sábado, 19 de junho de 2010

Editoria Jornalistas Parceiros


Liliana Peixinho*



Dia 08 de junho a comunidade acadêmica da Universidade Federal da Bahia-UFBA foi surpreendida com desmatamento de parte do que a própria a universidade classificou como “Memorial da Mata Atlântica”, localizado no Campus Ondina. Prova que o discurso não corresponde à prática nem mesmo em retaguardas importantes como as instituições de ensino, local de pesquisa, defesa de culturas, propagação do saber, fortalecimento dos instrumentos de construção da democratização, difusão da informação como ferramenta fundamental para o exercício da cidadania e outras tantas teorias.

Alunos do curso de jornalismo Científico da Facom, professores, estudantes de outras faculdades e ambientalistas que estiveram in loco no estrago do desmatamento manifestaram indignação com o fato. A professora-doutora Simone Bortoliero, Pesquisadora, vice presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Cientifico e coordenadora do Grupo de Jornalismo Científico e Ambiental da FACOM -UFBA, que tem foco de diversos trabalhos/ pesquisas/estudos em meio ambiente, ficou estarrecida com o fato e circulou uma carta na UFBA inconformada com a posição da instituição após o fato, através de informações veiculadas no site oficial da universidade, onde informa que a área (desmatada) será utilizada para a construção de um prédio para o Instituto de Humanidades, E que está decisão já havia sido prevista há dois anos, em reunião do Conselho Universitário dentro da proposta do REUNI, plano federal que prevê o aumento das vagas e que tem como conseqüência a ampliação da infra-estrutura e de construção de inúmeros prédios. O fato - diz a professora- é que o campus de Ondina já se transformou num canteiro de obras, mas nunca poderíamos imaginar que iríamos construir em área de mata em recuperação. Simone Bortoliero antecipou algumas informações, frutos de pesquisa científica (Geologia e Biologia) onde apontam o local com aproximadamente 25000 m² e que estende-se da Escola de Dança ao Instituto de Letras.


Estudos de alunos de graduação orientados por diversos professores demonstram que há, (ou havia) espécies florísticas de mata atlântica (Nunes, A. T.; Roque, N. 2006. Levantamento florístico das espécies arbustivo-arbóreas dos fragmentos de mata do Campus de Ondina da Universidade Federal da Bahia Salvador, Bahia). O relatório informa que além de animais dispersores de sementes, em 2009, alunos introduziram espécies originárias de mata atlântica como Protium burm.f. conhecida como Amescla, Vatairea Aubl conhecida por Angelim-amargoso, Eschweilera ovata (Cambess.) Miers conhecida por Biriba, Spondias mombin L. conhecida por Cajazeira, Sloanea L. conhecida por Carrapateiro, Brosimum Sw.sp.1 conhecida por Conduru, entre outras. Desse trabalho de Nunes há citações sobre as espécies encontradas e que são nativas da Mata Atlântica: Schinus terebinthifolius Raddi; Himatanthus bracteatus (A.DC.) Woodson; Urera baccifera (L.) Gaud.; Trema micrantha (L.) Blume; Guazuma ulmifolia Lam.; Solanum lycocarpum St.Hil.; Chrysophyllum splendens Sprengel; Genipa americana L.; Eugenia cyclophylla O. Berq; Guarea guidonia (L.) Sleumer; Senna macranthera (Collad.) Irwin & Barneby; Cassia grandis L.f.; Cecropia pachystachia Trec.; Tapirira guianensis Aubl.

A conclusão da pesquisa indica que, devido ao número reduzido de espécies de Mata Atlântica, ”é necessária a introdução de outras espécies, para o aumento da diversidade, garantindo uma melhor manutenção dos processos ecológicos e maior representatividade do bioma. Estas matrizes, no futuro, fornecerão sementes para a produção de mudas e para a regeneração natural de outras áreas” (Nunes, 2009).

A professora Simone: diz que existe uma contradição entre o texto do Plano Diretor e o texto divulgado no site oficial. Por isso, os representantes do Conselho Universitário, órgão responsável pela aprovação do Plano Diretor, poderiam ajudar a elucidar o que entendem pela área do Memorial da Mata Atlântica.” Além do descumprimento das determinações do próprio Conselho Universitário, a administração infringe alguns pontos das leis como Crimes contra a Fauna, pois, em seu parágrafo § 3º, são espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou em águas jurisdicionais brasileiras.

A lei ambiental no Brasil diz também que deve existir o manejo de animais em áreas que irão sofrer desmatamento, justificável, se considerarmos que no atual quadro brasileiro os desmatamentos podem ser justificados em detrimento de um modelo de desenvolvimento a qualquer preço. Na UFBA não houve nenhuma proposta de manejo de animais da área, ou circulação de informação qualificada sobre as razões do desmatamento e não houve manejo dos animais anterior ao desmatamento A lei prevê, no Art. 32, que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, a pena de detenção é de três meses a um ano, além, é claro, da multa. Sobre a regeneração de matas, o Art. 48 afirma que impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, a pena será de detenção, de seis meses a um ano, além da multa. Alem disso, teria a necessidade de Audiência Pública anterior ao licenciamento ambiental dado por órgão federal como IBAMA, e licença concedida depois de ouvir a comunidade do entorno.


Repercussão

O Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente encaminhou denúncia para a RAMA – Rede de Articulação e Mobilização Ambiental que está em contato com outras redes ambientais além de alunos, professores, ambientalistas, biólogos, para ajudar no levantamento voluntário do que foi perdido, que tipo de desequilíbrio pode ocorrer no ambiente com a perda das espécies vegetais e animais inicialmente descritas. Alem disso, estuda mecanismos operacionais para, principalmente, estar atentos ao desenrolar das diversas obras que estão em andamento no Campus de Ondina, assim como em outros Campi da UFBA, para que não haja repetição desse erro irreparável. Voluntários dos Movimentos, alunos da UFBA, que freqüentam o campus de Ondina, estarão fazendo visitas para observar os trabalhos nas obras de construção.


A UFBA cometeu um crime ambiental. Se foi praticado por empresas terceirizadas desavisadas, desinformadas, descuidada com o que limpar ou preservar, mostra a falta e critério da instituição na seleção de quem deve ter competência e responsabilidade com o patrimônio público natural.


“É realmente vergonhosa a situação e muito mais constrangedora pelo fato de se tratar de uma ação da Universidade, que deveriam, como porta de conhecimento e pesquisa, condenar intervenções dessa natureza. A instituição UFBA, que tomou a decisão de desmatar a área sem um estudo prévio e sem uma alternativa de proteger as espécies ali existentes, me deixou envergonhada”. Jacy Nunes, jornalista.

“Tomei um susto quando fui chamado pelo Movimento AMA para fotografar e quando cheguei lá, aquele clarão enorme, fiquei realmente chocado. O Campus de Ondina é conhecido e reconhecido pela diversidade, pelo verde, pela preservação, matas fechadas, ambiente que os estudantes sempre gostaram para poder respirar melhor. Já participei de muitos eventos, congressos, encontros no Campus e fiquei muito triste”, declara Alen Ebert, aluno de Publicidade da UCSal e voluntário do Movimento AMA.

A professora lamenta que, no ano da Biodiversidade, é vergonhosa a forma como a administração da UFBA, que sempre se eximiu de políticas de divulgação científica dentro da Universidade, venha desrespeitar nossos pesquisadores "ecólogos", biólogos e especialistas, alegando que a área não possui espécies em extinção conforme divulgado na mídia. Mas essa não é a questão, pois não há espécimes em extinção. Mas a lei é clara quanto à proteção de animais silvestres que vivem no Memorial da Mata Atlântica no Campus de Ondina.

Outro aspecto que chamou a atenção da professora é o papel que cumprem as Assessorias de Comunicação em instituições de pesquisa em nosso país. A Associação Brasileira de Jornalismo Científico esclarece que essas assessorias devem, de forma igualitária, divulgar as pesquisas em andamento nessas instituições, independentemente de suas áreas, como compromisso com a cidadania e a democratização do conhecimento, além de tornar público os investimentos pagos na verdade com os impostos dos contribuintes. A Assessoria de Comunicação da UFBA deveria esclarecer sobre as fontes que poderiam estar disponíveis na instituição para a imprensa. O papel é contribuir nesse momento com esclarecimentos sobre os conceitos como Diversidade Ecológica, Animais Silvestres, Mata em Recuperação, Lei Ambiental, Desmatamentos, dispersores de sementes, fauna e flora.

O desmatamento, as queimadas e a destruição de biomas em diferentes regiões do país, já são a causa de nossos problemas no mapeamento da biodiversidade brasileira. Ela lembra que ouviu do professor Thomas Lewinson, da Unicamp, presidente da Associação Brasileira de Ciências Ecológicas, que levaríamos 2000 mil anos para mapear a biodiversidade brasileira, isso se respeitássemos nossas matas do jeito que estão atualmente. E tece um paralelo sobre a riqueza da nossa biodiversidade, ao lembrar que esse professor informou, durante um congresso, que numa folha de cacau podem ser encontradas 150 espécies de fungos. Imaginem o que poderia ser encontrado nessa vasta área desmatada do campus de Ondina, se todas as espécies tivessem sido mapeadas pelos pesquisadores da instituição?

As respostas da UFBA sobre o fato não são suficientes para nos convencermos da necessidade de construção desse prédio numa mata que levou quase 30 anos para se recuperar e que em questão de horas estava no chão.

Se não fosse a boa vontade de professores e estudantes de Biologia em retirar alguns animais como cobras e lagartos, a matança seria feita por homens com suas máquinas. Consideramos o problema grave, porque somos estudantes e educadores de uma instituição federal. Protestamos e sugerimos compromissos com um jornalismo ambiental investigativo, ouvindo o maior número de fontes possíveis, pesquisadores que vão desde o campo biológico as c ciências sociais e humanas. Fontes como IBAMA e Ministério Público, o reitor e sua equipe, os que pensaram no projeto da UFBA Ecológica e outros terão muito a dizer sobre o fato, já consumado, no Campus de Ondina.


Liliana Peixinho* - Jornalista, ativista, pós-graduada em mídia e meio ambiente, cursando pós-graduação em Jornalismo Cientifico da FACOM – UFBA.
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Todas as Fotos: Liliana Peixinho

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