sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Dossiê Especial Haiti





Pela primeira vez em muitos anos, o Haiti ganha destaque nas notícias internacionais. Infelizmente o tema das reportagens não versava sobre a riqueza cultural do país, nem sobre o incomum processo histórico que permeou a abolição da escravatura e a constituição de uma república. Tampouco foi mencionado que este foi o primeiro país americano com um líder negro.

Na verdade foi uma tragédia que trouxe o Haiti às primeira páginas dos jornais. Uma tragédia que vitimou a população local e estrangeiros que lá viviam. Uma tragédia que não poderia ser evitada, mas que foi agravada em muito pela pauperização do país e de sua população.

Na verdade o terremoto que vitimou dezenas de milhares de pessoas neste país alcançou maiores proporções por encontrar um país política e economicamente devastado.

Foram vários os fatores que contribuíram para a atual situação do país, no entanto pouco ou quase nada se fala sobre eles na mídia hegemônica... Não foi um pacto com o demônio que levou o país a essa situação, como afirmou o Sr. Pat Robertson, e nem uma falta de sorte que perseguiria a população descendente de africanos, como dito pelo Sr. George Samuel Antoine (curiosamente, cônsul do Haiti no Brasil).

Talvez esta devastação tenha sido iniciada com o bloqueio comercial que escravagistas europeus e estadunidenses impuseram ao país que ousou fazer uma revolução de escravos e abolir a escravidão. Talvez a situação tenha piorado ainda mais quando o país foi forçado a assumir uma dívida de 90 milhões de francos, como fim de indenizar a França pela perda de sua colônia. Talvez a sucessão de golpes políticos e a interferência do governo estadunidense em seu território, inclusive apoiando a ditadura implantada lá por políticos como Papa Doc e Baby Doc tenham sido cruciais... São tantas variáveis... Tantas questões...

Atualmente o país encontra-se destruído sob vários aspectos e as atenções do mundo se voltam novamente para ele. Vários países se apresentam demonstrando preocupação e solidariedade com o povo Haitiano, dentre eles: Brasil, Estados Unidos e França.

Nos pronunciamentos sobre estas ações de solidariedade uma expressão tem me chamado a atenção: “A reconstrução do Haiti”. Não que eu discorde de que o país precise ser reconstruído depois de tudo que ocorreu, mas me assusta um pouco a forma como tal reconstrução possa ser encaminhada. Seria um reconstruir, segundo o modelo Francês que, nas palavras do presidente Nicolas Sarkozy, pretende ajudar a acabar com “a maldição que paira sobre o Haiti há tanto tempo”? Seria o modelo estadunidense que sempre enxergou o país como ideal para uma de suas bases estratégicas, tal qual o Panamá? Ou seria ainda o modelo emergente da mais nova “potência mundial tupiniquim”, nossa Terra Brasilis, que, com a motivação de um melhor posicionamento político e econômico global, reforça o discurso de que o Haiti é um país a ser “tutelado” e, negando o conceito de autodeterminação dos povos, se candidata para assumir a dianteira em tal tarefa?

Algumas emissoras de televisão veicularam imagens de haitianos reclamando da presença excessiva de militares em seu território após a catástrofe. A maioria informando essa reação como uma manifestação isolada ou mesmo irrefletida, outras ainda deixam a impressão de que a população não estaria percebendo a importância das forças militares no processo de reconstrução... Não vamos negar que as forças armadas possuem pessoas com treinamento e recursos para este tipo de situação, mas será que o povo haitiano reclama sem motivos? Será que seus medos são injustificados? Será que a história vivida por este povo até hoje não lhes deu uma visão política sobre tropas estrangeiras em quantidade maciça em seu solo?

É fato que este momento é crucial para que o país se reerga, mas, isso só pode e deve ser feito respeitando sua autonomia e história. O Haiti precisa não é a “caridade colonizadora”! O Haiti precisa é de que, pela primeira vez em toda a sua história, ele seja visto como um país livre, tratado como tal e respeitado em sua autonomia também!

Tão importante quanto sua reconstrução é a desconstrução do conceito de "país- colônia" que ainda hoje aflige o Haiti. Talvez essa seja a mais importante das contribuições que o país possa receber neste momento.

Informações complementares:

1) Pat Robertson - Pastor pentecostal, advogado e ex-candidato à presidência dos Estados Unidos da América. É conhecido por afirmações polêmicas como, por exemplo, dizer que “Hugo Chavez deveria ser assassinado” e que o derrame sofrido pelo primeiro ministro israelense Ariel Sharon foi um “castigo divino”.

2) Papa Doc (François Duvalier) – Médico que se tornou presidente do Haiti em 1957, instaurando um governo ditatorial marcado pela perseguição a representantes da igreja católica, aos representantes da imprensa e qualquer um que apresentasse oposição ao seu governo.

3) Baby Doc (Jean-Claude Duvalier) – Filho de Papa Doc que o sucedeu após sua morte em 1971, dando seqüência ao seu regime ditatorial de governo até o 1985 quando, com a diminuição da força deste regime, fugiu para um exílio na França.


Léo Rocha, assistente social, pós-graduado em Psicologia Jurídica pela UCAM, integrante da Comissão de Comunicação e Cultura do CRESS-RJ.

Um comentário:

  1. Muito bom o blog.! Adorei os temas, o texto ... Demais.! Me tornei seguidora.
    Espero que o Haiti possa se reerguer com mais dignidade para sua população.!
    Bjos :*

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