
História da criação da Revista OCAS
http://www.eurooscar.com/ocas/ocas_hist1.htm e
http://www.eurooscar.com/ocas/ocas_hist2.htm
Reportagem sobre a Copa Mundial de Homeless
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/31/um-drible-no-destinotorneio-mundial-de-futebol-de-rua-reune-centenas-de-jovens-na-australia-e-mostra-o-potencial-do-esporte-na-batalha-contra-a-exclusao
OLá pessoal! O blog está mesmo muito bom. Parabéns pela matéria sobre a OCAS, nossa conhecida! Abraços,
ResponderExcluirElaine Behring
Profª Eliane Behring, ficamos agradecidas (os) com a sua opinião sobre o conteúdo do BM&QS. Isso é importante para todas (os) nós! Foi muito bom falar sobre a OCAS.
ResponderExcluirUm abraço,
Nelma Espíndola.
Não conhecia essa publicação ainda, apesar de fuçar por aí não me lembro de tê-la visto. Tem uma proposta muito legal. Muito bom terem posto o linque da revista, dei uma passada por lá e achei bem interessante.
ResponderExcluirUm abraço à Nelma e aos colaboradores.