terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Editoria Estranha Semelhança com a Utopia

A mídia na disputa entre concepções de direitos humanos
                                       
                    Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e
                    inter-relacionados.  comunidade internacional deve tratar os direitos
                    humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a
                    mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam
                    ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos,
                    culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos
                    os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus
                    sistemas políticos, econômicos e culturais. (Declaração e Programa de
                    Ação de Viena, 1993)


Jefferson Ruiz


Manchetes e reportagens das últimas semanas criticam o lançamento, pelo governo federal, do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Para os grandes proprietários de terra, o documento cria “insegurança jurídica”; para os grandes e poucos proprietários de meios de comunicação, “atentam contra a liberdade de expressão”. Outros setores escandalizam-se pela previsão do debate sobre a taxação de grandes fortunas ou, ainda, da utilização de símbolos religiosos (normalmente ligados a uma única religião) em espaços públicos como tribunais e escolas.

A reação raivosa da imprensa e de setores que concentram parte significativa das riquezas nacionais deve ser percebida adequadamente. No Brasil, os 10% mais ricos concentram 44,5% da renda produzida pelo trabalho, enquanto os 10% mais pobres ficam com apenas 1% dela. Efetivar direitos humanos em uma sociedade com tal desigualdade é discutir, necessariamente, o modelo de organização econômica e os privilégios que estes poucos setores detêm em suas mãos. Em minha perspectiva significa denunciar a incompatibilidade entre capitalismo e as previsões de dezenas de documentos internacionais sobre direitos humanos aprovados especialmente após a Segunda Guerra Mundial.

“Então, o governo Lula acertou ao lançar o Programa?”, poderiam me perguntar. Não tive, ainda, a oportunidade de ler as dezenas de páginas do 3º PNDH. Em princípio, o que é preciso afirmar é que o governo demorou, e muito (quase oito anos!), para afirmar políticas que deveriam fazer parte das iniciativas tomadas ao longo dos dois mandatos. Ao contrário, optou por aprofundar o modelo econômico que Collor, Itamar e FHC já haviam inaugurado no Brasil; hesitou em democratizar a comunicação no país, seja no episódio da escolha do modelo para a TV digital, seja na manutenção das concessões de rádios e televisões pelo país como moeda de troca política por apoios partidários e parlamentares. A imprensa, que sempre aplaudiu o governo e ajudou a consolidar sua popularidade (uma vez que pouco mexia com os interesses de seus proprietários e financiadores), ao primeiro sinal de assimilação de bandeiras e demandas populares já promove sua “grita”.

A demora em lançar o 3º PNDH não é mero eleitoralismo, como afirma a grande mídia. Para a efetivação dos direitos humanos, ela pode transformar o Programa quase que em uma carta de intenções. 2010 é ano eleitoral e vários dos princípios afirmados não terão tempo hábil de ser efetivados pelo governo que anuncia o PNDH. Estas contradições já foram apontadas por lutas históricas dos defensores de direitos humanos: o 1º PNDH não continha prazos, verbas e outros apontamentos que permitissem à população acompanhamento, pressão e controle social das políticas previstas. Este foi um dos componentes que facilitou a aprovação do 2º PNDH que, minimamente, superava em parte tais limitações.

O que me parece importante é que este debate demonstra que, como em temas como ética, democracia, solidariedade e outros, não há uma única concepção de direitos humanos. Aos que lutam por uma sociedade efetivamente justa a tarefa é verificar como os diversos direitos, que sempre vimos como resultados de lutas e processos sociais se articulam com um modelo de sociedade anticapitalista, humanamente emancipada e efetivamente libertária.

Sobre as citações

A Declaração e o Plano de Ação da Conferência Mundial de Viena pode ser encontrada pela internet. Uma visita a www.dhnet.org.br certamente leva a seu conteúdo. Retirei-a de Mazuolli, que compila os principais documentos internacionais de direitos humanos a que também me refiro acima. Segue a referência: MAZUOLLI, Valerio de Oliveira. Coletânea de direito internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

O 3º Plano Nacional de Direitos Humanos está disponível no site da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Acessem www.sedh.gov.br e, se possível, deixem aqui suas impressões sobre o texto. Pretendo voltar a ele futuramente.

Os dados sobre a desigualdade de distribuição de renda no Brasil são do DIEESE, de 2008. Eles vêm sendo divulgados pelos conselhos federal e regionais de Serviço Social por todo o Brasil na campanha “Socializar riqueza para romper a desigualdade”.

O debate sobre a concentração dos meios de comunicação, a opção por determinado modelo de TV digital, a forma de concessão de rádios e televisões no país pode ser encontrado no site do Intervozes (http://www.intervozes.org.br/).

Por sua vez, o histórico dos Planos Nacionais de Direitos Humanos é um dos temas tratados pelo curso de capacitação de gestores em direitos humanos, oferecido pela própria Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, em aliança com a Universidade de Brasília. Tive a oportunidade de cursá-lo em 2004. O curso vem sendo reeditado periodicamente, em especial para aqueles que participam de conselhos de controle social das diversas políticas.

Para a reflexão sobre a existência de diferentes concepções de direitos humanos, bem como outros aspectos acima tratados, estou retomando parte de minha monografia de conclusão do curso de Serviço Social, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu título é “Concepções de direitos humanos e um diálogo com o Serviço Social”. Quem se interessar pela leitura, faça contato e envio um arquivo em pdf.

Por fim, a emancipação humana é defendida por Marx como horizonte necessário e superior à mera emancipação política. O debate feito pelo autor de O Capital com Bruno Bauer, sobre os direitos dos judeus que viviam na Alemanha de sua época, está em “MARX, Karl. Para a questão judaica. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2009”.

Jefferson Lee de Souza Ruiz atua como assessor político do Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro - CRESS-7ª R. É bacharel e mestrando em Serviço Social, ambos pela UFRJ. Contato: leenorio@yahoo.com.br
  

2 comentários:

  1. Prezado Jefferson,

    Contribuição fundamental para alimentar a "metralhadora crítica" de quem vive nas "trincheiras das lutas ideológicas". O artigo de Merval Pereira em "O Globo" do dia 08/01 (não tenho certeza, mas é recente) trata justamente de uma crítica ao Governo Lula e sobre um Programa de Esquerda visivelmente estampado no Plano de Direitos Humanos. Importante destaque de sua reflexão é o lançamento tardio de tal documento que deveria nortear 08 anos de mandato. Se o documento for levado a sério poderemos comemorar? Será a vez de políticas de redistribuição de renda em substtuição às políticas de transferência de renda (e uma outra lógica para além do combate à pobreza?)

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  2. Camarada, me envia tua monografia. thiagoaql@yahoo.com.br
    abraços,
    Thiago Arruda

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