quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Editoria Caleidoscópio Baiano

O CARNAVAL DA DIVERSIDADE


Claudia Correia                                                     

Salvador vive o clima de carnaval bem antes do resto do país. Os preparativos para a mega festa popular que congrega cerca de 2 milhões de turistas e nativos durante cinco dias de folia praticamente deixam parte da cidade inviável para o trânsito,funcionamento bancário e tudo mais.

Dia 10, quarta, antes da “abertura oficial” a Barra ficou tomada por foliões e pequenos grupos de samba até às 4 da manhã. Sem qualquer ação do poder público, o carnaval espontâneo, sem cordas, cortejos, normas e fiscalização não gerou nenhuma briga ou cena de violência. Nem parecia que rolava o super show de Ivete Sangalo e Beyoncé no Parque de Exposições.

Este ano, a Prefeitura adotou um novo “estatuto do carnaval” que gerou polêmica no Conselho Municipal do Carnaval. Algumas medidas tentam disciplinar o comércio ambulante e o trabalho dos “cordeiros”, contratados pelos milionários blocos de trio, apoiados por grandes empresas num esquema de exploração e violação de direitos trabalhistas. Eles já possuem Sindicato e conquistaram o direito a equipamentos de proteção individual, lanche, jornada de trabalho e diária fixa. O Ministério Público integra a ação de fiscalizar o cumprimento das normas mas, a resistência dos empresários da festa está firme.

Como expressão cultural, o nosso carnaval reflete as contradições sociais e expõe o quadro perverso de desigualdades que em Salvador ganha contornos bem característicos devido às questões étnicas.

Combate à violência

Dia 10, a Secretaria Municipal da Reparação (SEMUR) lançou a quinta edição do Observatório da Discriminação Racial, em parceria com 30 órgãos e entidades.A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, o Ministério Público Federal, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente-Cedeca, o Fundo das Nações Unidas para a Infância-Unicef e o Sindicato dos Servidores Municipais-SINDISEPS participam pela primeira vez da iniciativa.

O prefeito, vice-prefeito, secretário e a vereadora transexual Leo Kret deram o tom político do evento. As entidades como o Grupo Gay da Bahia-GGB, Fórum Estadual LGBT e Força Sindical chamaram atenção para a conquista do movimento social com a possibilidade que o Observatório traz na implementação de políticas públicas para segmentos historicamente discriminados. Na solenidade, o prefeito João Henrique Carneiro (PMDB) prometeu sancionar o projeto de lei, de autoria da vereadora Leo Kret, que criminaliza a homofobia. A vereadora, de 25 anos, é dançarina de um grupo de pagode de um bairro popular, obteve cerca de 12 mil votos na última eleição e estréia no Legislativo apresentando uma boa produção parlamentar.

Este ano o Observatório da Discriminação Racial ampliará seus focos de observações para valorizar a diversidade, registrando atos de racismo, de sexismo e de homofobia. Este último foco será incluído nesta edição do Carnaval 2010, devido às reivindicações apresentadas pelo movimento LGBT, sobre a falta de atenção do poder público e devido a vulnerabilidade social deste grupo.

Outra novidade: além das equipes de observações distribuídas pelo circuito oficial do carnaval, serão fixados observadores sociais em pontos estratégicos como postos de saúde, postos policiais, no carnaval de bairros e em hospitais de grande porte na cidade do Salvador.

Devido a ampliação dos focos de observações, o Observatório da Discriminação Racial ampliou sua estrutura, com a inclusão de três novos postos de atendimento para população. Além do posto central localizado na Ladeira de São Bento, serão instalados mais três postos de apoio nos circuitos: da Barra, da Ondina e no Campo Grande. Esta ampliação visa facilitar a efetivação de denúncias por parte das vítimas de discriminação durante a festa.

A idéia do Observatório, que oficialmente iniciou seu trabalho em 2006, foi inspirada numa ação voluntária do Movimento Negro para detectar situações de racismo durante o carnaval para subsidiar suas reivindicações junto ao poder público. No primeiro ano, foram registradas 128 denúncias de discriminação racial e de violência contra mulheres.

Em 2007 o Observatório ampliou sua ação para identificar violações dos direitos da mulher, firmando parceria com a Superintendência de Políticas para Mulheres da Prefeitura . Foram registradas 422 ocorrências. Nas edições de 2008 e 2009 o combate às práticas racistas e sexistas ampliou o trabalho que em 2010 aborda também os crimes contra os homossexuais.

Vamos acompanhar os resultados do trabalho do Observatório, a expectativa é que os dados levantados sirvam de fato para ações efetivas e conjuntas dos poderes públicos e fortaleçam a ação cidadã dos grupos e entidades parceiras. A presença de Universidades públicas e privadas também possibilita desdobramentos interessantes para pesquisas e ações de extensão universitária. Uma rica experiência que vem sendo gestada pela Prefeitura de Salvador que pode ser reproduzida país afora. A ação é fruto da provocação dos movimentos sociais que vão além desta imagem vendida pela mídia hegemônica em torno da Bahia e dos baianos. Diz o publicitário Nizan Guanaes que baiano bom não nasce, estréia. Acredito que baiano bom luta, reivindica, pressiona, sabe seu lugar numa sociedade ainda dominada pelo autoritarismo e pela opressão de gênero e raça.

Escolhi cobrir o carnaval através deste olhar e devo acompanhar o funcionamento dos três postos de apoio instalados pelo Observatório em todo o circuito da festa: Barra, Ondina e Campo Grande. No mais, vou seguir o tradicional bloco “Mudança do Garcia” que leva às ruas a irreverência da crítica social do movimento sindical e de anônimos foliões e cair no samba reggae de Margareth Menezes no Movimento Afro Pop. Mando notícias.


Claudia Correia – Assistente social, jornalista, Mestre em Planejamento Urbano e regional. ccorreia6@yahoo.com.br

Um comentário:

Deixe seu comentário e/ou impressão...