Jefferson Ruiz
Há três anos venho sendo indicado para compor a comissão julgadora do Prêmio Visibilidade do Serviço Social e das Políticas Sociais, promovido pelo Conselho Regional de Serviço Social do Estado do Rio de Janeiro. Esta tarefa – que muito me honra – tem possibilitado um maior contato com distintas produções sobre direitos. Ainda que eles não componham o título do Prêmio do CRESS-RJ, ao se tratar adequadamente políticas sociais dificilmente se deixa de falar sobre um ou outro direito.
Há interessantes aprendizados a partir desta experiência. Um deles é o de perceber que, mesmo com a enorme concentração da comunicação nas mãos de poucas famílias, é possível perceber contradições na cobertura. Há órgãos populares de imprensa que por diversas vezes não se preocupam em qualificar sua cobertura sobre as políticas, resvalando para o senso comum. Por outro lado, órgãos que atingem imensos contingentes populacionais por algumas vezes têm tratado direitos com impressionante trabalho de pesquisa e com uma criticidade surpreendente. Em geral, as melhores produções são as que historizam minimamente a política tratada, apontam sua relação com a vida quotidiana de populações, informam sobre legislações daquela área, apontam o horizonte disputado por cada política, sem deixar de denunciar – quando é o caso – seus limites e contradições. Não é necessário que os textos sejam imensos para se tratar adequadamente um tema: há textos, curtas-metragens, entrevistas em rádio ou jornal, que em pouco tempo ou espaço conseguem produzir informação crítica e de alta qualidade.
Certamente parte significativa destas contradições diz respeito à própria atuação de jornalistas e outros profissionais de comunicação. O que apenas ressalta a importância do diálogo entre distintos conhecimentos, sem significar desregulamentar profissões ou pulverizar fronteiras profissionais. É preciso não perder de vista que a edição dos materiais inúmeras vezes altera conteúdos, adequando-os ao que interessa aos proprietários dos meios de comunicação divulgar ou tornar público. Certamente há profunda tensão entre perspectivas tão distintas. Ainda que tensões e contradições existam, o cenário nacional não é animador.
A Agência de Notícias dos Direitos da Infância realizou, em 2004, levantamento acerca de como 57 jornais brasileiros cobriam direitos humanos. Contatou-se que 25% das referências a direitos humanos tinham como pauta a violência. Apenas 3% pautavam temas como fome, pobreza e miséria. Saúde, educação e habitação tinham percentuais ainda mais ínfimos. Havia um dado positivo: 54% dos textos que faziam referências a direitos humanos vinculavam o debate a políticas públicas. Ainda assim, apenas 6,6% tratavam questões orçamentárias – fundamentais para o debate dos direitos humanos e para a efetividade de seus planos nacionais. Dos textos analisados, 5,8% falavam da avaliação e do monitoramento das políticas; 7,3% tratavam dos processos de sua implementação.
O Intervozes tem nos lembrado que toda comunicação é editada. Mesmo quando falamos com alguém, selecionamos o que deve ou pode ser dito em cada momento, que impacto queremos gerar, que relevância dar a cada detalhe ou aspecto tratado. No processo que envolve comunicação são usadas falas, imagens, sons, gestos, nossos cinco sentidos (ou a maioria deles). O espaço pelo qual todas estas comunicações transitam é o ar – que ainda não se encontra totalmente privatizado. Ele é bem público, universal: todos (inclusive outros seres vivos) respiramos e o capitalismo ainda não conseguiu transformar o ar em mercadoria (embora seja o maior responsável por sua queda de qualidade). É por este bem público que passa toda a comunicação, tanto a que fazemos em nosso quotidiano (ao conversarmos com amigos, parentes, vizinhos, colegas de trabalho) quanto a que é feita para grandes públicos. Esta é uma das reflexões provocadas pelo Intervozes para que nos desafiemos a ir além da aparência. Se o ar é bem público, e por ele passam diversas comunicações; e se produzir comunicação para grandes públicos no Brasil é concessão pública, há que se pensar em como a população pode, criticamente, analisar o que lhe chega como se fosse a “verdade dos fatos”. Como vimos ao longo dos debates sobre o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, os proprietários dos grandes meios de comunicação se apavoram com a possibilidade de qualquer tipo de acompanhamento e controle social da produção de informações no país. A última “chiadeira” foi por que conferências como as de juventude ou de cultura também apresentaram críticas e sugestões acerca de como diversos segmentos da população são retratados na mídia. É só pensarmos como a televisão geralmente trata os empobrecidos, os habitantes de bairros de baixa renda, os negros, os quilombolas, e tantos outros segmentos.
Iniciativas como as do CRESS-RJ, da ANDI, do Intervozes e das conferências de comunicação, cultura e juventude precisam ser fortalecidas. Sem questionar a concentração dos meios de comunicação nas mãos de pouquíssimas famílias em um país continental como é o Brasil certamente estarão ampliadas as dificuldades não apenas de uma cobertura adequada sobre direitos, mas as de construir uma sociedade efetivamente justa.
Sobre as citações
O Prêmio Visibilidade das Políticas Sociais e do Serviço Social é promovido pelo CRESS-RJ há três anos. Neste período analisou dezenas de produções jornalísticas, bem como experiências de assistentes sociais que obtiveram repercussão pública. É possível informar-se sobre ele pelo endereço eletrônico www.cressrj.org.br ou pelo e-mail diretoria@cressrj.org.br.
A Agência de Notícias dos Direitos da Infância tem sua sede em Brasília. Uma consulta à página www.andi.org.br permite o contato com excelentes iniciativas. O levantamento realizado em 2004 está publicado em CANELA, Guilherme (Org.). Políticas públicas sociais e os desafios para o jornalismo. São Paulo: Cortez, 2004, pp. 240-241.
O Intervozes já foi citado em artigo anterior nesta editoria. Sugiro uma consulta ao endereço http://www.intervozes.org.br/. Aos que se interessam por comunicação e sua relação com uma sociedade justa há muito material para ser conhecido, divulgado, utilizado em eventos e debates sobre o tema.
As conferências municipais, estaduais e nacionais de comunicação, cultura e juventude têm sido tema da grande mídia recentemente. Suas resoluções (geralmente disponíveis em páginas de movimentos sociais e do próprio governo federal) trazem importantes deliberações sobre a relação entre direitos, políticas sociais e comunicação. Cumpre registrar que se não houver cobrança de sua efetivação, dificilmente elas sairão do papel.
Jefferson Lee de Souza Ruiz atua como assessor político do Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro - CRESS-7ª R. É bacharel e mestrando em Serviço Social, ambos pela UFRJ. Contato: leenorio@yahoo.com.br
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