sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Editoria O Efeito Quixote

Quixote e as eleições
Da série “Mídia e Questão Social nas Eleições”

                                                     Imagem:Fabiano Vidal

Leandro Rocha*


“Você sabe o que faz um deputado? Não? Nem eu, mas vote em mim que eu te conto”.

A fala acima, proferida em tom de chiste por um candidato caracterizado comicamente poderia fazer parte de qualquer humorístico de uma das emissoras de televisão conhecidas no país. No entanto, a fala do candidato (e, neste caso específico, realmente humorista), em questão é slogan de uma campanha política real, já apontada como sucesso de popularidade no processo eleitoral que vem ocorrendo este ano no Brasil.

Longe de criticar ou elogiar o referido candidato, minha intenção ao iniciar nosso texto de hoje é lembrar que as eleições a serem realizadas em outubro deste ano, assim como qualquer evento em nossa sociedade moderna, também são afetadas pela espetacularização midiática da vida social.

O horário eleitoral gratuito, assegurado pelo o art. 17, § 3º, da Constituição Federal, teria como função oferecer um espaço igualitário e de fácil acesso por parte da população, onde os candidatos a diversos cargos políticos poderiam apresentar suas propostas para conhecimento e análise dos eleitores. Infelizmente, ainda estamos muito longe disto...

Os candidatos dos grandes partidos a cargos no poder executivo acabam sendo favorecidos com maior tempo de exposição no referido programa e utilizam tal tempo para apresentação de dossiês, críticas e acusações referentes a seus adversários. A intenção passa a ser ganhar as eleições não por seus méritos e competência, mas sim pelo demérito e descrédito de seus adversários.

Convém ressaltar que, independente do posicionamento político atribuído ao partido, observamos que tal estratégia é lugar comum entre nossos futuros governantes (alguns oscilando entre ex, atuais e futuros, seguindo o ciclo de perpetuação da concentração de poder e riqueza, tão bem absorvido pela sociedade capitalista).

Efeitos especiais, interpretações de atores profissionais e demais truques implementados por marqueteiros são utilizados para disfarçar propostas comprometidas com grupos que intencionam obter o lucro máximo através da manutenção das desigualdades sociais e do desrespeito aos direitos fundamentais da população.

Muito se fala... Pouco se diz... Nada avança...

Já os candidatos aos cargos legislativos buscam as mais variadas formas de se manter na lembrança dos eleitores nos poucos segundos que dispõe nos programas do horário eleitoral. Nesse momento vale tudo, ou quase tudo, para se fixar em nossas memórias e conquistar uma intenção de voto. É nesse momento do programa eleitoral que observamos a maior gama das ditas “pérolas eleitorais”, ou seja, aquelas situações mais inusitadas, tais como: os jingles de gosto questionável, caracterizações improváveis e apresentações com alcunhas, no mínimo, curiosas...

Tal qual um misto de reality show e programa humorístico, a disputa por nosso voto nessa esfera deixa de circular pela preocupação em demonstrar compromisso e apresentar seu trabalho e passa, muitas vezes, a se situar numa disputa apenas pela sua simpatia.

Talvez por essa aproximação com o show business possamos entender o ingresso, cada vez mais expressivo, de atores, comediantes, cantores e celebridades (ou pelo menos alguns que assim se consideram) nas fileiras de candidatos. Nossa intenção aqui, reafirmo, não é em nenhum momento julgar a competência de cada um destes indivíduos. No entanto, faz-se necessário ressaltar a confluência entre as searas do entretenimento e da política como fator que tem alavancado uma mudança na forma como votamos e, conseqüentemente, no perfil de nosso legislativo.

Em paralelo ainda pode-se observar a continuidade da cultura de que política também é “negócio de família”. Não é novidade, tampouco raridade, encontrarmos campanhas em que a argumentação principal é justamente o parentesco de um candidato com algum político que já tenha uma carreira extensa (independente desta ser “exemplar” ou não...). Mais uma vez os planos de governo ficam de lado, sendo valorizada a tradição e sendo conservado o poder nas mãos de famílias que o detém já há um bom tempo. Ou seja, continuamos legitimando a passagem de poder às mesmas famílias que há anos procuram concentrá-lo em suas mãos.

Há ainda o sempre presente apelo daqueles que associam suas candidaturas à sua vida religiosa. Ainda que haja um esforço pela preservação de um Estado laico, é inegável a influência histórica da religião no campo político. Impedindo a aprovação de algumas leis, pressionando pela aprovação de outras... Enfim, exercendo uma pressão sistemática que já se pode notar nas falas dos candidatos que se apresentam como “políticos-religiosos” (ou seriam “religiosos-políticos?). Ao que parece, esta é outra das “tradições” políticas que continuam e seguem cada vez mais fortes...

E não podemos esquecer dos candidatos que se apresentam com plataformas que propõe e supressão de direitos de segmentos da sociedade ou, citando literalmente um candidato ao governo federal, “o retorno do governo democrático de 64 a 85” (Será que ocorreu um governo paralelo à ditadura que vigorou no país neste período?).

Poderíamos considerar ainda vários outros aspectos que permeiam o processo eleitoral, porém nosso tempo é curto e precisamos fazer a história! Então que fique registrada a seguinte indagação:

Você sabe quanto vale o seu voto?

Talvez nesta resposta esteja a mudança que tanto clamamos e nunca conseguimos efetivamente alcançar....


Saudações Quixotescas e até a próxima!


*Leandro Rocha, assistente e "insistente" social, pós-graduado em Psicologia Jurídica pela UCAM, integrante da Comissão de Comunicação e Cultura do CRESS-RJ. Contato: e-mail: leorochas@hotmail.com  

2 comentários:

  1. Excelente, Leandro !!!

    Que essa pergunta realmente repercuta positivamente na cabeça dos (e)leitores, fazendo-os refletir ! Desconfio, porém, que os nossos seguidores e visitantes estão a milhas de distância desse mar de pequenezas e desse deserto político e intelectual! E podem mesmo nos ajudar a difundir essa sua preciosa análise!

    No entanto, o que se pode infelizmente concluir, para o pior, é que alguns cidadãos menos favorecidos, frente a essa sua indagação final, podem realmente pensar em valores financeiros, já enxergando uma suposta vantagem antiga, mas sempre renovada em época de eleição de « ganhar o seu ». Nem sequer se dão conta de que esse tipo de esquema do « toma lá, dá cá » é inversamente proporcional à lógica dos direitos e das conquistas sociais efetivamente duradouras.

    Por isso, vale insistir que as « mudanças políticas » começam por nós e desde baixo: quando dizemos « não » às tentativas de suborno eleitoral, quando recusamos os corporativismos, o familialismo, o nepotismo, mais todas as formas de egoísmos que têm lá seus parentescos em algum grau com a velha e moderníssima corrupção brasileira.

    Ninguém tem nada com isso? Pelo contrário, todos nós temos muito a ver com isso, porque o Estado e a coisa pública são assuntos nossos, os quais devem se voltar par o interesse de todos e não apenas dos seus « iguais » em poder, legenda partidária, riqueza e sobrenome.

    Muito bom você destacar a questão da espetacularização das campanhas!
    Faz pensar tristemente na canção do velho Lupicínio Rodrigues:

    “Esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei!”, votavam efetivamente com consciência ou, anarquistamente, nem votavam! Não se prestavam à grande farsa eleitoral e democrática, em que parece se reduzir, por vezes, um processo tão sério e importante para o país!

    Ou seja, tem hora para tudo: inclusive para as piadas e brincadeiras, pois o humor em questão não é crítico, mas aquele que ridiculariza e transforma os espectadores em « seres idiotizados », porque os palhaços, os « clowns », querem despertar energias mais libertárias e autênticas nas pessoas. Protótipos de políticos espertos, disfarçados de engraçadinhos ou ingênuos, fazem graça para desviar os eleitores (desavisados) de uma realidade que não tem nada de risível; a qual, pelo contrário, requer, no contexto eleitoral, toda a atenção e seriedade para evitar que tudo permaneça exatamente como está ou fique ainda pior. Para os mesmos, porque para alguns o poder só é motivo de gozo, júbilo e riso, porque somente se locupletam e usufruem das riquezas - à revelia dos direitos e necessidades da maioria -, sempre !

    Grande abraço e ficamos aguardando a sequência da sua reflexão. Muito, muito boa mesmo!

    Mione* (blog M&QS – editoria Volta do Mundo)

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  2. Como também insistente, digo, assistente social e com a formação política, ainda que não ideal, que a minha graduação me permitiu, não posso deixar de me indignar com a tragédia que é o programa eleitoral.
    Mas acho que o pior é constatar que são poucos os que se importam, a maioria já "desistiu" [quando foi que tentaram??] e não acreditam na mudança.

    A luta continua...

    Execelente texto.

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