sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

Alá, lá-ô! Ô, ô, ô… Mas que calor ?

Ana Lúcia Vaz























7h30 da manhã, o calor já faz suar apenas saída do banho. No elevador, o vizinho comenta o calor. Também está ensopado. “Está muito estranho! A gente morrendo de calor e outros congelando. Viu a reportagem ontem? Washington debaixo da neve. Está muito estranho!”
Devolvo um sorriso abobalhado. “É, eu vi...” A essa hora os neurônios ainda estão muito preguiçosos para tentar alguma braçada autônoma. Me deixo levar pela correnteza do Jornal Nacional.

Na Lagoa, os termômetros marcam apenas 29 graus, com unanimidade (coisa rara entre eles). Será que o choque de ordem do prefeito incluiu uma repressão aos termômetros? "Tem que estar todo mundo igual!" Que nem as barraquinhas e guarda-sóis da praia ? "E não pode passar de 40 graus!" Como os barraqueiros não podem ter mais de 80 guarda-sóis para alugar ?

Os termômetros marcam apenas 29 graus e eu suo como uma vaca pastando sob o sol de meio-dia. Embora esteja na sombra e o vento, na bicicleta, seja razoável. Ah, meu vizinho bem informado falou disso também. Uma tal “sensação térmica”. Não é a temperatura física mensurável, mas “sensação”. Conversa da moda. Deve estar nos jornais.

Para dar um tom de objetividade à subjetividade, o Fantástico descobriu até um “especialista em conforto térmico”...? O que seria do jornalismo sem os especialistas?!

Eu não sei o que é esta sensação térmica para os especialistas, que devem ter boas (ou não tão boas, mas assim mesmo publicáveis) teorias para explicá-la. Sei que já sobrevivi a verões de 42 graus. Noites de 40 graus. Mas às 8h30 da manhã sofro muito essa tal sensação térmica, apesar dos termômetros ainda marcarem apenas 29 graus.

Vi um pedacinho do Jornal Nacional que meu vizinho citou. A pauta passou, sem rodeios, das chuvas no Sul para o calor carioca e seguiu sem interrupção para as marés altas do Nordeste e dali voou direto para a neve de Washington. Nenhuma explicação para esta conexão territorial. Desnecessário, o senso comum explica. É a perturbação climática, a proximidade do fim do mundo. Aposto que o editor do Jornal Nacional assistiu o filme “2012: O Ano da profecia”. Profecia e tragédia são pauta certa para os jornais. Quando a realidade parece reproduzir a ficção fica ainda melhor. Aí o espetáculo está garantido!

Percebo a tal sensação térmica. Mas bem sei, por experiência, que minha consciência determina, em muito, meus sentidos. Se não houvesse a profecia, se não houvesse tanta propaganda amedrontadora sobre a tragédia climática, qual seria nossa “sensação térmica”? Arrisco apostar que seria bem mais amena.

Isso não quer dizer que não há calor. Nem que os ambientalistas estão errados. Pelo contrário! É bem possível e até provável que nossas condições de sobrevivência neste planeta estejam se esgotando. Em princípio, desde que surgiram. Pelo pouco que sabemos sobre as eras climáticas da Terra, nossa espécie conta, para existir, com um ambiente improvável. É natural esperar que o mesmo movimento que criou essas condições, um dia as destrua. Mas não sei se acredito que somos nós que estamos produzindo toda essa confusão.

Desconfio muito quando o discurso se encaixa tão bem que parece não haver nenhum outro olhar possível. Os ambientalistas denunciam os excessos destrutivos de nossa loucura desenvolvimentista e consumista. Os esotéricos falam em mudança de era. Os cientistas observam mudanças climáticas. Acredito em todas essas idéias. Mas desconfio quando o o jornalismo junta tudo num único pacote: « A ação humana provoca as tragédias climáticas que anunciam o fim do mundo profetizado. » Muito trágico e muito antropocêntrico pra ser verdade. De uma coerência jornalística perfeita, mas impossível de aplicar ao caos da realidade.

Buscar uma forma de vida menos destrutiva em relação ao nosso habitat é uma questão de bom senso. É uma exigência para nossa saúde física, psíquica e espiritual. Pelo menos enquanto a mãe terra nos conceder o privilégio de habitá-la. Mas sem terrorismo! Nos tornarmos mais neuróticos não é um bom jeito de encontrar harmonia com a natureza.


*Ana Lúcia Vaz, jornalista, mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net/), professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.

10 comentários:

  1. As notícias parecem marchinhas mesmo. Escolhe-se um tema, cria-se o sambinha e se repete ele até a quarta-feira de cinzas. Como o repertório este ano está mais diversificado - desde as dicotomias seco/molhado quente/frio, passando por terremotos, xixi na rua e Julia Lira - a pauta do JN (e do JR, JB,JS do futuro governador Wagner Montes e tantos outros) continua arrastando a multidão que não pergunta, só ecoa. Perguntar pra que? É carnaval! Não tipo o carioca, mas o baiano: dura o ano inteiro.

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  2. O mundo acabar em 2012 não é problema, o problema é a gente aguentar o tranco até lá. Não dá pra diminuir esse 'aviso prévio'.
    E ainda tem mais: esses países do norte que congelaram, no verão passaram por secas e grandes queimadas. É como se o planeta estivesse sendo pasteurizado. Acho que podemos esperar um inverno rigoroso.
    Só uma coisinha: nossa sensação termica não é por que deu no jornal da Globo, deu na rede plim-plim, porque está quente mesmo.
    Um abraço.

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  3. Retificando: faltou o sinal de interrogação em "Não dá pra diminuir esse aviso prévio?"
    Outro abraço.

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  4. Muito legal o blog! =))
    Parabéns!!

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  5. Gostei do blog e concordo com as idéias! Deu até saudade de vc! hahaha
    Beijão!!

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  6. Pior do que a sensação térmica, talvez seja a sensação de que nós pouco ou nada temos feito para melhorar a qualidade de vida atualmente.. Ao invés de nos preocupar em equilibrar/diminuir/evitar as destruições e desastres ecológicos (pequenos, médios, grandes e king sizes...), nossa maior iniciativa é comprar um ar condicionado mais potente para esperarmos 2012 bem confortáveis... Isso se não aparecer outra profecia apocalíptica mais interessante nesse meio tempo...

    Um abraço,

    Léo Rocha

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  7. É, Léo, o grande lance é você conseguir comprar o ar condicionado e levá-lo de imediato. Minha prima teve de encomendá-lo. Enquanto isso, ela se "derreteu" em casa até ele chegar. A sorte dela é que ele não demorou muito a vir.
    Mas, Ana, começo a pensar seriamente na sua hipótese: "Sera que os termômetros estão sofrendo choque de ordem?". Estou trabalhando um pouco, mas está insuportável. A sensação é de 50 graus. Olha pode ser que esse suposto "choque" tenha chegado agora por aqui, na Zona Norte, que tem sido um dos lugares mais quentes do Rio, e de onde os seus termômetros já marcaram 44 graus. Hoje, com toda esta sensação de CALOR e ABAFAMENTO, ele só marca 40 graus!! Não sei não, hein?? (rsrs)

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  8. Valeu, Léo! Gostei do seu comentário. Sempre brilhante. Mas, pra não perder o hábito de patrulhamento, aí vai: cuidado com essa multidão "que não pergunta, só ecoa"... Se o JN arrastasse a multidão, Lula não tinha sido reeleito, lembra?!

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  9. Tem razão, Humberto, quem sou eu pra duzidar do calor que também sinto! E, longe de mim, achar que a mídia tem o poder de criar sensações térmicas. Mas, que a ênfase numa determinada percepção da realidade aguça nossos sentidos naquela direção, isso eu também aposto que é real!

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  10. Mandou ver professora!
    Gostei muito da imagem usada para ilustrar!
    Grande abraço e saudades do Terceiro Setor!

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