sábado, 30 de março de 2013

Editoria Fazendo Arte & Educação

Um MAR de contradições:
a arte nas escolas da prefeitura do Rio de Janeiro


Fonte: Google


Ricardo Pereira e Dione Lins*


Em 2012, com a chamada de novos professores de Artes Visuais, Artes Cênicas e Música para atender as turmas da Educação Infantil ao 5° ano do Ensino Fundamental da Rede de Ensino Municipal do Rio, acreditávamos que a Prefeitura estava finalmente implementando o ensino de Arte em todos os segmentos das escolas no município. Mas, logo percebemos que a medida se restringia a cumprir a legislação em vigor sobre a obrigatoriedade de o professor (neste caso, o PII, o qual trabalha com o segmento citado) ter 1/3 da sua carga horária para planejamento. Todos os professores – antigos e novos - foram obrigados a cumprir a carga horária de 1 tempo semanal por turma no segmento do EI ao 5º ano. Ou seja, um professor de Arte, hoje na rede, com uma matrícula pode ter até 12 turmas e os que têm 2 matrículas, até 24 turmas, caso atenda apenas este segmento. Resultado: professores extremamente cansados, estressados e desestimulados.

Ainda no início do ano (para cumprir outra Lei – a de obrigatoriedade do ensino da Música) a SME orientou colocar a disciplina música no 6° ano. Mais uma decisão tomada sem a consulta aos principais interessados – professores e alunos. Neste caso, a decisão foi revertida, pois não havia o número suficiente de professores para atender as classes nem tampouco uma explicação plausível para o 6º ano ter música e os demais anos não. 

No final de 2012, a SME manda acabar com os Núcleos de Extensão, onde se incluem os Núcleos de Arte. Tais núcleos realizam há décadas trabalhos de desenvolvimento do conhecimento em Arte e produção artística. A mobilização de professores, pais e alunos destes núcleos fez com que a secretaria voltasse atrás. Mesmo assim, muitos Pólos de Educação para o Trabalho e Clubes Escolares foram fechados.

terça-feira, 12 de março de 2013

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta


RETRATOS FALADOS
ou sobre alteridade e esperança
  


   

  
Mione Sales*

« Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
(…)
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens »
.

FERNANDO PESSOA

« Mulher lendo » - Picasso

Folheava meio a esmo um livro de crônicas e comecei a ler algo que me interessou. Era de Clarice Lispector. Gosto muito do jeito corriqueiro, quase banal que ela empresta aos seus escritos… Sempre algo fortuito a conduz para o labirinto profundo dela e de nós mesmos. Nessa leitura rápida, gostei em particular da crônica « Uma Encarnação Involuntária », talvez por já ter experimentado sensação semelhante. Dizia a personagem-narradora:

As vezes, quando vejo uma pessoa que nunca vi, e tenho algum tempo para observá-la, eu me encarno nela e assim dou um grande passo para conhecê-la. E essa intrusão numa pessoa, qualquer que seja ela, nunca termina pela sua própria auto-acusação: ao nela, me encarnar, compreendo-lhe os motivos e perdoo. Preciso é prestar atenção para não me encarnar numa vida perigosa e atraente, e que por isso mesmo eu não queria o retorno a mim mesma.

Num ônibus carioca certa vez fui tomada de enorme empatia por alguém que eu jamais vira antes. Tratava-se de um homem. Um jovem trabalhador, como tantos outros. Uma pessoa comum. No entanto, a dureza percebida nos seus traços, a falta de beleza, uma espécie de desamparo existencial tocaram-me. Sua presença ali a pouco mais de um metro conferia-me a certeza de que aquela pessoa era real e tinha, como eu, uma vida, por mais difícil que fosse a sua: uma vida que de algum modo lhe dava um sentido para levantar, trabalhar, lutar ou simplesmente se revoltar por tudo isso.  Eu não o conhecia e nem por isso, ele deixava de existir. Fechava e abria os olhos e ele continuava ali, na minha frente, existindo. Como aquele homem, milhões. O mundo vai continuar girando, cada vez mais veloz, a despeito de mim e de nós. Por mais que a consciência das coisas seja marcada por uma indelével pegada subjetiva, as coisas e o mundo existem à revelia de mim: aquele trabalhador, o ônibus, ou os versos e tabuletas de que falava o poeta Fernando Pessoa.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Editoria Caleidoscópio Baiano

Devaneios de viagem

(Ou como entender o mundo e a si mesmo com o pé na estrada)
  ................................................................................




Claudia Correa*


Enfim, de volta ao nosso blog, reestreando na produção de artigos neste início de 2013 para compartilhar reflexões e sonhos. Ainda é tempo (antes que o festejado Ano Novo envelheça) de desejar a todos um ano rico de criatividade, paz e muitos projetos realizados para todos nós.

Em férias, de passagem pelo Rio e Paraty neste janeiro de esquentar até baiano, alguns fatos me chamaram atenção no cenário da eterna “cidade maravilhosa”. Na verdade, o poeta tem razão: o Rio de Janeiro continua lindo, continua sendo o “coração do meu Brasil”. Alguns podem dizer que meu olhar de viajante não conta, turista é sempre deslumbrado, complacente. Quem vive o cotidiano urbano é quem sabe as mazelas e os problemas que transformam qualquer paisagem paradisíaca em um inferno. Ainda assim, o olhar “estrangeiro” é sincero, resgata aspectos da realidade que superam a banalização daquele que já se acostumou com as imagens e seus significados no dia a dia de um lugar. Por acreditar que esta percepção também é legítima, arrisco compartilhar algumas impressões e reflexões que marcaram minha rápida passagem pelo ensolarado (e chuvoso )Rio.




Toda vez que viajo gosto de comprar jornais locais para me inteirar do contexto, conversar com jornaleiros, motoristas de taxi e de ônibus e pessoas comuns, principalmente as que tem muito contato com o público, como porteiros e garçons. Sempre acreditei que elas traduzem bem o modo de ver e viver o lugar, são “a alma” viva da cidade.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Editoria Web@Tecno

NAS RUAS, O EXÍLIO DOS INCONSCIENTES:

 Será possível "forçar portas, inventar saídas"?!



Museu do Insconciente: Obra de Davi Pereira da Silva 
Sem título - Outubro 2000 Óleo sobre eucatex 55 x 71 cm


"O osso da fala dos loucos têm lírios"
Manoel de Barros


Nelma Espíndola*


O seu codinome era Coronel, seguido da alcunha de "Fura Poço".  A imagem desse homem com quem convivi num certo período de minha adolescência me veio à mente. As lembranças me chegaram, num misto de saudade, ponteada de tristeza e enternecimento.

Um velho negro, andarilho das ruas de meu bairro àquela época. Um ser social simbólico, que fazia dos seus delírios uma afirmação de existência. Vivia a sua história personificada de “coronel”, cujo uniforme militar, se compunha de um casaco azul, calça comprida, botas e um quepe, ganho de alguém que alimentava o seu devaneio. Nada simbolizava um uniforme autêntico. O visível em suas vestimentas era só o desgaste feito em cada peça, com o tempo.  No peito de seu casaco, muitas fitas amarradas com medalhas e latas penduradas. Nunca vi nenhum familiar dele.  Sua casa por vezes era  nas calçadas ou na praça.

Hoje, percebo, que de fato, eu, meus amigos e todos os que o ajudavam, de algum modo, se constituíam em membros de sua família, mesmo que para ele e para nós, naquele dado momento essa representação social nunca tenha se clarificado.  Talvez esse sentimento seja a manifestação da impotência e ignorância, repensados hoje. Esse resgate de culpa, consequência da omissão na luta concreta de se fazer valer os seus direitos e a proteção social, que lhe garantissem o atendimento digno e respeitoso à sua saúde mental.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Editoria Jornalismo na Correnteza

O mundo que não se revela a quem olha de fora
Uma jornalista às voltas com o serviço social: encantamento e vertigem




 Ana Lúcia Vaz*


Desde junho, trabalho como jornalista no Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro. Minha responsabilidade principal é atualizar o site e produzir as matérias para a revista PRAXIS. Neste pouco tempo, já pude participar de alguns eventos e debates significativos da categoria, como o Encontro Nacional do Conjunto CFESS/CRESS.

Há sempre, nesses encontros, um sentimento ambíguo, de reconhecimento e estranhamento. Em alguns momentos, me sinto revivendo a militância estudantil dos anos 80. Em outros, recapitulo experiências dos quase dez anos de imprensa sindical.

Atualmente, estou mais envolvida com lideranças de movimentos sociais de favela e ocupação urbana. São pessoas que trazem questões bem concretas da vida, do mundo que pouco enxergo com meus próprios olhos. Ainda assim, ouvir assistentes sociais tem sido uma experiência única para conhecer aspectos, em geral invisíveis, do mundo ao meu redor.