domingo, 3 de outubro de 2010

Editoria Estranha Semelhança com a Utopia

SÉRIE MÍDIA E ELEIÇÕES 2010

Eleições 2010 – Que festa, que democracia?


Jefferson Ruiz*


Estou saindo de casa, daqui a poucos minutos, para votar.

Das seis combinações de votos que digitarei na urna eletrônica, duas (Plínio presidente e Marcelo Freixo deputado estadual) envolvem convencimento e emoção – a combinação ideal. As outras quatro receberão votos em partidos da esquerda (PSOL e PCB – este, para uma das vagas do senado). Mas este, pra mim, não é um dia de festa (a não ser por que estarei entre amigos, com vinho e violão, no final da tarde) ou democracia.

De Tiriricas, mulheres frutas ou anúncios patéticos de “tô de volta”, apenas dois breves comentários: (1) estes lamentáveis fenômenos só mudam seus protagonistas, mas todo ano eleitoral reaparecem; (2) a candidatura de Tiririca é legítima, mesmo que seja analfabeto – ou os milhões de analfabetos não contribuem para a riqueza do país?

Mas o que importa saber é nosso nível de consciência sobre o que estamos falando quando dizemos (ou ouvimos calados) que eleições são uma festa de democracia.

Democracia pode ser definida de diferentes formas. Alguns dirão que ela é caracterizada por eleições frequentes e por alternância de partidos no poder. A direita brasileira costuma usar este princípio. Questiona, por exemplo, o governo da Venezuela a partir deste critério – se esquece de olhar para o Estado de São Paulo, em que o PSDB só altera o nome que comanda o Estado; onde lhe interessa, ela vê democracia; onde há modelos que se lhe contrapõem, ditaduras... Chavez foi bem mais testado nas urnas que Alckmin, Serra e seus partidários... Já os gregos, ao falarem em democracia, eliminavam mulheres, escravos e não possuidores de bens deste conceito.


Hoje, o título eleitoral está na mão de quase todos os que quiserem votar (não inclui, ainda, todas as pessoas privadas de liberdade – embora nestas eleições cerca de 20 mil pessoas nesta condição já possam fazê-lo). Como nos ensina a Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, no entanto, um direito não se efetiva integralmente sem acesso a outros. Segundo a resolução final daquele encontro, os direitos são universais, interdependentes, indivisíveis e inter-relacionados. O direito de ter o título eleitoral na mão não pode ser visto como horizonte final: só se realiza plenamente se combinado com acesso a cultura, educação, informação efetivamente democratizada, capacidade crítica de definir eventuais representantes. Sequer as candidaturas são livres... Foram milhões de reais gastos pelas principais candidaturas a presidente. Você – e as ideias que defende – poderia ser candidato viável neste quadro? Guardadas as devidas proporções, imagino que mesmo as pequenas candidaturas devam ter gasto muita grana, para seus níveis de arrecadação. Confesso, aliás, que me pergunto se o dinheiro gasto pelos candidatos de esquerda também é bem utilizado. Geralmente vindo de contribuições militantes de pessoas que defendem uma sociedade anticapitalista, talvez estivessem muito melhor empregados em atividades de formação política de massa, de apoio a movimentos sociais, de organização dos trabalhadores que em folhetos que mal conseguem desmistificar o crescente discurso contra o socialismo que é feito em todo o mundo na atualidade.

Democracia pra valer deveria tocar na distribuição desigual da terra; deveria questionar a posse privada de tudo que se produz socialmente; possibilitar que todos falassem e ouvissem via meios de comunicação; viabilizar acesso universal a educação e saúde gratuitas e de qualidade; garantir habitação digna para todos; oferecer emprego. Nesta perspectiva é inevitável constatar: estas eleições não são democráticas.

O argumento de que as eleições nos permitem discutir modelo de organização da sociedade também me parece ultrapassado há bastante tempo. As eleições, para a esquerda, têm funcionado para disputarmos votos entre nós, para discutir quem é mais socialista ou revolucionário que o outro, para termos quatro ou cinco candidatos que – se espremer – não dão um só, em vários aspectos. Programaticamente falando, não há distinção: estamos falando de eleições, e os próprios candidatos afirmam que esta via é muito limitada para as transformações radicais que a sociedade necessita. As legítimas diferenças deveriam se expressar em momentos em que isso fosse mais razoável. A tal divisão dificulta até mesmo a eleição de uma ou outra candidatura efetivamente popular para os diversos parlamentos. Na hora de cada partido ter seu candidato a presidente, com alguns segundos de televisão, a unidade revolucionária cai por terra rapidinho... Se pensarmos em índices de voto para candidatos majoritários, então... Melhor pular esta parte, não?

De fato, as eleições viraram o principal (quando não único) investimento público de partidos que antes diziam que elas eram momentos táticos de politização das pessoas e de conquista de novos militantes para o questionamento à sociedade capitalista.

É verdade que há alguns candidatos que conseguem se diferenciar nesta avalanche de limitações impostas pelas eleições. Plínio, dos “presidenciáveis de esquerda” o que teve um pouco mais de visibilidade, conseguiu demonstrar que, neste modelo de sociedade, não há como falar em políticas sociais qualificadas sem atacar os acordos de dívida interna e externa para o país. Clóvis Rossi, colunista da Folha, na edição deste domingo de eleições, apontou os dados. O Bolsa Família atinge 12,6 milhões de famílias (dedicando 13,1 bilhões de reais/ano); os portadores de dívidas públicas recebem R$ 380 bilhões de reais – 36% do orçamento total do país em 2009. Não é por menos, afirma o mesmo colunista, que o Brasil, sétima ou oitava economia mundial, é o 75º país em desenvolvimento humano...


Paro por aqui, para ir votar em candidatos que demonstram, para mim e para os que conversei neste período sobre sua importância, que há esperança de um modelo diferente de sociedade. Mas não sem antes dizer que, mais que festa, o dia das eleições me provoca um profundo mal-estar. Estou convencido de que ou a esquerda anticapitalista analisa profundamente o quanto vem sendo aculturada pelos processos eleitorais, ou nossas dificuldades de falar em uma sociedade organizada em moldes socialistas/comunistas estarão cada vez mais ampliadas.



*Jefferson Lee de Souza Ruiz é bacharel e mestrando em Serviço Social pela UFRJ. Profissionalmente atua como assessor político do Conselho Regional de Serviço Social-RJ.

2 comentários:

  1. Bom, muito bom!
    Só acho que a questão dos "fenômenos eleitorais", tipo: Tiririca, merece uma discussão mais profunda. Sinceramente não estou convencido quanto a sua legítimidade.
    Seria! se houvesse, ainda que intuitiva, um mínimo desejo de representar as demandas do grupo social não-alfabetizado, isto nem passou pela cabeça dêle; ou de quem o inventou como candidato. É cristalino, notório, que o objetivo era pura e simplesmente se colocar, para arranjar um ganha"Pão",haja visto que sua carreira como palhaço terminára, artistas decadentes e em final de carreira, descobriram já a algum tempo esse nincho de mercado.
    Por esta razão, não concôrdo muito com a questão da representatividade.

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  2. Olá, João!
    Muito legais suas observações!
    Talvez eu devesse ter feito referência explícita ao argumento constitucional (utilizado pelo Tribunal Eleitoral) de que analfabetos não podem ser candidatos. Isso deixaria mais evidente que minha discordância foi em reação, especialmente, a este aspecto.
    Quanto à intenção de arranjar um "ganha-pão", também a abomino. Mas, para apimentar os debates, convenhamos: há um número imenso de candidatos com esta intenção, sem sofrer qualquer questionamento institucional, não?
    Ainda quanto ao Tiririca há, no mínimo, dois outros aspectos.
    O primeiro é a tática de alguns partidos de utilizar as tais "celebridades" para alavancar o coeficiente eleitoral e, com isso, eleger mais candidatos - tenham eles a qualidade que tiverem.
    O segundo: minha impressão é que o que se pretende é, ao limar a candidatura de Tiririca, dar a impressão de que o sistema eleitoral está ok... Mas isto - o quanto as eleições são ou não "democráticas" - tende a ser tema de outros artigos.
    Muito obrigado por sua participação! Ela nos orgulha e enriquece!
    Abraço,
    Jefferson

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