NAS RUAS, O EXÍLIO DOS INCONSCIENTES:
Será possível "forçar portas, inventar saídas"?!
Museu do Insconciente: Obra de Davi Pereira da Silva
Sem título - Outubro 2000 Óleo sobre eucatex 55 x 71 cm
"O osso da fala dos loucos têm lírios"
Manoel de Barros
Nelma Espíndola*
O seu codinome era Coronel, seguido da alcunha de "Fura Poço". A imagem desse homem com quem convivi num certo período de minha adolescência me veio à mente. As lembranças me chegaram, num misto de saudade, ponteada de tristeza e enternecimento.
Um velho negro, andarilho das ruas de meu bairro àquela época. Um ser
social simbólico, que fazia dos seus delírios uma afirmação de existência.
Vivia a sua história personificada de “coronel”, cujo uniforme militar, se
compunha de um casaco azul, calça comprida, botas e um quepe, ganho de alguém
que alimentava o seu devaneio. Nada simbolizava um uniforme autêntico. O
visível em suas vestimentas era só o desgaste feito em cada peça, com o
tempo. No peito de seu casaco, muitas
fitas amarradas com medalhas e latas penduradas. Nunca vi nenhum familiar dele.
Sua casa por vezes era nas calçadas ou na praça.
Hoje, percebo, que de fato, eu, meus amigos e todos os que o ajudavam, de
algum modo, se constituíam em membros de sua família, mesmo que para ele e para
nós, naquele dado momento essa representação social nunca tenha se clarificado.
Talvez esse sentimento seja a
manifestação da impotência e ignorância, repensados hoje. Esse resgate de culpa,
consequência da omissão na luta concreta de se fazer valer os seus direitos e a
proteção social, que lhe garantissem o atendimento digno e respeitoso à sua saúde
mental.