domingo, 3 de janeiro de 2010

Editoria Web@Tecno

“Brasil, mostra a tua cara”:
verso e reverso dos novos índices do consumo e inclusão digital



Acerca de quinze dias atrás, recebemos uma boa partilha de informações publicada na Folha de São Paulo em 12 de dezembro, que nos foi enviada por Jefferson Ruiz*. Era a divulgação de um “retrato do Brasil” que emerge da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), feito pelo IBGE no último trimestre de 2008. Nessa amostragem foram ouvidas 391 mil pessoas, com mais de dez anos de idade, que acessaram a rede três meses antes da entrevista.
Mas tivemos um consenso em deixar mais em evidência a cobertura da I Confecom, feita pela repórter especial do blog M&QS, Claudia Correia. Depois, chegou o Natal e assim, o tempo correu.

Essas informações, porém, não se fazem desatualizadas porque retratam alguns vieses importantes sobre como se dá o acesso a novas tecnologias digitais pelas camadas mais pobres da população brasileira. Em linhas gerais são elas: o acesso à internet no Brasil; o aumento da aquisição de telefone celular por pessoas de baixa renda, além do uso do “aparelhinho” por menores de 18 anos; o percentual de estudantes que usa a rede mundial de computadores; o novo perfil de uso da internet e, finalizando, o olhar sobre a inclusão digital enquanto um desafio da educação. Vamos então a elas:


Inclusão versus exclusão

A inclusão digital cresce, mesmo assim a maioria da população ainda não tem acesso à Internet. Em termos percentuais, isto equivale a 65% de indivíduos com mais de dez anos, que estão excluídos do mundo digital.

O “estreante” no ciberespaço mora nas regiões Norte e Nordeste do país, e tem renda de até um salário mínimo, com idade de 27 anos e seu tempo de estudo corresponde a sete anos. O crescimento desse contingente avançou de 12% para 25% e de 12% para 27,5%, respectivamente.

Seu acesso é feito de casa ou da Lan House por banda larga. Seu perfil encontra-se no site de relacionamento Orkut, com objetivo de ampliar seu circulo de amizade. Esse é o perfil médio dos 24 milhões de brasileiros, que iniciaram o acesso à internet entre 2005 e 2008.

As justificativas para o aumento do acesso à internet vêm graças à expansão de renda e do crédito. Esse crescimento é de 75%, porque o público usuário no Brasil passou de 32 milhões para 56 milhões de pessoas em três anos. Embora haja este aumento significativo, 104,7 milhões de brasileiros (-65,2%) com idade acima de dez anos, ou seja, 55% da nossa população de 189 milhões, ainda estão excluídos do mundo digital.

Segundo Cimar Azeredo, um dos responsáveis pela Pnad, esta é “(...) uma evolução fantástica no acesso à internet, que está chegando às pessoas de renda mais baixa, mas, pela quantidade de excluídos, ainda temos um apagão digital. É uma situação crítica, quando se compara com outros países.”

O exemplo dessa comparação é ilustrado com os seguintes percentuais: o Brasil tem hoje 34,8% da população ligada à web, em 2005 eram 21%. Em níveis mundiais, segundo a pesquisa, isso deixa o Brasil acima da média mundial que é de 25,8%, entretanto, se comparado às nações sul-americanas como a Argentina e o Chile, este fica abaixo, porque nesses países a metade da população está conectada à rede.

Foi observada ainda uma mudança nas justificativas dos “excluídos” para a falta de acesso à internet. O alto preço do computador, que em 2005 era de 9%, caiu para apenas 1,7% em 2008. Se 37% alegavam não ter acesso a computador em 2005, agora somente 30% têm o problema.

Porém, curiosamente o índice dos que acham dispensável saber usar a internet passou de 21% para 33%. Esse desinteresse, segundo Azeredo, reflete a falta de educação, que é o canal mais importante para a inclusão digital e a redução das desigualdades.

O que se busca na internet é definido através da renda e idade. Exemplos: os sites de bancos contam com a preferência de quem tem em média 36 anos e renda de R$ 1.989. Já os sites de relacionamentos e de lazer atraem usuários com uma média 24,8 anos e renda de R$958.

A perspectiva é de que a inclusão irá aumentar, segundo o ex-ministro das Comunicações e sócio da Orion Consultoria Juarez Quadros, devido ao compromisso das operadoras móveis, junto à Anatel (Agência Nacional e Telecomunicações) em levar o 3G (tecnologia que permite o acesso à internet via celular) a todos os municípios até 2011.


“Celular desceu a pirâmide social”


Das pessoas de baixa renda, 25% delas possuem telefone celular. Num total de 86 milhões de brasileiros com celulares, o aumento foi de 53,6% em relação aos 56 milhões que tinham há quatro anos.
Os estados com maior uso de celular são: DF (75,6%), Rio Grande do Sul (67,7%) e Mato Grosso do Sul (63,7%); os “caladões” são Bahia (39,8%), Piauí, com 32,5% e Maranhão, com 28% da população.

Tal como aconteceu com o uso da internet, a Pnad detectou que o celular também teve um “salto” em termos proporcionais entre a população de baixa renda. A justificativa pode ser afirmada pela “tríade crédito-renda-competição” das empresas, o que levou 30 milhões de brasileiros a adquiri-lo.

Os números são os seguintes: 11% das pessoas com renda familiar per capita de zero e um quarto do salário mínimo tinham celular em 2005; atualmente, 1 em cada 4 pessoas tem o aparelho. No grupo de meio a um salário mínimo, eram 32%; em 2008, passaram para 47,9%. Isso mostra que, em 2005, a renda dos que não tinham celulares correspondia a 44,9% dos que tinham. Em 2008, caiu para 38,7%, a prova de que “celular desceu a pirâmide social”.

Os profissionais junto a quem o aparelho mais se popularizou estão entre os de serviços domésticos que cresceu de 30% para 53,7%, que o utilizam para procurar trabalho, segundo Azeredo (Pnad).

A competição entre as operadoras, com suas “promoções agressivas”, na disputa cliente por cliente, também possibilitou as aquisições.


Os menores têm destaque no uso de celulares

Menores de 12 anos de idade têm celulares e isso corresponde a 12% dos celulares do país, num universo de 86 milhões de donos de linha de celulares. Dez milhões são menores de 18 anos, sendo 4,9 milhões meninos e meninas com idades inferiores a 14 anos.

Do total de 17,5 milhões de brasileiros entre 10 e 14 anos, 28,4% possuem seu aparelho pessoal. Já na faixa de 15 a 17 anos, quase metade dos brasileiros, ou seja, 5,1 milhões circulam com o seu celular.

Chama a atenção o fato de que as meninas e moças possuem mais celulares que meninos e rapazes da mesma faixa etária.

Os números que representam isso são os seguintes: meninas com até 14 anos - 2,9 milhões de pessoas – carregam 6,5% dos celulares em uso por pessoas do sexo feminino no país.

Já os meninos na mesma faixa etária - 2,1 milhões - portam 5% dos celulares em uso por pessoas do sexo masculino.


60% dos estudantes acessam a internet

A Pnad traz a representação de que 60% dos estudantes brasileiros já têm acesso à internet, um percentual superior ao de três anos atrás quando era de apenas 35,7%.

Essa perspectiva tende a continuar, com aumento no próximo ano, em função do governo ter acertado com as concessionárias de telefonia fixa levar banda larga a todas as escolas do país em 2010.

Entretanto, dos 39,3% restantes, que representam 15,2 milhões de jovens com mais de dez anos sem acesso à internet no fim de 2008, isto corresponde a 16% do total da força de trabalho do país hoje. Esse número de “analfabetos digitais”, num futuro próximo, irá para o mercado de trabalho disputar um emprego com outros profissionais inseridos no mercado e com mais 23,4 milhões de estudantes com mais de dez anos já familiarizados com o mundo digital.

A importância da internet para os estudantes caracteriza-se pelo percentual dos que dela se utilizam para fins educacionais: 85%, contra 53% entre o público não estudante. Dos que acessam à internet, 17 % ou 10 milhões de pessoas usam os computadores onde estudam. Desse total, mas de um terço, ou, 3,7 milhões têm a renda familiar per capita de até um salário mínimo.

Numa pesquisa feita, segundo o Programa para Avaliação Internacional de Estudantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 55% dos estudantes de 57 países pesquisados - entre eles o Brasil -, utilizavam a internet para pesquisa, 53% para jogos e 48% para uso de editor de textos. Como o maior índice de utilização é a pesquisa, a entidade defende a versatilidade do uso pelos estudantes, apontando que eles não a acessavam somente para jogos. Entretanto, os softwares educacionais eram usados por uma minoria.

Segundo a análise da economista Fabiana de Felício, da Metas Pesquisa e Avaliação Educacional, o balanço a ser feito não é de significativas perdas no aprendizado de estudantes digitalmente excluídos. Em seus estudos sobre o impacto do uso das tecnologias na sala de aula por alunos, professores e escolas, afirma que “ainda não está provado que as novas tecnologias melhoram significativamente o desempenho dos alunos.” Ela vê o papel insubstituível de um bom professor, além da importância de se pôr computadores nas escolas, mas com professores qualificados para o seu manuseio, senão “despreparados não ajuda”, afirma.

Quanto ao diferencial competitivo proporcionado pela inclusão digital aos estudantes, ela o reconhece e afirma: “Sem familiaridade com a tecnologia, eles chegam ao mercado menos hábeis para lidar com esses recursos e, nesse momento, isso pode fazer a diferença, ao disputarem uma vaga.”

Um dado informativo do Ministério do Planejamento é de que 95% das escolas da Dinamarca e dos Estados Unidos, 89% das suecas, 81% das espanholas e 75% das britânicas já acessavam a internet banda larga em 2006.


O novo perfil dos usuários da internet

A psicóloga Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em informática da PUC-SP, em entrevista ao jornalista Fábio Takahashi, afirma que a internet aproxima as pessoas. Esse é o novo perfil resultante da utilização da tecnologia. A banda larga que hoje é mais usada na rede possibilita um maior tempo de se ficar online, conversando. Há uns dois anos, a internet não era acessada com tanta frequência.

De acordo com o IBGE, a comunicação ultrapassou a educação no uso da rede. Como integrante do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em informática da PUC-SP, Luciana Ruffo vê essa mudança como positiva.

Mas, Ruffo sinaliza que esse olhar depende de como se faz a pergunta na pesquisa. “A comunicação hoje é mais forte, não que as pessoas tenham deixado de pesquisar na internet.” E dá exemplo de que nas pesquisas da escola, os estudantes as fazem na internet e não em livros. Porém, ainda sinaliza que tempos atrás a internet era “fonte de saber”, hoje é mais lazer do que estudo.

Um aspecto positivo desse uso “pelas pessoas mais comuns” é o seu caráter de entretenimento interativo, que se diferencia da televisão, cujo espectador é, em certa medida, passivo. A noção de proximidade entre as pessoas advém do fato de que as cidades cresceram e a vida se tornou mais corrida, por isso a internet facilita a conversa com os amigos.

Ruffo ainda vê a internet como “um bom meio de se educar”, contudo é preciso recorrer a sites de pesquisa avalizados.

Quando perguntada sobre o que apontam as pesquisas acerca da relação internet versus a diminuição do desempenho dos alunos na escola, ela vê como um interesse despertado pela novidade, principalmente para crianças e adolescentes. E faz um alerta, se um jovem fica no MSN durante a aula, ela acaba. Entretanto, com o tempo, essa dispersão diminui e essa novidade passa a ser acessada de forma mais moderada e racional. Para a pesquisa dá o seu “ok”. Quanto a sua liberação total, talvez só para a faculdade, com reservas.


A análise de Jorge Werthein

Segundo Jorge Werthein, doutor em Educação pela Universidade Stanford (EUA) e ex-representante da Unesco no Brasil, os dados do IBGE sobre o acesso à internet e posse do telefone móvel para uso pessoal, corrobora que a inclusão digital no Brasil terá de superar muitos vieses.

Ele tece algumas ponderações acerca da “universalização do acesso”, ressaltando a especificidade de segmentos populacionais como idosos, pessoas com menos escolaridade ou ambas, que são a minoria entre os usuários.

Um outro importante destaque feito por Werthein é o de que os 65% das pessoas com dez anos ou mais sem o acesso à rede precisam de atenção e providências para essa mudança, sem, contudo, deixar de perceber que os 35% que integram a comunidade virtual nem sempre sabem dispor desse acesso adequadamente.

Nesse sentido o “proveito da tecnologia pode ser um desafio tão grande quanto ou maior do que ter acesso a ela.” Essa superação, para ele, tem como fundamento o papel da educação “(leia-se escola)”, começando com a própria inclusão e capacitação dos professores para as novas tecnologias.

Em relação aos estudantes, sugere a inserção de uma disciplina como tecnologia da informação no currículo, o que poderia contribuir para a formação de usuários mais “conscientes e aptos” a ampliar ao máximo o aproveitamento de ferramentas do mundo digital: a internet e os aparelhos celulares.

Nesse nosso bate-papo, sei que fomos extensivas mais uma vez. Mas o assunto é relevante e precisamos ampliar as nossas reflexões e discussões a respeito, com o máximo de informações possíveis.

Desejamo-lhes mais uma vez Feliz 2010!

Nelma Espíndola, assistente social. E-mail de contato: nelmaespindola@gmail.com


*Meus agradecimentos aos que colaboraram com a matéria: Jefferson Ruiz e Mione Sales.
__________________________________________
[Fonte: Jornal Folha de São Paulo, em 12-12-09.]


A conferir:


Fica aqui ainda a sugestão de leitura do excelente artigo da assistente social e mestre em Sociologia, Andréa Siqueira, “Prefácio à pobreza, sem aperitivos”, sobre os paradoxos do consumo pelos pobres, com base em dados de pesquisa realizada no Paraná:


http://www.insightnet.com.br/inteligencia/47/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário e/ou impressão...