Cinco dedos de prosa
Blog Mídia e Questão Social
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Prezados blog-leitores,
Com esta postagem, inauguramos uma nova forma de comunicação entre nós: a entrevista. Para alguns temas que a equipe de editores do blog selecionará, entrevistaremos convidados que nos tragam elementos para enriquecer nossas reflexões.
Dialogando com a cultura do batepapo informal, o nome desta nova série será “Cinco dedos de prosa”. Cada entrevistado responderá, portanto, a cinco questões e indicará ao menos um livro e um filme sobre o tema da entrevista.
Para começar, um tema quente: aborto vira polêmica no debate eleitoral
As atuais eleições presidenciais polemizaram e rebaixaram o nível do debate de várias questões. Uma delas foi o aborto. Esta desqualificação transformou o tema em questão religiosa. Vários candidatos começaram a dar declarações com o objetivo de ganhar (ou não perder) votos, desconsiderando dados que demonstram a seriedade do tema.
A própria mídia, após incentivar este clima despolitizado com vistas a favorecer a realização de um segundo turno nas eleições, parece querer fazer um “mea culpa”. Os dois maiores jornais brasileiros (Folha de São Paulo e O Globo) publicaram, no último final de semana, editoriais em que questionam o tom religioso do debate e voltam a defender que o Estado deve ser laico.
O Globo, em sua edição de domingo, 10 de outubro, publicou matéria de capa, com dados que demonstram que o aborto ilegal mata uma mulher a cada dois dias no país. Em que pese a atual criminalização do aborto, uma mulher o pratica a cada 33 segundos, apenas no Brasil. Uma em cada cinco brasileiras já abortou. A grande maioria delas, especialmente as de menor renda, não tem como buscar atendimento público e gratuito de saúde, submetendo-se a práticas perigosas e até fatais. Inevitável reconhecer, portanto, que este é um tema de saúde pública, embora, como veremos com nosso entrevistado de hoje, não se restrinja a este aspecto.
Para a equipe do blog, defender a legalização e a descriminalização do aborto é defender a vida com qualidade em todas as suas dimensões. Como nos alerta a intelectual e feminista norte-americana Judith Butler, é hora de a esquerda assumir amplamente esta defesa.
Aborto - “População não quer ver a mulher presa por isso”
Nossa entrevista 5 dedos de prosa com Maurílio Matos Fonte: CFESS
Professor Doutor da Faculdade de Serviço Social da UERJ e assistente social do SUS / Sistema Único de Saúde em Duque de Caxias.
Autor do livro "A Criminalização do aborto em questão" (ed. Almedina, 2010), realizou pesquisa de campo em Portugal.
Para uma discussão sobre a mudança da lei temos, no Brasil, que juntar quatro argumentos: o grave problema de saúde pública; a autonomia da mulher e o respeito, num Estado laico, à diferença; a diferenciação das fases de gestação (diferenciar embrião e feto de vida humana); e chamar a atenção da população brasileira para a questão de se quer realmente que as mulheres que realizam o aborto sejam presas (todo mundo conhece ou sabe de alguma mulher que fez aborto). Sobre esse último ponto parece que não: a população pode até - de forma pouco refletida - ser contra a descriminalização do aborto, mas não quer ver a mulher presa por isso. Então: que lei é essa que se quer manter, mas que não se quer que seja cumprida?
- Você estudou o debate do aborto comparando países como Brasil e Portugal. Como foi possível que Portugal, um país talvez hegemonizado pelo cristianismo, avançasse em relação ao Brasil no debate do aborto? Que avanços você identifica?
Maurílio Matos - Em Portugal foi realizado um plebiscito em 1998 e a população optou pela manutenção da lei punitiva. Logo após esse plebiscito, a lei começou a ser aplicada e isso assustou a população: houve julgamentos e condenações em massa. Isso criou um ambiente para a realização do plebiscito de 2007 que descriminalizou o aborto até a décima semana de gestação, a pedido da mulher. Além dessa experiência traumática, os portugueses mudaram a lei porque integram a União Européia e, exceto Malta, Polônia e Irlanda, todos os outros países europeus, de alguma maneira, descriminalizaram o aborto. A convocação de um novo plebiscito integrou a agenda política do governo. Com o argumento de que vários países vizinhos já haviam descriminalizado o aborto, Portugal pôde sair da falsa polarização entre ser contra ou favor e sim discutir os direitos e a laicidade do Estado no contexto da Razão e da Modernidade.
Professor Doutor da Faculdade de Serviço Social da UERJ e assistente social do SUS / Sistema Único de Saúde em Duque de Caxias.
Autor do livro "A Criminalização do aborto em questão" (ed. Almedina, 2010), realizou pesquisa de campo em Portugal.
- O debate sobre o aborto polarizou parte das eleições presidenciais deste ano, de maneira bastante desqualificada. Que perspectivas você enxerga para o futuro deste debate no Brasil?
Maurílio Matos - Na política brasileira, os princípios são sucumbidos pelos votos. É lamentável que os principais candidatos desde o primeiro turno - sabedores das altas taxas de aborto no país - se posicionem contrariamente à descriminalização. Lamentável que, na véspera do primeiro turno, duas candidatas de origem de esquerda tenham se posicionado contra a descriminalização do aborto e tenham se acusado sobre o tema. Agora, no segundo turno, o aborto ganha também mais espaço no debate, mas - mais uma vez - os direitos das mulheres saem de cena para a obtenção de votos. Nenhum candidato defende a descriminalização do aborto. Saem de cena, na campanha, a luta por esse direito, mas a perversa realidade dos abortos clandestinos com riscos de morte, agravos à saúde e de prisão continuam sendo uma rotina para muitas mulheres que por motivos que só a elas cabe julgar, correm esses riscos. Por isso, é louvável a fala da candidata Dilma, no último debate na tevê, quando disse que alguns preferem prender as mulheres que provocam o aborto, ela prefere atender.
Maurílio Matos - Na política brasileira, os princípios são sucumbidos pelos votos. É lamentável que os principais candidatos desde o primeiro turno - sabedores das altas taxas de aborto no país - se posicionem contrariamente à descriminalização. Lamentável que, na véspera do primeiro turno, duas candidatas de origem de esquerda tenham se posicionado contra a descriminalização do aborto e tenham se acusado sobre o tema. Agora, no segundo turno, o aborto ganha também mais espaço no debate, mas - mais uma vez - os direitos das mulheres saem de cena para a obtenção de votos. Nenhum candidato defende a descriminalização do aborto. Saem de cena, na campanha, a luta por esse direito, mas a perversa realidade dos abortos clandestinos com riscos de morte, agravos à saúde e de prisão continuam sendo uma rotina para muitas mulheres que por motivos que só a elas cabe julgar, correm esses riscos. Por isso, é louvável a fala da candidata Dilma, no último debate na tevê, quando disse que alguns preferem prender as mulheres que provocam o aborto, ela prefere atender.
Para uma discussão sobre a mudança da lei temos, no Brasil, que juntar quatro argumentos: o grave problema de saúde pública; a autonomia da mulher e o respeito, num Estado laico, à diferença; a diferenciação das fases de gestação (diferenciar embrião e feto de vida humana); e chamar a atenção da população brasileira para a questão de se quer realmente que as mulheres que realizam o aborto sejam presas (todo mundo conhece ou sabe de alguma mulher que fez aborto). Sobre esse último ponto parece que não: a população pode até - de forma pouco refletida - ser contra a descriminalização do aborto, mas não quer ver a mulher presa por isso. Então: que lei é essa que se quer manter, mas que não se quer que seja cumprida?
- Você estudou o debate do aborto comparando países como Brasil e Portugal. Como foi possível que Portugal, um país talvez hegemonizado pelo cristianismo, avançasse em relação ao Brasil no debate do aborto? Que avanços você identifica?
Maurílio Matos - Em Portugal foi realizado um plebiscito em 1998 e a população optou pela manutenção da lei punitiva. Logo após esse plebiscito, a lei começou a ser aplicada e isso assustou a população: houve julgamentos e condenações em massa. Isso criou um ambiente para a realização do plebiscito de 2007 que descriminalizou o aborto até a décima semana de gestação, a pedido da mulher. Além dessa experiência traumática, os portugueses mudaram a lei porque integram a União Européia e, exceto Malta, Polônia e Irlanda, todos os outros países europeus, de alguma maneira, descriminalizaram o aborto. A convocação de um novo plebiscito integrou a agenda política do governo. Com o argumento de que vários países vizinhos já haviam descriminalizado o aborto, Portugal pôde sair da falsa polarização entre ser contra ou favor e sim discutir os direitos e a laicidade do Estado no contexto da Razão e da Modernidade.
- Alguns argumentos que defendem a descriminalização e a legalização do aborto se centram em sua leitura como tema de saúde pública. Outros autores o discutem sob o ponto de vista do avanço das lutas das mulheres por ampliação de direitos. Para você, quais devem ser os eixos centrais deste debate?
Maurílio Matos - Recentemente, em um debate na OAB/RJ - realizado no dia 28 de setembro, dia latinoamericano e caribenho de luta pela descriminalização do aborto - esse tema veio à tona. Os pesquisadores e feministas presentes concordaram que esse dois pontos são importantes e um não deve secundarizar o outro. Tanto os riscos à saúde como os direitos das mulheres devem ser defendidos com o mesmo peso, a mesma pressa e a mesma relevância.
- Você é um homem e estudou o tema do aborto. Qual o papel masculino neste debate?
Assim, independente do fato de que a mulher não engravida sozinha, estamos falando que o aborto é um problema de todos e todas.
- Argumentos contrários à descriminalização e à legalização do aborto dizem que se aprovadas elas tendem a aumentar sua prática. O que você pensa a respeito? Que relação elas podem ter com medidas também no campo da educação?
Maurílio Matos - O aborto não é uma escolha fácil para uma mulher. Não é um método contraceptivo e as mulheres sabem disso. O aborto é um recurso, uma escolha necessária dentro do contexto de vida da mulher naquele momento. Não consigo acreditar que seja um evento banal na vida de uma mulher e que, por isso, possa se tornar corriqueiro. O número de abortos por repetição em Portugal, onde o aborto é descriminalizado até a décima semana de gestação, é baixo e demonstra que o aborto é um episódio único na vida da grande maioria das mulheres.
Além disso, cabe lembrar que a descriminalização do aborto não pode se dar isoladamente. Com a descriminalização iniciam-se novos desafios, como a implementação do atendimento no serviço público, com qualidade. Importante, também, é desenvolver um trabalho educativo sobre a saúde reprodutiva como um todo, de forma intersetorial e interinstitucional.
Dicas do entrevistado
Fonte: CRESS-MG
Um filme
Indico dois. Um documentário brasileiro e outro de ficção norteamericano (esse último muito fácil de ser encontrado):
- “O aborto dos outros”. Direção: Carla Gallo. Ano: 2008. País: Brasil. Duração: 72 minutos;
- “Regras da vida” (The cider house rules / Em Portugal: “As regras da casa”). Direção: Lasse Hallstrom. Elenco: Tobey Maguire, Michael Caine, Charlize Theron. Ano: 1999. País: EUA. Duração: 125 minutos.
Um livro
Em defesa da vida: aborto e direitos humanos, organizado por Alcilene CAVALCANTE e Dulce XAVIER (São Paulo, Católicas pelo Direito de Decidir, 2006). O livro conta com artigos de vários especialistas no tema.
¤ Produzido pela equipe do blog Mídia e questão social /outubro de 2010.
Parabéns à equipe do Blog e ao querido Maurílio. Está na hora de aprofundarmos o debate enfrentando o pior do pensamento reacionário.
ResponderExcluirBoa noite.
ResponderExcluirEsta noticia foi postada no blgo Serviço Social Brasileiro.
Qualquer duvida, favor entrar em contato conosco.
Abraço
Com certeza esse debate sobre a questão do descriminização já devia estar acontecendo a muitos anos neste país chamado BRASIL, mas com certeza pensar o tema requer analisar outros mil e um elementos que estão envolvidos, que certamente perpassa pelos direitos das mulheres,pela questão religiosa, pela saúde, planejamento familiar, pela questão educacional, pela mídia (cujo os programas incentivam diariamente as pessoas a fazerem sexo e nunca trata da questão da consciência e muito menos sobre a prevenção). E por fim, cabe ressaltar que vale o comparativo com Portugal a nível do avanço da legislação, mas o Brasil ainda tem muito que crescer e educar os seus cidadões para uma discussão madura, com legislação que realmente seja protetiva em relação a mulher e não fazer as coisas na base do ôba-ôba para ganhar votos as ´vésperas da eleição,como sempre TUDO NESTE PAÍS VARONIL.
ResponderExcluirO tema, o livro, o debate ,a entrevista, todos são oportunos. Chega de moralizar este assunto com noções hipócritas. Maurílio, que conheci na militância estudantil, continua provocador, inquieto. Seu traballho nos instiga a pensar mais profundamente no aborto em todas as dimensões, o que sempre enriquece nossa inserção profissional. Parabéns!
ResponderExcluirParabéns ao blog pela nova estratégia das entrevistas e ao Maurílio pela coragem de uma abordagem tão clara do tema. Bela entrevista! beijos,
ResponderExcluirElaine Behring