quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Os Trópicos ficaram tristes…


                                                                          Foto: Frédéric Hugon


« C’est nécessaire prendre le phénomène humain par tous les bouts
 simultanément. »
(C. Lévi –Strauss)

Morreu o antropólogo Claude Levi-Strauss (1908-2009). Isto não é mais novidade, eu sei, mas preferi que o tempo passasse um pouco, para lhe prestar uma homenagem aqui no Volta do Mundo.

Levi-Strauss, juntamente com o etnólogo Pierre Verger, ao mergulharem no verde e no negro do nosso Brasil, contribuíram, cada um no seu tempo e lugar, para que os olhares dirigidos à Terra Brasilis se tornassem científica e culturalmente mais respeitosos. Aquele fortaleceu a dignidade dos povos índios (Bororos e Nambiquaras, do Mato Grosso e Amazônia), este último fotografou, a partir de Salvador, a beleza e a riqueza da cultura afro-brasileira.

Os antropólogos guardaram até hoje a tradição empírica de viajar para outros países em busca do diferente, do exótico e do estrangeiro. Quantos não voltaram transformados para as suas nações de origem! O impulso colonizador e civilizador eurocêntrico foi, porém, cedendo pouco a pouco à descoberta da alteridade.

Críticas e diferenças teóricas à parte, nós, assistentes sociais, temos, nos nossos espaços de atuação profissional no campo e na cidade, muito a aprender e a trocar com a Antropologia e vice-versa. Já transitamos com desenvoltura no circuito sociológico e no da economia política, porém penso que a interlocução com a Antropologia, a Filosofia e a Psicanálise são também essenciais para uma visão de totalidade do ser social. O humano, multifacetado, permite-se flagrar em sua singularidade, diversidade e universalidade, sem dúvida alguma, dentre outras, pelas apuradas e pacientes lentes antropológicas. A cultura está no cerne dessa busca e desse encontro interdisciplinar entre Serviço Social e Antropologia.

Claude Lévi-Strauss, por exemplo, foi alguém que, do alto dos seus cem anos de vida, disse não reconhecer e não mais se reconhecer (n)o mundo tal como o construímos no presente. Já não queria lhe dizer mais nada. O que me fez pensar também no escritor brasileiro João Cabral de Mello Neto, que disse, a uma avançada altura da sua vida, que não lia nem fazia mais o que não lhe interessava. Não tinha mais tempo a perder. Sábios homens velhos, como canta o poeta Caetano. Essa sensibilidade tamanha, a encobrir o espanto diante dos abismos sociais e da cultura descartável que a sociedade capitalista vem produzindo, é indicadora ao meu ver das afinidades eletivas que temos com Lévi-Strauss e com algumas das pistas intelectuais despretensiosamente por ele traçadas.

Para ver e saber mais
[Conferir no link acima o depoimento de LS em que diz : « Fui criado em ateliês de artistas. A estética era, assim, como o leite que me alimentava. É natural, portanto, que eu seja sensível ». Durante o trabalho de campo que resultou no livro Tristes Trópicos (1955) – considerada uma das obras mais importantes do século XX, fruto da temporada de pesquisa que passou no Brasil (Norte e Centro-Oeste), na década de 30, no contexto da criação da USP -, ele se permitiu tirar férias da dita reflexão científica autêntica ou, em outras palavras, do rígido racionalismo cartesiano. Essa atitude contribuiu para que ele introduzisse e experimentasse novas abordagens teórico-práticas, o que certamente não caberia no âmbito do seu livro Estrutura elementar do parentesco, um clássico do estruturalismo.

Destaca:

«É necessário abordar o fenômeno humano por todos os lados simultâneamente. O corte entre o sensível e a estética, de um lado e o inteligível do outro, que reina entre nós desde o século XVII foi, ao longo da minha carreira, aquilo de que eu tentei me livrar. Meus livros são um esforço nessa direção ». ]

Mione Sales é assistente social, professora de Serviço Social (Uerj), doutora em Sociologia e graduada em Literatura Comparada. E-mail para contato: mionesales@gmail.com.

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