sexta-feira, 5 de março de 2010

ESPECIAL FÓRUM SOCIAL MUNDIAL - 10 ANOS

Fórum Social Mundial, 10 anos questionando o capitalismo
                                                       
                                                 
Foto: Walter Fagundes Ag. AL

Nelma Espíndola


Mesmo que não tenhamos feito à época, uma exposição acerca do Fórum Social Mundial (FSM) – 10 Anos – Grande Porto Alegre, nós não deixamos de acompanhar o transcurso do evento.

O Fórum aconteceu no Rio Grande do Sul, em sete de suas cidades: Porto Alegre, Canoas, Gravataí, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Sapiranga, com a reunião de 35 mil pessoas, em 915 atividades, realizadas entre os dias 25 a 29 de janeiro de 2010.

Aproveitamos para repercutir alguns destaques que foram feitos no último dia do evento, com base em matéria feita por Claudia Paulitsch – AL/RS.

Conforme um dos coordenadores do FSM e representante da CUT, Celso Woyciechwoski, houve a participação de 39 países e, dos presentes, 60% eram mulheres. Outro dado expressivo de participação foi a dos jovens, num percentual de 27%.

Esses dados foram apresentados por Woycienchwoski na mesa para avaliação, no Teatro Dante Barone na Assembléia Legislativa em 29 de janeiro de 2010. Segundo ele a participação da sociedade no FSM, foi expressiva, o que retratou ao mundo a existência de construções coletivas de todas as ordens para a busca de um mundo melhor.

Na sua avaliação, o FSM -10 Anos foi positivo. Ele levou em conta não só o número de participantes e de atividades, mas as temáticas por lá discutidas tais como: educação, meio ambiente, cultura, economia solidária, democracia, direitos humanos, dentre outras.

Ainda na avaliação de Woycienchwoski, essa expressiva participação de jovens demonstrou o engajamento deles nas transformações sociais e econômicas de que o mundo precisa. Através do evento, ficou demonstrada, mais uma vez, a necessidade de construção de políticas que garantam igualdades entre homens e mulheres.

Woycienchwoski, disse que “a crise econômica mundial de 2008 e 2009 mostrou que o Fórum estava correto em seus apontamentos, pois evidenciou o esgotamento do capitalismo neoliberal”. E acrescentou que essa edição do FSM reforçou a necessidade de se construir um mundo solidário e sustentável, dando ênfase à mudança na política da América Latina e fatos inéditos, como a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, o que aponta que a humanidade busca novas possibilidades para a sociedade. Uma sinalização que fez foi a de que a gestão pública do Rio Grande do Sul poderia ter participado de forma mais efetiva nos debates e diálogos.


Dados Gerais do FSM 10 Anos Grande Porto Alegre

27.350 Inscritos (Geral)

35.000 participantes nas atividades

915 Atividades (Conferências, Seminários e Oficinas)

15,1% dos participantes estrangeiros

Total de 39 países presentes

59,3% de inscritos mulheres

40,7% de inscritos homens

34% com renda inferior a U$ 500

12% com renda acima de U$ 2.500

27 atividades culturais (shows, teatros, mostras, saraus)

112 músicos (nacionais e internacionais)

250 jornalistas credenciados – de 15 países

Finalizando, destaco que o Fórum Social Mundial tem merecido distintas análises de diferentes segmentos sociais. Para contribuir com o debate seguem abaixo dois pequenos textos como contribuição às reflexões de nossos leitores.


Nelma Espíndola, assistente social. Contato: nelmaespindola@gmail.com


[Colaboração: Ana Lúcia Vaz e Jefferson Ruiz, articulistas do BM&QS].

Fonte: Fórum Social Mundial
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O FSM em Movimento

O feitiço da superioridade civilizacional com que o Ocidente excluiu os que se atravessaram no seu caminho vira-se agora contra o feiticeiro

3:08 Quinta-feira, 11 de Fev de 2010

Acaba de realizar-se em Porto Alegre um importante seminário de avaliação dos dez anos do Fórum Social Mundial (FSM) e de debate sobre o seu futuro. Paralelamente ocorreram centenas de iniciativas nas cidades da região metropolitana que reuniram 30 mil pessoas. Os grandes media decidiram não noticiar este acontecimento e, em contrapartida, encheram-nos de detalhes sobre a reunião do Fórum Económico Mundial (FEM) realizado em Davos.

Não deixa de ser estranho, sobretudo se tivermos em conta que, ao longo da última década, as análises e previsões feitas no FSM se revelaram muito mais certeiras que as feitas no FEM. Em 2001, o neoliberalismo (as privatizações, o livre comércio e a desregulamentação económica e financeira) era para o FEM a solução definitiva das crises cíclicas do capitalismo e assim foi considerado até à crise financeira de Agosto de 2008, que o FEM não previu. Pelo contrário, o FSM defendeu que o neoliberalismo não era a única solução, antes era de todas a mais injusta e que as crises que vinha provocando em vários países acabariam por chegar ao coração do capitalismo global, o que aconteceu. À luz disto, seria de bom senso ter em conta os temas que vão dominar o FSM nos próximos anos.

O primeiro tema é a paz e a democracia. As análises do FSM apontam para o recrudescimento da militarização dos conflitos sociais, incluindo a criminalização dos movimentos sociais e dos protestos dos cidadãos ante o agravamento da crise económica e das desigualdades, e o ressentimento que ele provoca, já que as suas vítimas são sempre os moralmente mais honestos, os socialmente mais vulneráveis e os politicamente menos poderosos, uma tríplice condição sobreposta nos ombros da maioria da população mundial. Esta preocupação está presente nas muitas actividades previstas para 2010, do 2.º Fórum Social dos EUA aos oito fóruns a realizar no mundo árabe ou islâmico: o 1.° Fórum Social do Iraque, o 6.° Fórum Social Europeu (Turquia) e os Fóruns temáticos sobre os sindicatos (Argélia), a discriminação sexual (Tunísia e Jordânia), os trabalhadores rurais (Egipto), a paz e a educação (Palestina), e a democracia (Bangladesh). Tudo isto a caminho da próxima edição do FSM unificado, a realizar em Dakar no início de 2011, subordinado ao tema dos diálogos Sul-Sul, outro tema emergente de que muito se ouvirá na próxima década.

O segundo tema é a crise civilizacional decorrente da insustentabilidade do modelo económico dominante. A prova está feita, apesar de negada, mais uma vez erradamente, pelo FEM: o modelo económico assente no crescimento infinito, no uso indiscriminado dos recursos naturais, na privatização dos bens comuns (a água, o ar, a biodiversidade), no consumo como definidor de um modo de ser assente na obsessão de ter e num estilo de vida alimentado pelo abandono prematuro de objectos indiferentemente pessoais, não só é injusto como é insustentável e os seus perigos para sobrevivência da humanidade em breve serão irreversíveis.

Isto significa que o feitiço da superioridade civilizacional com que o Ocidente excluiu ou destruiu os que se atravessaram no seu caminho se vira agora contra o feiticeiro. A reacção pode ser destrutiva mas também pode ser anunciadora de uma nova consciência planetária feita de convergências insuspeitadas entre saberes ancestrais (indígenas, camponeses, populares), inquietações ambientais e éticas feministas de cuidado. O debate civilizacional vai estar no centro do 5.° Fórum Social Pan-Amazónico (Brasil) e no 4.° Fórum Social das Américas (Paraguai).

O terceiro tema é o dos sujeitos políticos que levarão por diante as lutas pela paz, pela democracia e por um modelo social, cultural e económico pós-capitalista. Este é o tema que obriga o FSM a reflectir sobre si próprio. Como não desperdiçar a energia transformadora que ele gerou? Como construir alianças transcontinentais entre movimentos e partidos políticos convergindo em agendas realistas e portadoras de novas hegemonias? Como tornar o mundo menos confortável para o capitalismo predador? Talvez o FSM precise de criar o seu próprio FSM.

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Sobre o Fórum Social Mundial: outro olhar possível



Jefferson Ruiz


O belo levantamento feito pela colega Nelma Espíndola sobre a participação no último Fórum Social Mundial não deixa dúvidas: o evento ainda se mantém como uma das ações de mobilização que mais atrai pessoas interessadas em “outro mundo possível”. Mantém interessante visibilidade internacional, embora inferior a suas primeiras edições.

O Fórum se credenciou, internacionalmente, como experiência alternativa ao Fórum Econômico Mundial, que reúne anualmente presidentes da república, empresários, economistas e outros atores sociais para discussões sobre a conjuntura, o mundo, a humanidade em suas perspectivas.

Há, contudo, aspectos em que o debate sobre o Fórum Social Mundial encontra-se bastante aberto, o que exige acrescentar elementos para uma avaliação mais profunda de uma organização que se espalhou pelo mundo e que completa nada menos que uma década. Assim, penso ser proveitoso para nossa reflexão e debate um diálogo crítico com alguns aspectos do texto do professor Boaventura de Sousa Santos, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Não há uma avaliação consensual nas esquerdas sobre o Fórum, sua organização, suas intervenções, suas potencialidades e limites. Vejamos dois ou três aspectos.

É público que o Fórum Social Mundial reúne quaisquer interessados. Comparecem aos eventos estudantes, militantes de movimentos sociais, filiados a partidos políticos, funcionários de administrações públicas, pessoas individualmente motivadas pelos debates propostos, participantes de organizações não-governamentais. Este aspecto aponta um paradoxo presente no Fórum: se por um lado consegue dialogar com sujeitos distintos acerca de possibilidades alternativas de organização da sociedade, por outro não consegue mais do que pretensamente unificá-los em torno de agendas que, na verdade, já fazem parte das ações dos movimentos sociais há muito tempo, inclusive anteriormente ao próprio Fórum. Além disso, trata igualmente movimentos sociais e ONGs; partidos políticos e pessoas que expressam posições unicamente pessoais; administrações públicas (muitas delas poupadas de críticas mais contundentes, embora partícipes da implementação de um modelo de sociedade desigual que o Fórum critica) e quem não tem qualquer responsabilidade com gestão de políticas sociais. Sujeitos tão distintos não reúnem os mesmos interesses. O que poderia ser uma qualidade (reunir perspectivas distintas de sociedade em torno de uma plataforma minimamente comum) é reprimido, no entanto, pela hesitação da coordenação do Fórum de torná-lo espaço com algum nível de deliberação. Todos podem ir aos eventos anuais e dizer o que pensam. Também voltam de lá e podem dizer o que quiserem dos debates ali existentes. O próprio artigo do professor Boaventura nos deixa evidente este aspecto, quando o autor fala da necessidade de “(...) alianças transcontinentais entre movimentos e partidos políticos convergindo em agendas realistas e portadoras de novas hegemonias (...)” ou em “(...) tornar o mundo menos confortável para o capitalismo predador”.

O que são agendas realistas? Em 1968 significavam pensar e construir o impossível. Em várias administrações ditas “populares” (?) de diversos partidos de esquerda no Brasil são meramente o que é pragmaticamente possível realizar. Quem define tal conteúdo? Ou cada um o define como quer, e o Fórum aparece como o grande espaço indicador desta prioridade de ação?

O mesmo ocorre em relação à referência ao capitalismo predador. Este objetivo genérico pode perfeitamente ser lido como pensar a possibilidade de tornar o capitalismo mais respeitador da natureza e pretensamente protetor das condições que serão necessárias à vida das novas gerações. Parece-me haver, aqui, a mesma lógica que responsabiliza fundamentalmente o indivíduo pela destruição do meio ambiente, isentando de responsabilidade um modelo por si só predador da natureza, posto que o centro de suas intenções não é a preservação da vida, mas os lucros crescentes e incessantes para quem detém capital. É óbvio que temos papel na preservação do meio ambiente necessário a nossas vidas e aos futuros habitantes do mundo. Mas o que essencialmente destroi este meio ambiente não é a quantidade que cada um de nós joga ou retira de lixo em bueiros, praias e ruas de nossas cidades, mas um modelo de exploração da natureza que incentiva consumo desenfreado e gera produtos milimetricamente pensados para atender a estas “necessidades”.

À medida que o Fórum Social Mundial não se propõe a ter espaços mínimos de deliberação ou de síntese, as posições assumidas em seu nome passam a obter validade e reconhecimento de vários setores sociais que os têm como referência. É o caso, por exemplo, da legitimidade conferida a ONGs como se fossem, necessariamente, espaços de mobilização social. No Fórum, estas instâncias são tratadas como movimentos sociais. Queiramos ou não, se afirma, indiretamente, que têm a mesma importância de outras organizações participantes, como movimentos sociais e partidos políticos.

Boaventura acerta, a meu ver, ao se preocupar com que o Fórum Social Mundial não desperdice a energia acumulada em torno do questionamento do modelo capitalista existente no mundo. Pergunta, também adequadamente, quais sujeitos políticos terão a tarefa de construir alternativa a tal modelo. Mas a forma como o Fórum vem se organizando ao longo desta década (não sem tensões internas – algumas inclusive relatadas pela grande mídia em determinadas ocasiões), já nos oferece ao menos uma resposta. Há uma negativa do partido como o sujeito político por excelência para a construção de um modelo social alternativo. O que, em minha perspectiva, é absolutamente equivocado: movimentos sociais e outros atores têm tido, historicamente, pautas e objetos de ação mais focados e particulares. Uma das maiores perdas que o movimento sindical brasileiro teve recentemente foi o de abandonar, em sua quase totalidade, a perspectiva de unificar as reivindicações vindas do mundo do trabalho com o questionamento geral da sociedade capitalista. Justiça seja feita: esta crítica não pode se limitar ao movimento sindical. Ela também é resultado de uma indevida subordinação dos movimentos sociais a governos que, em determinados momentos, têm à sua frente pessoas e partidos cuja história passada contribuiu para a mobilização social. Abre-se mão da crítica e da mobilização (portanto ao que justifica a própria existência de movimentos sociais) em nome da “governabilidade” ou de uma pretensa possibilidade de que estes governos “respirem” e ofereçam um processo lento, gradual e seguro de pretensa alteração social. No frigir dos ovos, dispensa-se a necessidade de mudanças que atinjam as raízes das questões. Continuamos agindo em torno das consequências de um modelo desigual, que persiste gerando desigualdade.

Em 2002 um dos palestrantes do Fórum Social Mundial, da África do Sul, alertava-nos (éramos milhares de pessoas reunidos no “Gigantinho”, um dos ginásios de Porto Alegre) que não poderíamos permitir que a então vitória de Lula tirasse dos movimentos sociais suas principais lideranças para compor governos e assumir empregos públicos. O sábio militante africano dizia que este equívoco havia tido papel central no que chamou de fragilização dos movimentos sociais durante o governo de Mandela. Aparentemente óbvios, os ensinamentos daquele militante de que governos, partidos, movimentos sociais são instâncias distintas e autônomas, foram desconsiderados também no Brasil.

O Fórum Social Mundial pode ter um papel ainda mais decisivo na busca de outro modelo de sociedade. A depender de como resolva estas questões, no entanto, pode transformar-se em uma alternativa não apenas ao modelo capitalista que vem destruindo vidas há séculos, mas também aos que efetivamente querem romper com a lógica fundante do modelo do capital, em uma perspectiva de socialização não apenas dos bens e riquezas, mas das possibilidades de uma vida digna para todos, nas suas variadas dimensões.


Dicas e curiosidades

• Em maio de 1968, uma das insígnias defendidas pela juventude era “Sejamos realistas, exijamos o impossível”.

• Em 2004 levantamento demonstrou a existência, no Rio de Janeiro, de duas ONGs para cada criança identificada vivendo em suas ruas. Confira em: http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cidade/2004/12/18/jorcid20041218001.htm

• Há polêmicas sobre a própria denominação “terceiro setor” para referir-se às organizações não governamentais. A esse respeito é possível conferir o livro “Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social” de Carlos Montaño, editado pela Cortez, em 2002.


Jefferson Lee de Souza Ruiz, atua como assessor político do Conselho Regional de Serviço Social/RJ. É bacharel e mestrando em Serviço Social, ambos pela UFRJ. Contato: leenorio@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. primeira vez que acessei o site achei muito interessante a questão concordo totalmente com os argumentos levantados, espero que existam muitos fóruns como este, para que o nosso não planeta seja destruido e o pior sem que ao menos saibamos disso, enfim precisamos deixar de sermos enganados por aqueles que passam através dos meios de comunicação em massa a visão de que tudo deve ser consumido desenfreadamente e que os mesmos não chegarão ao fim!

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