Verde e Vermelho – Clima e Comunicação, um duplo convite
Depois da socialização pelo Caleidoscópio Baiano, ontem aqui mesmo no Blog M&QS, do que aconteceu em Serra do Padeiro, com os índios Tupinambás, o que concerne à ameaça aos territórios indígenas, temos o cruzamento de dois eventos importantes que acontecem nesse mês de dezembro no Brasil e no Mundo: um é a I Conferência Nacional de Comunicação (ver Agenda Cultural), o outro é a 15a. Conferência de Copenhague, mais conhecida como Conferência do Clima. Portanto, entendemos que esses artigos são interligados e convidamos, assim, os nossos blogonautas a esticarem o olhar até as palavras de nossa colega Claudia Correia.
Enquanto isso, vale dizer que o nome da filósofa Isabelle Stengers vem aqui sancionado por um grupo de intelectuais e militantes na França que tem realizado uma série de debates sobre temas conexos à crise do capitalismo e às possibilidades de saída pela esquerda. Trata-se do Société Louise Michel. Falar deles já valeria um artigo. Planto o desejo, mas colhamos por enquanto aqui no Volta do Mundo as inquietações sugeridas por Stenger, em irreverente fala.
Abraços, Mione Sales.
Abraços, Mione Sales.
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Copenhague - Não dá para confiar no capitalismo verde*
Por ISABELLE STENGERS
A conferência de Copenhague [começou], e ninguém sabe se os governantes responsáveis anunciarão na ocasião do seu desfecho solenes engajementos verbais ou alguns acordos obrigatórios. Seria absurdo afirmar que a indiferença se imponha a este respeito, mas a propósito de um eventual acordo obrigatório, a questão se põe: obrigatório como e para quem? Aqueles que a assinarão não ficaram privados, após os acordos do Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas Alfandegárias e Comércio) e da criação da OMC (Organização Mundial de Comércio), do poder de obrigar o «mercado», a quem foi delegada a carga de assegurar o futuro do mundo? De uma maneira ou de outra, «nossos» dirigentes não são mais responsáveis apenas por nós: visto que mantemos o moral, que nos «responsabilizemos», mas sem, porém, colocar em perigo o crescimento. Eles devem esperar que as empresas capitalistas saberão conjugar a competitividade (a guerra de cada um contra todos) com a preocupação do futuro comum - o que chamamos de «capitalismo verde».
É preciso lembrar, o processo impulsionado e controlado pela OMC vai muito bem. Não somente condena como obstáculo à liberdade de comércio todas as tentativas locais de desertar, de trair os imperativos da guerra econômica (a palavra que mata é «protecionismo»), mas ele constitui, num horizonte insuperável, a colocação sob patente dos saberes científicos e técnicos que, se eles fossem mais do que nunca pertinentes face à ameaça climática, deveriam ser livremente acessíveis, e primeiramente aos países pobres. A criação destes saberes é confiada a uma economia do conhecimento que confere aos interesses industriais a carga de pilotar a pesquisa. Típico é o caso dos biocombustíveis «inovadores», objeto de pesquisas intensas, mas também de uma corrida desenfreada às patentes, apesar dos «pequenos problemas» bastante previsíveis que esta energia dita «verde» vai suscitar. Alternativa infernal: ou bem os biocombustíveis, ou bem o sacrifício do emprego e do crescimento. Continuaremos a andar de carro e outros pagarão o preço.
Não podemos nos fiar na hipótese de que o capitalismo possa reparar os estragos, pelos quais ele é o responsável. Inicialmente, porque confiar no capitalismo é sempre uma má ideia, em seguida porque ele não tem condições de fazê-lo. Ele não está equipado para isso. Destruir é fácil, mas reparar, se reapropriar, reaprender, regenerar - reclaim, dizem os ativistas americanos - é uma outra coisa. Ainda mais quando se trata, como já havia percebido Félix Guattari em seu Três Ecologias, de fazer algo em relação à tripla devastação, que hoje persiste como se não fosse nada. A devastação de toda a Terra, claro. Mas também aquela das capacidades coletivas de criar e de cooperar - assim, o empreendimento sistemático de destruição das solidariedades coletivas, o que produziu o novo «sofrimento do trabalho». Quanto à terceira devastação, trata-se daquela da potência de pensar e de sentir dos indivíduos. A voz que sussurra «porque eu valho bem», um exemplo entre mil, fruto de eficácia de um verdadeiro ataque bruxo, mas o mesmo vale para as injunções que fazem de cada um o pequeno empresário de sua vida, uma vida onde é preciso, incansavelmente, movimentar-se, se reciclar, investir e fazer prosperar seu capital de «atração».
Vivemos tempos um pouco semelhantes ao de guerra, quando « sabíamos », mas fruto de um saber um pouco irreal - tudo parecia continuar como antes, enquanto a situação parecia escorregadia. Este aspecto escorregadio – que não se fale nos «pequenos gestos» que «cada um pode fazer» - é sem dúvida o primeiro problema, aquele que produz um silêncio ensurdecedor - ou então das reivindicações «consensualistas» (um crescimento socialmente justo e ecologicamente sustentável) que dizem a solução sem pesar nem o problema nem suas consequências para hoje. Porque a questão do que é sustentável é bastante diferente da evidência flagrante da injustiça social. Por acaso lembramos que os OGM foram apresentados como a saída para uma agricultura durável? Foi preciso que a contestação tornasse audíveis as objeções usualmente abafadas para que eles fossem reconhecidos como trazendo muito mais que um «crescimento durável» justamente a Monsanto & Cia. Em outros termos, lutar contra o capitalismo verde e resistir aos apelos que virão sob o modo do «é preciso que», solicitando a todos a aceitação dos «sacrifícios necessários» face à urgência climática, exige outra coisa além das reivindicações defensivas e denunciadoras: uma forma de inteligência coletiva, nutrida pelos saberes heterogêneos minoritários, capaz de propor medidas inesperadas e surpreendentes, que façam engasgar os nossos dirigentes, cujos «é preciso que» sejam assim pegos desprevenidos.
Fabricar tais propostas não significa em nada o abandono das reivindicações coletivas tradicionais, mas implica um desafio: aquele de « fazer confiar» naqueles que portam essas reivindicações. Ter confiança, por exemplo, na capacidade deles em defender os direitos do trabalho, opondo-se às políticas de controle, ou seja, de pressão sobre os desempregados. As estratégias de « ativação » dos desempregados fazem parte do que o capitalismo é capaz de fazer ao Estado, a fim de ser ele mesmo o de que tudo depende – o emprego deve permanecer algo fora do qual não há chance de salvação, pois em seu nome se articularão todos os «sabemos bem, mas não se pode sobretudo perturbar o crescimento». A capacidade de resistir ao veneno moralizador opondo o «bom» desempregado, que quer um trabalho, aos «aproveitadores», faz parte desta inteligência coletiva tão necessária hoje. Gilles Deleuze escrevia que, diferentemente da direita, «a esquerda tem necessidade de pessoas que pensem». Nossos dirigentes podem apenas se adaptar a um capitalismo que, verde ou não, não está equipado para pensar, somente para captar as oportunidades que vão se oferecer a ele. Gerar confiança na medida em que «as pessoas» se reapropriem da capacidade de pensar, coletivamente e individualmente, é daqui para frente o que se impõe, se não for o caso de assistir, impotentes, à tripla, e irreversível, devastação do nosso mundo.
A autora, ISABELLE STENGERS é filósofa e professora na Universidade Livre de Bruxelas.
[Último trabalho publicado: «Au temps des catastrophes. Résister à la barbarie qui vient», Coleção les Empêcheurs de penser en rond, Paris, editora la Découverte, 2009.]
* Artigo originalmente publicado pelo jornal Libération, em 30/11/2009, na seção Terre, e traduzido por Mione Sales.
PARA SABER MAIS
http://en.cop15.dk/
http://www.copenhague-2009.com/
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Mione Sales é assistente social, doutora em Sociologia e professora de Serviço Social (Uerj).
E-mail para contato: mionesales@gmail.com.
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