Muro de Berlim, em 1986
A festa em Berlim em comemoração pelos 20 anos da Queda do Muro trouxe à tona algumas surpresas e constatações. A festa ocorrida no dia 09 de novembro não coincidiu com um dia feriado na cidade nem no país, o que dificultou o deslocamento e a presença de muitos, mesmo se, ao final, 100 mil pessoas compareceram à celebração. Esse ano a festa, por sua amplitude histórica, não era apenas alemã, mas europeia e mundial. Na verdade, os alemães costumam comemorar a data da unificação das duas Alemanhas, ocorrida em 03 de outubro de 1990.
Em tempos de altermundialismo, vale lembrar, a história contemporânea recente divide-se entre antes e depois da Queda do Muro. A derrubada das Torres Gêmeas em Nova Iorque (2001) representa também em plena aurora do século XXI, sabemos, mais um novo e importante capítulo, dessa vez trágico, da nossa história, porque é a expressão da fissura política, econômica e religiosa entre Ocidente e Oriente. Em 1989, contudo, houve o tempo da tristeza e também o da comemoração, não do fim da história, mas o do fim do arremedo de socialismo existente e de muitos males praticados em seu nome. A esquerda mundialmente ainda está até hoje tentando se refazer dos estragos, sobretudo políticos, desse passado e procurando fazer o devido balanço teórico e histórico, assim como procurando se diferenciar doravante da experiência do socialismo burocrático. Houve conquistas sociais significativas, mas que ficaram esmaecidas frente à condução política dos diversos governos ditos socialistas envolvidos.
No entanto, nem tudo também são flores depois da Queda do Muro. Pode-se mesmo dizer, em tempos de sociedade do consumo, que parecem mais « flores de plástico », como cantava o grupo Titãs. Por isso, se Rosa Luxemburgo falava no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que estava 10 X 2 para a barbárie, o que dizer, porém, dos nossos tempos globalizados neoliberais ? O gosto amargo da crise e da desesperança faz-se mais presente do que nunca, constatam-no mesmo os que sentiram alívio com as pedras do muro rolando em Berlim naquele paradigmático 1989. Ecoam proféticas, assim, ainda em 2009, as palavras de Cazuza: « Ideologia, eu quero uma para viver !».
Os homens e chefes de Estado, contudo, não aprenderam a lição, com base na experiência que dividiu traumaticamente as duas Alemanhas durante 30 anos. Outros muros separatistas, nesse ínterim, foram erguidos: o muro que separa os EUA do México (desde 1994) e o que também separa Israel da Cisjordânia (desde 2002). A paz e a utopia libertária de um mundo fraterno e melhor parecem cada vez mais se afastar no horizonte.
Uma informação que circulou na França no momento dessa comemoração é a de que a geração coca-cola alemã, pós-muro, não lembra do que aconteceu antes e também não quer saber muito a respeito do assunto. Um muro de esquecimento parece se erguer, assim, intergeracionalmente, ao final de cada ditadura e de cada experiência histórica dolorosa. Elaborar e ultrapassar as marcas do passado é preciso, mas esquecer não. Senão, em que consistiria, doravante, o antídoto contra a farsa histórica e sua repetição trágica?
Para ver e saber mais
http://www.tv5.org/TV5Site/webtv/video-6707-100_000_personnes_reunies_a_Berlin_pour_feter_les_.htm
Mione Sales é assistente social, professora de Serviço Social (Uerj), doutora em Sociologia e graduada em Literatura Comparada. E-mail para contato: mionesales@gmail.com.
http://www.tv5.org/TV5Site/webtv/video-6707-100_000_personnes_reunies_a_Berlin_pour_feter_les_.htm
Em DVD, « Good-bye Lenin » (Diretor : Wolfgang Becker, Alemanha, 2002).
Para ler
- O verde violentou o muro (1984), de Ignácio de Loyola Brandão – uma espécie de diário e notas do escritor na Berlm ocidental, que é um verdadeiro passeio pela cultura numa Alemanha dividida.
Mione Sales é assistente social, professora de Serviço Social (Uerj), doutora em Sociologia e graduada em Literatura Comparada. E-mail para contato: mionesales@gmail.com.
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