*Nelma Espíndola
Faz um mês que escrevi na Web@Tecno. Isto, porém, não me faz ficar de modo algum longe do blog M&QS, e dessa editoria, muito menos, por incrível que pareça. Esta minha ausência dá-se apenas na forma escrita.
Tenho lido muitas sugestões dos meus blog-amigos. Vou dividi-las com vocês todos, podem ter certeza. A busca de manter a editoria numa linha atrativa e com ótimos conteúdos de informações, como já havia escrito antes, é um compromisso coletivo dos que integram o blog Mídia e Questão Social. Há trocas constantes, quase infinitas entre nós colaboradores do blog, amigos e por que não dizer também com os nossos blog-leitores, o que é de suma importância para todos nós.
Por isso, vale ressaltar a responsabilidade na apresentação dos conteúdos, pois a abordagem de temas políticos e sociais requer uma atenção dobrada para toda uma série de contradições. Tudo isso leva a que, na condição de bloggers ou leitores, reflitamos sobre a conjuntura, e consequentemente sobre a nossa própria vida e perspectivas melhores para ela.
Bem, sem mais delongas, vamos agora à partilha. Quero dividir com todos vocês uma das “apetitosas” sugestões para quem tem interesse de fazer ótimas leituras pelas galáxias da internet. Somos um planetinha recente e em evolução, porém, como fazemos parte desse universo, temos aproveitado o espaço da Web@Tecno para falar de outros planetas que a compõem.
Dessa vez, foi Mione Sales, que todos vocês já conhecem por seus excelentes textos na editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta, me sugeriu um roteiro de navegação. A primeira parada interestelar permitiu-me ler e conhecer uma entrevista do jornalista espanhol Pascual Serrano, fundador da página Rebelión (http://www.rebelion.org/). Essa entrevista aborda os fatos “silenciados” pela imprensa comercial, que, segundo ele propõe, devem ser resgatados e trazidos à tona pela esquerda por meio de uma “revolução midiática”.
Mas antes de passar alguns detalhes a mais sobre a reflexão de Serrano, que transcreverei abaixo, penso ser interessante falar sobre a segunda parada interplanetária: o site CONTROVÉRSIA, que surgiu como blog.
Como diz seu criador, o professor Ricardo Alvarez, Mestre em Geografia pela USP e professor há 27 anos no ensino médio e Superior em Santo André/SP, esse tempo de docência lhe fez ampliar o seu horizonte de relações interpessoais, composto de alunos, ex-alunos que desejam dialogar consigo sobre a “conjuntura política, os dilemas econômicos, as questões de geografia e a vida em geral”. Dessa necessidade de diálogo surgiu, então, o blog CONTROVÉRSIA, em julho de 2006. Seu crescimento foi expressivo, chegando a picos de 4 mil visitas/dia.
Hoje o site CONTROVÉRSIA é uma realidade e tem o mesmo conteúdo do blog, porém, com duas vantagens que Alvarez sinaliza, e que as reproduzo:
a) Os visitantes podem criar sua área de textos escolhidos com um endereço próprio, por exemplo: wwww.controversia.com.br/mariapaula (seu login)
b) O site promove o sorteio de livros e revistas. Basta votar num texto e, se for sorteado, receberá as publicações em casa sem custos.
Para que continue a existência de ambos, é necessária a colaboração dos visitantes, através de suas consultas periódicas às novidades publicadas, além de suas sugestões de textos, discussões e indicações aos amigos e parentes.
Enfim, a proposta do CONTROVÉRSIA é ser um “espaço de debates e discussões sobre questões contemporâneas através de materiais diversos que superem o senso comum e o pensamento único, sem, contudo, deixar de ter lado: na defesa de uma sociedade sem desigualdades sociais, na preservação da democracia como um valor fundamental, da ética na política, da justiça sem distinções, da primazia da solidariedade contra o mercado, o egoísmo e a ganância”. É um espaço muito interessante de se conhecer.
Agora voltando à entrevista de Pascual Serrano sobre o “silêncio” estratégico adotado pelos meios de comunicação diante de determinados fatos, cabe dizer que essa reflexão, com ares de denúncia, é por ele aprofundada nos seguintes livros de sua autoria: “Desinformación. Cómo los medios ocultan el mundo”, 2009; “Perlas 2. Patrañas, disparates y trapacerías em los medios de comunicación”, 2007, e “Medios violentos. Palabras e imágenes para El ódio y La guerra”.
Dentro desse cenário de manipulação midiática, só haveria, na sua opinião, um modo de se defender dela: a esquerda criar seus próprios meios de expressão, ao invés de “ficar esperando por pequenos espaços na grande mídia”.
A entrevista é polêmica, mas muito interessante e nos traz vários indicativos para uma reflexão e análise sobre o conteúdo midiático aos quais temos acesso, tanto o dos grandes media quanto o da mídia alternativa. Vale a pena conferir.
Nelma Espíndola, assistente social. Contato: nelmaespindola@gmail.com
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Quarta-feira, 10/03/2010.
Entrevista
“Devemos buscar uma revolução midiática”
Para o jornalista espanhol Pascual Serrano, fundador da página Rebelión, a esquerda mundial deve criar seus próprios meios para trazer à tona os fatos “silenciados” pela imprensa comercial
Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Nilton Viana e Tatiana Merlino texto 5351
O silêncio é, paradoxalmente, um dos principais mecanismos adotados pelos meios de comunicação para manipular os fatos. Se uma notícia não interessa aos donos da imprensa – e, consequentemente, aos donos do mundo –, ela simplesmente não é veiculada. Tal denúncia é feita pelo jornalista espanhol Pascual Serrano, um dos fundadores da página alternativa Rebelión e autor do livro “Desinformación. Cómo los medios ocultan el mundo”, lançado em meados do ano passado.
Brasil de Fato – Você tem um livro chamado “Desinformação. Como os meios ocultam o mundo”. Quais são os principais mecanismos que os meios utilizam para ocultar o mundo?
Pascual Serrano – Eu dividiria em dois mecanismos. Por um lado, os estruturais: ou seja, os mecanismos cotidianos de funcionamento da imprensa que, por seu modelo de trabalho, são incompatíveis com a explicação do mundo. Fundamentalmente, seria a falta de antecedentes sobre um contexto para se compreender uma situação complexa, a dinâmica da televisão – que, com seu ritmo trepidante, impede a compreensão, sobretudo, de assuntos complicados – e o culto ao sensacionalismo da imagem – que ocorre muito na televisão. Isso impede aprofundar as questões e enviar uma mensagem complexa. Por exemplo, quando você quer dar um sentido simples – que o Irã tem bomba atômica ou que o Chávez é um ditador –, isso pode ser dito em poucas palavras.
Mas se você quer explicar que a política dos EUA está provocando um genocídio no Afeganistão, isso exige uma explicação mais complexa. Uma outra situação é quando há um consenso e um plano premeditado por parte dos grandes meios para enviar uma mensagem concreta. Isso contempla estigmatizar ou criminalizar líderes políticos que não são do gosto do establishment mundial, até criminalizar movimentos sociais, ou determinados coletivos ou causas. Atentem para o fato de que o mecanismo não é somente a mentira, que essa existe, mas não é a mais habitual. Porque eles sabem que sua principal carta é a credibilidade. Se contarem muitas mentiras, perderão sua credibilidade, perderiam sua eficácia como mecanismo de formação de opinião. Ou seja, o plano é mais refinado: utilizam-se de silenciamentos de notícias que eles não gostam. Por exemplo: a missão Milagre, realizada em uma parceria entre Venezuela e Cuba, que fez com que um milhão de pessoas de origem humilde na América Latina e Caribe conseguissem recuperar a visão, é notícia, parece evidentemente relevante , mas isso está silenciado. Além disso, eles também jogam com o enquadro, o enfoque da notícia, buscando elementos dentro de um contexto que levem para uma tese e não para outra. E o que fica claro no livro é que o modelo muda de uma região para outra, de um tema para outro. Por exemplo: no conflito Palestina-Israel, o problema é a falta de contexto. Ninguém, neste momento, parece saber dizer a origem deste conflito, apesar dele estar presente todos os dias no noticiário. Utilizam a linguagem como método de manipulação, de maneira que sistematicamente chamam de terrorista os palestinos. Chamam de sequestrados os soldados israelenses capturados.
Chamam de detidos os civis palestinos que são sequestrados pelo exército israelense. Na África, por exemplo, aplica-se o silenciamento, ou apresenta-se os conflitos como questões tribais, em vez de mostrarem os interesses de empresas e poderes coloniais como França e EUA. E, na América Latina, utilizam a estigmatização e criminalização constante dos líderes, como Hugo Chávez, Evo Morales ou Fidel Castro. No caso da Venezuela, é curioso, porque apresentam como escândalos notícias que se apresentam como normais em outros países. Reivindicam como escândalos a não renovação de uma concessão de TV cujo prazo acabou e a mudança de um fuso horário. Há outra pauta habitual em relação à América Latina, através da qual o presidente ou o líder político são apresentados sempre em meio a uma imagem de crise, desestabilizações e caos. Isso faz com que, na Europa, todo mundo conheça os nomes dos presidentes da Bolívia e da Venezuela, mas não conheçam o nome do presidente do Peru ou do México. Inclusive, se você pergunta quem teria sido outro presidente da Bolívia ou da Venezuela, não sabem dizer. E dos últimos anos, Evo Morales e Hugo Chávez, todo mundo sabe quem é.
Quais foram os métodos utilizados para fazer o livro, como foi a pesquisa?
O livro nasceu um pouco da minha experiência como diretor da Telesur, onde observei que tudo que chega das agências de notícia e, inclusive, os hábitos dos jovens jornalistas, impedem explicar em profundidade o está acontecendo no mundo. Então, refleti sobre como explicar o mundo com suficiente complexidade na televisão. Tudo que eu quis fazer na Telesur muitas vezes não é possível fazer em uma televisão por imperativos técnicos, econômicos, logísticos ou de imagem.
Assim, comecei a entrevistar especialistas e jornalistas que considero autores de confiança e que conhecem em profundidade diferentes regiões – por exemplo, sobre Afeganistão, Congo, Cuba, China. Enfim, perguntei a estes especialistas sobre a zona que conheciam. Perguntei se o que passa na imprensa se ajusta ao que acontece. Eles, evidentemente, opinaram e mostraram como determinadas situações não estão ajustadas ao que está sendo contado nos meios de comunicação. Falei com as organizações de direitos humanos que estão nos locais. Busquei analistas que trabalham com meios de comunicação, observatórios de meios de comunicação, especialistas nos seguimentos de notícia em âmbito acadêmico. Conversei com meios alternativos que não estão tão influenciados por interesses publicitários ou de grupos econômicos empresariais.
Você acredita que existe uma espécie de plano estabelecido entre os diversos meios para desinformar ou as coisas acontecem de forma mais natural e automática, como sendo uma espécie de ação de imprensa que vai se estabelecendo?
Não é um plano desenhado, mas parte da evolução espontânea do mecanismo de funcionamento dos meios de comunicação. Seguindo a ideia: meios de comunicação são propriedades de grandes grupos empresariais. Interesses econômicos de grandes empresas multinacionais pedem grandes investimentos em publicidade. Políticos liberais que não gostam de políticas progressistas reagem em conjunto com estes atores.
Ou seja, assim se forma um consenso para satanizar o Hugo Chávez ou para satanizar ou criminalizar a Revolução Cubana. A grande imprensa não se reúne para dizer: “como vamos atacar Cuba ou Chávez?”. Os interesses destes grupos econômicos é que vão atuar em consenso, sem necessidade de se coordenarem. Um exemplo claro são os países latino-americanos que passam por reformas nas leis de comunicação. A reação dos grandes meios de comunicação na Venezuela, na Argentina e no Equador foi igual. Governos que iniciam processos de democratização dos meios de comunicação, cedendo espaço aos movimentos sociais, meios independentes e imprensa livre, encontram sistemática oposição de grupos midiáticos espanhóis, bolivianos, argentinos e equatorianos. E, se amanhã houver uma iniciativa como essa no Brasil, será igual.
Mas, se por um lado não há um plano, por outro existe uma articulação dos meios, como, por exemplo, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) ou a ONG Repórteres Sem fronteira.
Como é esta articulação?
Sim, eles têm mecanismos de combate comum. E é bom decifrar como operam e como não têm nenhuma legitimidade ou representatividade. Por exemplo, quando se fala da Sociedade Interamericana de Imprensa, não devemos nos cansar de explicar que se trata de uma associação patronal. Que defende as empresas e não representa nenhuma liberdade de expressão. É como se empresas que constroem estradas falassem da falta de liberdade de movimento porque estão impedidas de construírem uma estrada na Amazônia.
Não, liberdade de movimento é diferente de construir estradas. Além disso, temos que esclarecer que quando as empresas falam de liberdade de expressão, estão reivindicando o seu direito de censura. Ou seja, querem continuar com seu direito de manter o oligopólio e o controle da informação. Dizer o que pode ir ou não para a tela e chegar ao público. A Repórteres Sem Fronteiras é algo similar. Tem denunciado os jornalistas mortos no Iraque, mas muda de reação quando fala da Colômbia. Recentemente, fiz em uma entrevista com um jornalista colombiano que disse que uma vez perguntou a um representante da Repórteres Sem Fronteiras como ele considerava a liberdade de expressão na Colômbia. Ele respondeu: “Sim, é verdade que nos matam, mas na Colômbia a liberdade de expressão existe”!
Quais são os países onde a desinformação é maior? Em qual nação os meios estão mais concentrados?
Eu acredito que o país mais desinformado é os EUA, considerando a quantidade de recursos que o governo estadunidense tem para infiltrar analistas, comprar jornalistas, pressionar as linhas informativas aos seus interesses. Ademais, os lobbies das empresas, como as de armas, sobre conteúdos jornalísticos, ficou claro na guerra do Iraque. Em alguns países, as denúncias de que não haviam armas de destruição massiva ou de que era uma invasão ilegal ao país do Oriente Médio tiveram uma certa aceitação. Nos EUA, dados de analistas e informações mostraram que a desinformação publicada a respeito da invasão era totalmente a favor da intervenção. Ao ponto em que 51% dos estadunidenses acreditavam que Saddam Hussein havia participado pessoalmente nos atentados de 11 de setembro. O que demonstra claramente que foram enganados.
Mas acredito que o país onde a desinformação levou ao enlouquecimento manipulador de maneira mais violenta e radical é a Venezuela. O livro narra exemplos impressionantes. Não só como os meios de comunicação venezuelanos tratavam o Chavéz, mas como as informações chegavam a outros países. Me lembro de uma manifestação a favor de Chávez que as televisões, ao vivo, para mostrarem que haviam poucas pessoas, filmaram a dois quilômetros de onde estava acontecendo o ato. Ou mostravam e repassavam para outros países imagens de manifestação em oposição a Chávez com imagens gravadas há anos!
Como é possível se contrapor a este poder?
Neste momento, o principal mecanismo de combate que o capital e a burguesia possuem contra os governos progressistas não é sequer a ameaça de um golpe militar, são os meios de comunicação. Já conseguiram coisas que nenhuma empresa e nenhum governo conseguiram. Maior impunidade, menos controle por parte das legislações. Creio que os governos progressistas reagiram demasiadamente atrasados. Evo Morales ou o Lula passaram anos reclamando que os meios de comunicação não paravam de atacá-los e agredi-los.
Apenas reclamar me parece uma política ineficaz. Se um governo progressista é atacado, o que ele tem a fazer é desenvolver políticas públicas para evitar isso. É como em educação: se não há colégio para todas as crianças, os governos não devem vir se queixar, devem construir escolas. E estes governos devem criar políticas públicas de democratização da comunicação. Mas estes meios públicos e comunitários não podem se converter em meios de governo, presidentes e partidos. Devem ser participativos, democráticos e estar sob controle do cidadão. Esses são pontos imprescindíveis e que estão se desenvolvendo lentamente, mas com passos firmes. A Venezuela está na primeira linha de desenvolvimento de meios comunitários e públicos, à frente da Europa.
Você acredita que a esquerda, de maneira geral, já se deu conta da importância dos meios de comunicação como mecanismo de resistência à dominação das elites?
A esquerda se deu conta, ela é consciente de que tem grandes inimigos nos meios de comunicação, mas não sabe o que fazer. Durante muitos anos, a esquerda achou que deveria pactuar com os grandes meios. Organizando entrevistas coletivas, passando as informações, dando subvenção fiscais. Assim, acreditaram em um acordo com o capital, pensando que ele os poderiam deixar governar. A esquerda tradicional, seja em governos progressistas ou em partidos políticos, precisa compreender que não há pacto possível.
Os grandes meios somente hipotecam espaços, mas não deixarão que nada se mova. O que devemos buscar é uma revolução midiática. Pois o dilema da mídia é o mesmo dilema que há em outros setores. Então, não há pacto com latifundiário, porque ele nunca vai querer perder o latifúndio, nem de terra, nem de mídia. Porque são empresas de comunicação e, por trás, grupos de empresários e um modelo econômico.
Como é o panorama da imprensa de esquerda na Espanha?
É deprimente. O México tem um excelente jornal, que é o La Jornada. No Brasil, vocês têm o Brasil de Fato, que é uma experiência muito bonita de coordenação dos movimentos sociais para ter uma publicação, o que é algo muito difícil. Na Itália, ainda há o Il Manifesto e outros ligados à esquerda. Mas na Espanha não.
QUEM É
Nascido em Valencia (Espanha) em 1964, Pascual Serrano fundou em 1996, juntamente com um grupo de jornalistas, a página Rebelión (http://www.rebelion.org/). De 2006 a 2007, Serrano foi assessor editorial da Telesur. Hoje, colabora com publicações espanholas e latino-americanas e, mensalmente, com Le Monde Diplomatique. Entre seus livros sobre política e comunicação, destacam-se: “Desinformación. Cómo los medios ocultan el mundo”, de 2009; “Perlas 2. Patrañas, disparates y trapacerías en los medios de comunicación”, de 2007, e “Medios violentos. Palabras e imágenes para el odio y la guerra”.
NovaE
Fonte: Site Controvérsia – http://www.controversia.com.br/
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