quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Editoria Web@Tecno

A transmissão televisiva do desfile da Sapucaí entrou numa encruzilhada: não há mais nenhuma “novidade” a ser revelada?


Nelma Espíndola


Depois de algumas reflexões, vitaminadas com a sabedoria de um sambista tradicional da Portela, Sidney Rezende fez alguns apontamentos interessantes referentes aos dois dias de desfiles no Sambódromo, no Rio de Janeiro. Nessa análise, pelo menos três fatores, em princípio, contam pontos: sua experiência profissional como jornalista e de quem faz a cobertura dos desfiles na Sapucaí já há alguns anos, sua sensibilidade na valorização do que são os genes de fato de toda escola de samba: os passistas, os sambistas, as comunidades nas quais foram geradas as grandes “marcas” do carnaval carioca e, por último, sua crítica ao olhar o carnaval como uma “pasta geral e não uma festa de detalhes”.

Em relação a algumas de suas observações, destaco as que foram feitas às transmissões dos desfiles das escolas do grupo especial, pela TV que tem a sua concessão. Faltam em sua opinião, tanto em quem dirige a transmissão do espetáculo, quanto nos repórteres cinematográficos responsáveis pela captação das imagens a “sensibilidade” para que através delas ou de “palavras” se explique o contexto do enredo defendido por cada escola. Sem esse “toque”, o resultado que fica é essa “pasta geral” que o telespectador digere e muitas das vezes não compreende.

E, mesmo que alguns dos que o acompanham jornalisticamente em suas análises e opiniões, não concordem com elas, o seu blog é um espaço livre, onde está mais à amostra o seu lado de contestação expressa em relação a alguns dos vieses utilizados pelos media, isso, contudo, com alguma subjetividade, que entendamos muitas vezes se faz necessário. O que é salutar, pois seja qual for o cenário onde se desenvolva uma atividade profissional, esses questionamentos acabam surgindo e é a partir deles que se pode chegar a um modo próximo à perfeição ao trabalho individual e coletivo, no caso midiático.

Isto exige um trabalho de cobertura e reportagem dessa grande festa popular, livre de formas estereotipadas, com o intuito de melhor informar e transmitir imagens e relatos do carnaval. Trata-se, pode-se dizer sem dúvida, de uma experiência única que acontece através de cada escola de samba aqui do Rio, que é o berço do carnaval. Cada escola tem sua identidade e que precisa ser preservada, pois é a soma das identidades de todos os seus componentes, mesmo diante de “supostas” correlações de forças entre os grupos que disputam o poder nas direções das escolas.

Embora a minha experiência como alguém que se liga nesses desfiles do grupo especial da cidade do samba, se dê na maior parte das vezes através da tela da TV, gostaria de fazer alguns apontamentos. A transmissão do carnaval carioca é já há alguns anos objeto da competição entre duas emissoras de televisão. Hoje, no entanto, essa concessão é exclusiva de uma única, a Plim-Plim. A grande massa que gosta dessa grande demonstração cultural somente tem a possibilidade de acesso diante desta emissora.

De fato, quando o sambista da Portela, escola do meu coração, refere-se ao triplo sentido do julgamento e tipos de gosto do carnaval na Sapucaí, tenho de concordar com ele e com Rezende, é preciso agradar três grupos. Nas últimas décadas, julga o carnaval carioca quem está na avenida; quem tem o papel instituído de julgador de cada um dos quesitos para a escolha da melhor escola de samba, através de convites da LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), e de quem o assiste em casa através da telinha, dando a sua avaliação.

Já participei de duas dessas possibilidades de julgamentos, na Av. Marquês de Sapucaí e em casa.

Assisti aos desfiles na passarela do samba, em dois carnavais, através dos alambrados e também do viaduto São Sebastião, onde a emoção proporcionada por cada nota musical da bateria soa forte no peito e a cada olhar tem-se uma espécie de mosaico de alas entrecortadas, num grande caleidoscópio da escola na passarela, isso em 1994, dez anos depois de sua inauguração. Seis anos depois assisti a mais dois dias de desfiles desse grupo especial. Lá no lugar que penso ser o mais emocionante: o setor um. Lá vê-se a montagem da escola. É o lugar mais popular da Sapucaí. A maioria das desfilantes é acarinhada pelo público nesse momento de concentração e ao mesmo tempo entusiasmo. O respeito e considerações são expressos e mútuos. Mesmo que eu tenha a minha escola preferida, cada uma delas toca diferente no coração no momento de sua apresentação: de um lado, pela beleza dos ornamentos e fantasias; por outro, pela qualidade da letra e melodia do samba-enredo; e ainda pelo entusiasmo dos passistas. Cada desfile comporta, porém, os dois lados da moeda: o de agrado e o de repulsa, expressados pelo público presente.

Naquele palco apoteótico, em 1991, tive ainda o prazer de desfilar pela tradicional « Em Cima da Hora », num mar de gente. Nesse momento, cada folião e passista tem ali uma função definida: sambar com garra e ter o samba-enredo na ponta da língua. Isso é impactante! Com toda a modéstia, cumpri meu dever de cidadã da folia e sambei direitinho como uma boa carioca. Cantei, com paixão, embora em tom desafinado, o samba dessa minha outra escola do grupo « B », mas a emoção faz superar até mesmo esse pequeno ato falho. E ela obteve o 4º lugar nesse campeonato. Sua trajetória de tradição no samba vem sendo arranhada com forçosos rebaixamentos de grupos de desfiles. A escola que criou “Os Sertões”, um dos melhores sambas-enredo de todos os tempos. Hoje encontra-se lembrada mais pelo nome.

No entanto, o que tem sido mais constante na minha vida de arremedo de sambista é a visão do carnaval pela televisão. Esta ùltima oferece aos seus telespectadores, como diz Sidney Rezende, apenas o “plano geral”, aquilo que se considera perfeito aos objetivos de mídia, ou seja : o “espetáculo”. Essa grande festa popular fica, assim, muitas vezes reduzida simplesmente ao que seja alegórico, ao arsenal de artistas por ela contratados e em voga, ao luxo e aos famosos. Os componentes da escola, negros, brancos, jovens ou velhos, das diversas comunidades carnavalescas, que teriam nessa hora o seu momento de “fama” e deveriam estar sob o foco das lentes, tornam-se apenas acessórios, aqueles a quem não interessa filmar. Refiro-me particularmente ao trabalho do carnavalesco, o grande mestre e criador, o qual conta com uma toda uma gama de discípulos e executores, os quais merecem conjuntamente todos os aplausos e reconhecimento.

Desse modo, queria deixar mais um adendo: o novo e o velho estão presentes em nossa existência. Ambos fazem parte do processo de criação; não se deve preferir apenas o novo, sem valorizar o velho, que é aquele que traz a base de toda nova invenção. Não se deve também enraizar-se somente no passado, sem nenhuma possibilidade de manifestação do que é novo. A vida é um grande processo de transformação permanente e o samba, especialmente aqui o carnaval, faz parte dela, com toda a vibração que a folia nos traz.

Meu coração ficará no aguardo do resultado de quem será campeã do Carnaval 2010, na quarta-feira de cinzas. O resultado desses três julgamentos apontados terá sido concluído.

Deixarei propositalmente para publicar este post quando “O carnaval acabar” pra ver no que vai dar!


 
Nelma Espíndola, assistente social. E-mail para contato: nelmaespindola@gmail.com

Colaboração: Mione Sales, artisculista do BM&QS.
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A resposta é que a UNIDOS DA TIJUCA é a campeã do Carnaval 2010, após 74 anos sem esta conquista. No meu olhar os três grupos de jurados foram satisfeitos em seus gostos!



Comissão de Frente da Unidos da Tijuca, um dos grandes destaques da escola
Foto: Portal SRZD, 15-02-2010.

Parabéns Unidos da Tijuca, você descobriu “O SEGREDO".


A origem desse devaneio:

* Blog do Sidney Rezende – Post “O desfile da Sapucaí entrou numa encruzilhada”.

* Editoria Carnavalesco, do Portal SRZD – A cobertura completa do Carnaval 2010.

* Blog Falando de Teatro - Post "O Carnaval e o Teatro", por Ribamar Ribeiro.

*Vídeo da apresentação da comissão de frente da Unidos da Tijuca

*Carnaval no Rio – Notícias Google

*Parte do desfile da Unidos da Tijuca, Campeã do Carnaval 2010.

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