segunda-feira, 19 de abril de 2010

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Sinal de tempos hipermodernos

Ou a primeira vez que eu vi um leitor de e-book

 

Texto/Imagens
Mione Sales*

Andava de metrô outro dia em Paris num horário de rush. Eu seguia pela Linha 7 (Ivry-Villejuif), que faz parada em algumas universidades (Jussieu – Paris 6 e 7; Censier Daubenton, Paris 3). É comum avistar pessoas lendo no trajeto dessa linha. Mais que isso, essa cena faz parte dos hábitos em geral dos passageiros no metrô aqui, mesmo se enquanto hábito é incomparável com Londres, onde todo mundo lê. Todavia, a tendência parisiense aumenta em linhas como a 7, que tem um barulhinho e poltronas que lembram as de um trem.


No lado do vagão onde eu estava, contei naquele começo de tarde aproximadamente umas trinta pessoas, entre os que viajavam de pé ou sentados. A imponente paisagem de meios - eletrônicos e em papel – chamou-me logo atenção. Meu olhar dirigiu-se inicialmente para uma curiosa figura: uma moça asiática, talvez japonesa, segurava um objeto do tamanho de um caderno ou bloco de notas bem em frente ao rosto, e parecia ler. Ela tocava de leve no lado direito do que eu supus, imediatamente, ser o seu leitor de e-book, para virar a página. Sabemos que essa parafernaliazinha comporta uma biblioteca e esse talvez seja, quanto ao quesito facilidade e praticidade nos deslocamentos, o seu ponto forte. De longe, eu pude visualizar uma tela mais ou menos cinza, qual um texto redigido em Word. Nada de extraordinário se passava para além da disposição plana e fria do objeto.

                                     Foto de divulgação

Comecei a dar uma espiada, então, no que estava ao redor da concentrada moça asiática, desbravadora das fronteiras da leitura virtual. Como pequena cartografia daquela cena, vi, à sua esquerda, uma moça que lia uma revista. Em frente, outras duas jovens liam livros, enquanto um adolescente ao lado delas enviava mensagens pelo Iphone. De frente para onde eu estava e de costas para a « e-moça », estava um homem que portava um chapéu e lia o seu jornal pelo filtro de uns óculos escuros, ao qual se acoplava um outro de lentes claras e de grau. Formava uma bizarra figura. Era a prova da imperfeição humana a tentar ler, se comparado ao suposto caráter límpido e moderno da leitura eletrônica.


Olho, em seguida, para trás. Vejo uma outra moça de pé a enviar torpedos pelo celular. Nesse quesito, prevalece a sede de se comunicar. No entanto, nos bancos agora à minha frente, jovens em cadeiras separadas têm as orelhas plugadas em mp-4 ou equivalentes. Fios escorrem das suas cabeças que fazem pensar em longos apetrechos para cabelos ou em brincos irreverentes. Essa prática massiva e corrente dos jovens franceses, se constitui um legítimo mergulho vertiginoso em si mesmos, não deixa de portar uma dimensão « in extremis ». Dessa esfera hiper-individualista e exclusiva do Outro somos todos, portanto, de certa maneira, expulsos, como se deparássemos com uma plaqueta invisível onde está escrito: « Fora daqui ! Fechado para trocas e convivência ».

De outra vez, viajava de TGV [trem de grande velocidade] num espaço que comporta oito cadeiras: quatro de cada lado, umas viradas para as outras. Nem é preciso dizer que esse tipo de configuração foi projetada para a interação. Entre os oito passageiros, dentre os quais eu me incluía, seis pertenciam aparentemente ao mesmo grupo ou família. Dentre eles, quatro viajavam lado a lado, portando um fone de ouvido. Diante desse quadro, senti-me quase impedida de estar ali. Existir de outro modo, com olhos e orelhas bem abertos, seria como corromper a harmonia do silêncio, arbitrariamente imposto por aquelas pessoas presas em seus casulos auditivos. Era um silêncio recheado de idissioncracias muito particulares que secretamente circulavam pelos fios acoplados aos ouvidos daquelas pessoas.

Mas voltando aos « livros & meios » naquela tarde num dos vagões da linha 7, do lado esquerdo, logo à frente, mais uma cena inédita: um rapaz trazia aberto, em meio ao tumulto do metrô, sobre suas pernas cruzadas um notebook aceso. Já vira este tipo de cena em trens e avião, mas no metrô, foi a primeira vez. Quem sabe, estudasse ou concluísse um trabalho. Para ele, o tempo urgia sem dúvida.

                                                      Foto de divulgação

Encerrada a minha pequena enquete visual, era fato: a única pessoa que lia um livro eletrônico era a moça asiática. Todos os demais - entre os quais contei sete mulheres - liam jornais, revistas e sobretudo livros em papel, em formato de bolso. Como ser « moderno- paradoxal » que sou, resisto às invenções que vêm destronar prazeres frugais e antigos. A minha velha máquina de escrever que o diga. Mas, consciente desse traço pessoal, luto contra a minha resistência à tecnologia, procurando não somente me convencer pouco a pouco das suas vantagens, mas em logo direcioná-las à potencialização da crítica social e à intensificação dos processos educativos. Lembro, porém, como prova dessa minha dita resistência no que se refere aos leitores eletrônicos, das palavras do argentino Alberto Manguel em seu maravilhoso Une Histoire de la lecture [Uma História da Leitura, Cia das Letras]. Ele, como muitos outros autores que defendem a área de edição, o mundo dos livros e das ideias, confessou abertamente ter um dessas geringonçazinhas. Experimentei aquilo, inicialmente, como uma traição, pois séculos de construção de palavras e sentidos em arrumação cuidadosa sobre couros de carneiro, tabuletas, papiros, entre outro sistemas, que ele tão bem descrevia desvaneciam-se profanamente no cérebro de uma máquina fria. Sem falar que ela nos rouba ainda a estética de belas prateleiras, onde muitas vezes nos perdemos absortamente a decidir o que vamos ler.


Rompida a indignação desse primeiro sentimento, pus-me a pensar que será difícil conter a roda da história. E como usufruo de outras modernidades, como o youtube e o motor de pesquisa do google, quase que com certo júbilo, creio que talvez essa « e-novidade » ainda vai mostrar a que veio. De todo modo, conheço muita gente que diz que será, nessa marcha do progresso, o último moicano.


Vale a pena, para concluir, avançar um detalhe que constitui um importante dado sobre o mundo da leitura: as mulheres leem mais que os homens nos tempos atuais. Muitos escritores sabem, assim, que na outra ponta do processo de recepção está provavelmente uma mulher adulta, em geral de classe média, mas também com presença significativa de mulheres de outras classes sociais. O fenômeno de leitura - do médio ao grande leitor (aquele que lê de vinte a trinta livros por ano) -, mesmo se vem se movendo um ritmo decrescente, parece ser um atributo feminino nesse começo de século XXI. Todas as regras têm a sua exceção. Mas naquele metrô essa era uma tese confirmada. Cabe, desse modo, talvez perguntar às mulheres o que elas acham desse “novo meio”: o livro eletrônico ou e-book. O êxito ou não dessa forma de consumo cultural e tecnológico emergente vai seguramente precisar da adesão e aval do sexo feminino. Não é por acaso que o primeiro « e-leitor » que eu avistei nesta vida e naquele vagão era uma mulher.

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Mione Sales – é doutora em Sociologia (USP) e professora de Serviço Social na UERJ. Contato: mioneecia@ hotmail.com
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Para ler


http://www.ebooksgratuits.com/

http://www.gutenberg.org/

http://www.lexcycle.com/

Para ver & ouvir

http://www.youtube.com/watch?v=r7yeiRtc1fA&feature=related
 [História da Escrita - do papiro ao computador ]

http://www.mostra.org/21/portug/filmes/destino-p.htm

[Pequena crítica do filme “O destino” do diretor egípcio Youseff Chahine]


http://www.youtube.com/watch?v=VXa9tXcMhXQ&feature=related

[Kraftwerk, « TheRobots »]

http://www.youtube.com/watch?v=g1JucxiOpyw

[Jean-Michel Jarre, “Oxygen”]

http://www.youtube.com/watch?v=u0cS1FaKPWY&feature=related

[Björk, “All is full of love”]

2 comentários:

  1. Mione, os e-books já são um fenômeno há um bom tempo. O grande fenômeno mesmo é o e-reader, o aparelho pelo qual se pode ler os e-books, sendo o mais conhecido deles o Kindle, e q deve ser a "máquina fria" q a "e-moça" estava lendo. Apesar dos meus poucos anos de vida, tb estou presa a certas coisas q fizeram parte do eu curto espaço de vida como a minha estante cheia d livros a qual eu adoro e há pouco tempo atrás sonhava em cada vez aumentá-la mais junto claro c o meu conhecimento e não por mera quantidade d livros estampados naquela estante. No entanto, vejo alguns avanços q os e-readers e e-books trazem como a possibilidade d não precisar imprimir fazendo c q se modifique um pouco a cultura do desperdício de papel, a possibilidade de ampliar os leitores q não precisam comprar os livros, a possibilidade de achar obras q não se publicam mais, etc. Claro, temos que ponderar p quem esas inovações vão chegar, podemos começar discutindo sobre o acesso a internet e de qtos tem um computador em casa. A primeira é mais fácil d resolver c o boom das lan houses, mas a segunda é mais problemática pq não se terá ond ler o livro se não for pelo computador ou o e-reader. E até ond eu sei o Kindle e outros e-readers ainda não estão c preços populares, mas acho q isso é questão d tempo. Além disso há op fato d existir alguns e-books pagos, mas q procurando bem se encontra na internet suas versões gratuitas.

    Antes d finalizar, gostaria d dizer q espero q esta alternativa de leitura não exclua o livro em papel na forma q conhecemos e sim seja uma alternativa q possa cada vez mais se popularizar e contribuir c uma maior socialização do q a humanidade construiu.

    Enfim, enquanto escrevia este post procurei uma reportagem da carta capital sobre o e-reader e como gostei vou deixar o link para quem tiver interesse.

    http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=6130

    Marina Alecrim

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  2. Inteiramente de acordo com você, Marina. Ficou faltando dizer no artigo que, na França, hà ainda um culto superforte do livro em papel e uma defesa dele como politica cultural, e proteção do meio editorial, das livrarias independentes, enfim. Mas penso que as inovações podem conviver com os velhos formatos... Quem diria que o CD não impediria a volta ao vinil, tão cultuado pelos DJs, não? São as contradições e alimentações reciprocas. Isto é o que acho mais bacana. Um grande abraço e feliz de tê-la como "leitora" do blog. E obrigada pela colaboração! Vou espiar o link! ;-) Mione*

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