terça-feira, 25 de maio de 2010

Estranha Semelhança com a Utopia

Pela memória e pela vida


Jefferson Ruiz*


Fernanda Montenegro

A Ordem dos Advogados do Brasil (RJ) lançou, recentemente, a campanha “Pela memória e pela vida”. Com seis atores consagrados representando vítimas da ditadura brasileira e solicitando providências, a campanha se situa na contramão da afirmação comum de que “brasileiro não tem memória”.
Flávia Piovesan e Hélio Bicudo apontam a importância do direito à memória:

“O direito à verdade assegura o direito à construção da identidade, da história e da memória coletiva. Serve a um duplo propósito: proteger o direito à memória das vítimas e confiar às gerações futuras a responsabilidade de prevenir a repetição de tais práticas”.


José Mayer

O Estado brasileiro está sendo julgado neste mês de maio pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão do sistema interamericano de proteção a estes direitos, pela falta de providências em relação aos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. O Tribunal está instalado em San Jose, capital da Costa Rica, na América Central.

A denúncia a estes órgãos internacionais é recurso ainda pouco conhecido por trabalhadores e movimentos sociais brasileiros. Ele pode ser utilizado sempre que um determinado direito é recorrentemente desconsiderado pelas ações estatais ao longo de determinado período, e desde que tenha havido tentativas nacionais de denúncia e resolução da demanda por parte dos que tiveram seus direitos aviltados. Havendo condenação, são previstas sanções e/ou recomendações para o país e possíveis indenizações a eventuais vítimas. Recentemente o Estado brasileiro já se viu constrangido a explicar a pavorosa situação de presídios no Espírito Santo. O Conselho de Direitos Humanos do Espírito Santo, presidido pelo advogado Bruno Souza (assessor jurídico do CRESS-ES), integrou a delegação brasileira que denunciou, em Genebra (Suíça), tal situação à ONU.


Glória Pires

Mesmo com denúncias públicas dos absurdos cometidos pela ditadura brasileira (o excelente livro “Brasil, nunca mais” documenta vários deles), no período posterior à redemocratização nosso país não teve grandes mobilizações populares em torno da recuperação desta história e da eventual punição de responsáveis por torturas, desaparecimentos e outras medidas tomadas à época pelo Estado repressor. Países latinoamericanos como Argentina e Chile têm maior atenção com tal recuperação, ainda que tenhamos no Brasil bravos lutadores, como os que se reúnem em torno do grupo “Tortura Nunca Mais” e outras organizações.


Osmar Prado

É fácil demonstrar como o Estado brasileiro, em seus diferentes poderes, demonstra seu descaso por estas questões. Recentemente o Supremo Tribunal Federal rejeitou, por 5 votos a 2, ação da própria OAB que visava qualificar a interpretação de que a Lei de Anistia aprovada ao final da ditadura no Brasil isentava a recuperação de arquivos secretos e eventual punição de medidas tomadas pelo comportamento estatal e pelas forças repressivas. Cezar Britto nos lembra que tais reivindicações não caracterizam revanchismo, nem tentativa de revogação da Lei anterior: a anistia cumpriu seu papel na transição relativamente pacífica para a democracia. Mas lembra o autor: “não pode ser ela utilizada para impor a amnésia a toda uma sociedade, sobretudo por que só se pode propor esquecimento ao que se conhece”. Afirma, ainda, com razão, que agentes do Estado que promoveram torturas e assassinatos o fizeram fora do campo do embate político previsto pela Lei de Anistia. Em abril deste ano setores militares que não apoiaram o golpe de 1964, e por isso foram punidos, compartilhavam desta visão, argumentando que crimes comuns e de tortura pelos agentes do Estado são nulos e impassíveis de anistia.

Se o Brasil for condenado no Tribunal de San Jose deve-se instalar novo debate sobre a validade jurídica da decisão do STF.


Mauro Mendonça

O Programa Nacional de Direitos Humanos III institui a Comissão da Verdade, que supostamente terá acesso aos documentos deste período da história brasileira para apresentar um relatório à nação. Infelizmente, o PNDH não se refere à punição de eventuais torturadores, como a própria Alemanha se propôs após o holocausto nazista, que vitimaram milhões de judeus, pessoas com deficiências, homossexuais e outros segmentos populacionais.

É correto e necessário apoiar quaisquer ações que visem recuperar a história do país negada às gerações seguintes. O episódio acima citado do Espírito Santo demonstrou o quanto a demonstração precisa de crimes cometidos pelo Estado pode fazer resgatar a necessidade de construção de um mundo justo. Necessariamente, ele deve superar não apenas os valores autoritários e arbitrários de quaisquer ditaduras. Como pretendo dialogar no próximo artigo para o blog, tal construção implica em também superar valores capitalistas que alteram acesso a demais direitos humanos pelas diversas populações, fundamentalmente aquelas que pertencem às classes trabalhadoras.


Eliane Giardini

Sobre as citações

. As citações a Flávia Piovesan, Hélio Bicudo e Cezar Britto compõem artigo deste último, denominado “O direito à memória e à verdade”, publicado na revista Direitos Humanos 05, Especial PNDH-3. Ela me foi gentilmente enviada pela assistente social Teresa Joana de Castro Azevedo, do Rio de Janeiro, a quem agradeço publicamente. Descobri, há pouco, que seu conteúdo está disponível em:  
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/Revista-DireitosHumanos-n-5.pdf  

Segue uma parte da imagem de capa:


. O livro “Brasil, nunca mais” foi organizado por D. Paulo Evaristo Arns. Ele pode ser facilmente encontrado em pesquisas pela internet e em diversas livrarias. O link http://www.dhnet.org.br/memoria/nuncamais/index.htm#nunca traz mais informações a respeito.


. A citação aos militares que divergem da concessão de anistia a crimes e torturas praticados por agentes do Estado foi retirada da editoria de direitos humanos do site Agência Carta Maior. Segue o link: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16530&editoria_id=5


. Por fim, a campanha da OAB-RJ pode ser acessada em conteúdos adicionais aos filmes aqui reproduzidos em www.oab-rj.org.br e o abaixo-assinado que a compõe está reproduzido no link http://www.oab-rj.org.br/forms/assinaturas.jsp



Jefferson Lee de Souza Ruiz é bacharel e mestrando em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Profissionalmente, atua como assessor político da direção do Conselho Regional de Serviço Social-RJ.

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