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"Você
vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?"
Friedrich Nietzsche
Nelma Espíndola*
Uma frase criada recentemente pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) diz: "O importante
não é dar anos à vida, mas sim vida aos anos". E a traduz como sendo
importante não a longevidade mais a qualidade de vida. Um quesito que nem
sempre é alcançado pela massa de velhos das camadas populares no Brasil e no
mundo.
Li há pouco tempo na Revista Época, um artigo da jornalista e escritora Eliane Brum, publicado
em 20/02/2012, com um título que chamou minha atenção - Me chamem de velha / A velhice sofreu uma cirurgia plástica na
linguagem. Através dele, faz uma reflexão muito interessante sobre o uso da
palavra "idoso" ao invés de "velho", a troca do termo
"velhice" por "terceira idade" ou "melhor idade".
Este último eufemismo é o pior de todos, segundo ela. Quer que a chamem de
velha, quando as rugas se fizerem presentes em seu rosto, mesmo que isto
signifique a proximidade da morte, pois "quer viver sua morte". Não
quer que a morte lhe seja roubada, apesar de ser uma realidade
"duríssima", pois isto significaria o "sequestro da
velhice".
Brum acha que a palavra "idoso" é uma palavra
"photoshopada, ou quem sabe, um "lifting" completo foi feito na
palavra "velho". Concordei, de imediato,com suas interessantes e
espirituosas considerações, e farei de tudo para não mais usar a palavra idoso,
mesmo que seja utilizada por muitos estudos técnicos.
Outro aspecto curioso em sua
argumentação é quando ela alerta para a "domestificação da velhice pela
linguagem" na atual conjuntura. Basta pensar no culto da eterna juventude,
em que se pretende nascer e morrer adolescente, porque esta é a lógica disseminada
pela ditadura da beleza, alimentada
através do consumismo. Nesse new world, a cosmetodologia, a plástica e a
estética são as protagonistas da vida de quem quer fugir da velhice, à medida
que se aproxima essa fase da vida.
Compartilho a mesma expectativa da escritora: quero
viver minha velhice, embora não seja uma etapa fácil. É dura, difícil mesmo,
mas faz parte da existência de quem a alcança.
Sabemos de relatos de violência, discriminação, desprezo e desrespeito
na vida de muitos velhos. Negação de todos os seus direitos é, muitas vezes, um
fato incontestável, pura falta de desumanidade praticada pelos que esquecem que
um dia serão velhos também.
Tenho a consciência de que a solidão pode ser uma
certeza na velhice. Daí penso no que Gabriel García Marquez disse: "O segredo de uma velhice agradável consiste
apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão".
Simone de Beauvoir, em seu livro A Velhice (1970), trouxe a reflexão que quando não se respeita uma
pessoa, em sua integridade emocional, intelectual e material, ela é excluída da
sociedade pelos governos, instituições, famílias e pessoas em geral. Os grupos
mais excluídos são, em geral, as crianças e os "velhos".
A velhice é o desfecho de uma trajetória , com seus encantamentos
e experiências, a qual pode nos trazer a sabedoria de maiores acertos. A
paciência torna-se uma lição, quando a espera é necessária para melhores escolhas.
A grande questão é que, quando somos "jovens", o ímpeto de viver não dá espaço e tempo para se
ouvir a "experiência" e dela tirar o que se tem de melhor. Penso que
estão certos os indianos e japoneses, que dedicam aos que chegam à velhice toda
a valorização e cultivo aos seus saberes e vivências. São eles os indivíduos
mais importantes da família.
Vemos ainda
como pode ser saborosa a opção de descompromisso que se pode usufruir na
velhice, aquela de não necessariamente termos mais que levar a vida com tanto
rigor. Podemos vê-la assim mais pelo lado do humor do que pela tragédia. Talvez este meu pensamento esteja imbricado de uma
realidade pouco comum. Mas tive ao meu lado uma Vó, como ela mesma se definia,
"positiva", no sentido de dizer sem pudor o que pensava, associada a
uma constante dose de humor, que sempre me fez vê-la à frente de seu tempo. Além
disso, tenho muito próximo a mim uma turma entre os 80, 70 e 60 anos, com a
qual me deleito, pelo que cada um que dela faz parte traz, em si mesmo, e me
oferece ora com prazer ora com impaciência, mas, sobretudo, com o respeito
ofertado mutuamente. Já estou próxima dos 50 anos e devo confessar que me
surpreendo muitas vezes, quando me deparo com os que vi crianças e hoje, são adultos, pais e mães.
Vejo que o tempo se vai, sem volta... Passa... passa...
Mais um ano está por terminar e a capacidade de persistir
por mais dez anos na maturidade vai se fazendo uma nova forma de determinação
na minha vida. Com prazer saboreio esta esperança, já fazendo minhas tiradas de
humor com o que já não faço mais com a mesma rapidez e perspicácia de vinte
anos atrás. Sinto-me feliz, porém, porque ainda sonho! E muito!
Posso morrer de repente, mas há a grande possibilidade
de me tornar uma velha, em 2025, engrossando a projeção de que nesta década o
Brasil será o sexto país mais envelhecido do mundo, conforme informa a
pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e
Vice-presidente do Conselho Nacional do Idoso, Ana Amélia Camarano, com base
nos resultados do Censo 2000. Em seu livro Os Novos Idosos Brasileiros - Muito Além dos 60?, Camarano traçou um perfil dessa
nova velha geração.
Por isto, não resisto e exercito a provocação de
Eliana Brum, fazendo minhas suas palavras: "Velho é uma conquista. Idoso é uma rendição".
MAIS É PRECISO QUE SE DIGA:
O mundo terá mais de 1 bilhão de "idosos" , daqui há dez anos, diz a ONU
Em reportagem da BBC Brasil, focalizou-se um relatório
de uma agência da ONU com previsões
sobre o perfil demográfico global, que reflete o aumento da expectativa de vida
em diversos países do mundo. O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na
sigla em inglês) sinaliza que a tendência é que os (idosos) "velhos"
constituam em breve maior número que os jovens. E aponta que já em 2000, esta
população no estágio da velhice superou pela primeira vez o número de crianças
com idade inferior a cinco anos. Sua previsão é de que, em 2050, o número de
pessoas com mais de 60 anos vá superar também a população de jovens com menos
de 15 anos.
A UNFPA sinaliza que o envelhecimento da população
será mais perceptível em países emergentes. A estimativa é de que 66% da
população acima dos 60 anos vivam em países em desenvolvimento. Em 2050, esta
proporção subirá para 80%. A agência da ONU diz que o aumento da expectativa de
vida no planeta é "motivo de celebração", mas destaca que "as
implicações sociais e econômicas deste fenômeno são profundas, estendendo-se
para muito além do idoso e sua família". O desafio será encontrar
políticas públicas para lidar com o envelhecimento desta população nas próximas
quatro décadas. A previsão é de que no Brasil este número de envelhecidos
triplique de hoje até 2050, passando de 21 a 64 milhões. A partir dessas
previsões, os 10% de pessoas mais velhas existentes hoje na população
brasileira, em 2050, passaria para 29%.
O relatório sugere a adoção de novas políticas,
estratégias, planos e leis específicas para os mais velhos. Ao contrário do que
se pensa, há a constatação de que 47% dos homens acima dos 60 anos e 23,4% das
mulheres na mesma faixa etária participam da força de trabalho, contribuindo ou,
por vezes, sustentando suas famílias. Em países como o Brasil, México, Estados
Unidos e Uruguai, essa contribuição financeira dada pelas pessoas mais velhas,
segundo a UNFPA, é essencialmente maior do que a que eles recebem.
Qual será a realidade a ser vivenciada, quando as
condições físicas não mais os deixarem integrar a força de trabalho? Apenas um
terço dos países do mundo, que somam 28% da população mundial, dispõe de planos
de proteção social para esta população.
O Brasil, o
jovem país velho
A ADIADA ENCHENTE
Velho, não.
Entardecido, talvez.
Antigo, sim.
Me tornei antigo
porque a vida,
tantas vezes, se demorou.
E eu a esperei
como um rio aguarda a cheia.
Mia Couto
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) apontou, com base no resultado da Pesquisa Nacional por Amostra por
Domicílio (PNAD) de 2011, que a questão previdenciária também é apontada como o
principal problema decorrente do envelhecimento. No olhar do geriatra Fernando
Bignardi, coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento da UNIFESP, todo o
processo de cálculo de aposentadoria foi previsto para pessoas com até 70 anos.
Hoje, vive-se mais, o que proporciona, segundo ele, um "furo no
cálculo" desse benefício. É preciso garantir uma renda mínima para as
pessoas que envelhecem. Outro problema apontado por ele é que a medicina tradicional
não se preparou para atender os (idosos) velhos, pois a cada diagnóstico,
um tratamento é dado, o que faz ser comum, para cada um deles a prescrição de
80 cápsulas de medicamentos por dia.
A OMS e a ONU adotam o seguinte critério biológico
para classificar o envelhecimento:
- Meia idade = 45 a 59 anos;
- Idoso = 60 a 74 anos;
- Velho = 75 a 89 anos; e
- Muito velho = acima dos 90 anos.
O geriata Paulo Camiz, professor da Faculdade de
Medicina da USP, ressalta que faltam programas
de prevenção da saúde e quando se chega à velhice, a condição de saúde é muito
ruim. Chama a atenção sobre a necessidade de se criar um trabalho educacional
amplo, para que o Brasil atinja esse estágio, de forma que as pessoas velhas
não sejam mais vistas como "estorvos".
O Dia do
Idoso, no Brasil: 01 de outubro
A ONU desde 1982 vem se posicionando na
abordagem dessa fase de "transição do processo demográfico único e
irreversível", que é o envelhecimento da população mundial, devido à
diminuição das taxas de fertilidade. Em 1982 foi convocada a primeira
Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento, sendo a segunda
realizada em 2002. Em 1991, Assembleia Geral adotou o Princípio das Nações
Unidas em Favor das Pessoas Idosas, com a enumeração de 18 princípios,
dentre eles: a independência, participação, cuidado, autorrealização e
dignidade. De acordo com o Plano de Ação, em reunião na Conferência
Internacional sobre o Envelhecimento, no ano de 1992, foi adotada a Proclamação
do Envelhecimento. Seguindo a recomendação da Conferência, a Assembleia Geral
da ONU declarou em 1999, Ano
Internacional do Idoso, o dia 1º de Outubro como o seu dia. O objetivo foi chamar
a atenção do mundo para o envelhecimento da população e criar mecanismos para
garantir o amadurecimento saudável e digno das pessoas com mais de 60 anos. O
Brasil seguiu esse propósito, criando o Dia Nacional do Idoso.
De acordo com o envelhecimento da população brasileira, os investimentos em benefícios assistenciais vão crescendo. Atualmente, há uma oferta de atendimento nos equipamentos de proteção social básica e especial, para os velhos que se encontram em situação de vulnerabilidade ou sofrem violações de direitos.
Mas sabe-se que, conforme a realidade nacional,
é preciso haver uma implementação de políticas públicas que atendam às demandas
desse segmento por saúde, previdência e assistência social, com base nas prerrogativas
da Constituição Federal de 1988 e da LOAS, que ensejou a Política Nacional de
Assistência Social e aponta o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como aquele
que deverá unir para garantir, a universalização de direitos à
proteção social fundada na cidadania.
É preciso olhar o envelhecimento, em sua
complexidade e heterogeneidade, pois este comporta distintas questões de gênero, classe
social, religião e etnia. Segundo dados do Censo 2010, vai se confirmando a
tendência da "feminização" da velhice, pois em números absolutos o
registro é de 96 homens para cada 100 mulheres, sendo apenas a região norte do
país a mais jovem em população, com maior número de mulheres para cada homem.
Hoje, mais de 1,7 milhão de pessoas acima dos 65
anos recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é financiado pelo
Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS). O BPC garante
o valor de um salário mínimo às pessoas com deficiência e pessoas idosas,
com renda familiar abaixo de um quarto do salário mínimo, que não recebem
aposentadoria, ou outro benefício, exceto a saúde. Anualmente, o MDS investe R$ 27,5 bilhões no pagamento
do BPC para quase 4 milhões de brasileiros, somando idosos e pessoas com
deficiência. Já o Programa Bolsa Família é pago atualmente a 824.512 pessoas
idosas.
Ampliação de serviços – Além de garantir renda e
outros benefícios às pessoas idosas, o MDS também tem ampliado continuamente o
atendimento aos maiores de 60 anos que estejam em situação de vulnerabilidade
ou sofram negligência, maus tratos, abusos, violência física e psicológica ou
qualquer outro tipo de violação de direitos.
Vicente de Paula Faleiros, professor da UnB e da
Pontifícia Universidade Católica de Brasília, destaca dois momentos importantes
no Brasil no trato da população na fase da velhice. O primeiro em 1994 com a
criação do Conselho Nacional do Idoso, seguido pela aprovação do Estatuto do
Idoso, em 2003. Este último trouxe o referencial para a criação das políticas
públicas voltadas para esta população e a dimensão de seus direitos.
Faleiros avalia ainda a necessidade de se
investir no "envelhecimento ativo" dessas pessoas, e o aumento do
nível de comprometimento dos gestores. Ele acredita que "estamos na
direção correta". “É preciso que as cidades promovam a participação e
atividades voltadas para a pessoa idosa”, diz.
Deixo aqui a minha homenagem e respeito a todos
os velhos, com os quais convivo, àqueles que encontro casualmente nas ruas, nos
ônibus e no cotidiano da minha vida. E agradeço cada sorriso largo que recebo
de cada rosto marcado pela vida.
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* Nelma Espíndola –
é assistente social, webmaster do Blog Mídia e Questão Social, atua como assessora da Presidência
do PREVINIL / ANEPREM.
ARTIGOS
- "Me chamem de velha" - Eliane Brum - Revista Época,
20/02/2012.
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/02/me-chamem-de-velha.html
- "Sociedade – A nova velha geração" - Revista Desafios
do desenvolvimento, 32ª Edição, mar/2007.
- ONU EM AÇÃO
- "Em dez anos, mundo terá mais de 1 bilhão de idosos",
diz ONU
VÍDEO
- Reflexões sobre o Idoso - Vlog do Fernando
MÚSICA
É / O que é o que é - Gonzaguinha
http://www.youtube.com/watch?v=SlcHRLNfQ9g
“Sapato Velho” – Roupa Nova
Querida Nelma, gostei do enfoque que deu ao seu artigo. Concordo com você e Eliana Brum, que não devemos ter medo das palavras. Certos eufemismos apenas pasteurizam realidades e escondem as suas distorções.
ResponderExcluirSe no passado a sabedoria dos « antigos » tinha muitas vezes o peso do conservadorismo, a ode incessante ao « novo », hoje, por sua vez, esvazia completamente o papel da tradição, da experiência e da transmissão, anulando reciprocidades intergeracionais. E temos um paradoxo: temos mais do que nunca investimento em qualidade de vida, para vivermos mais tempo e melhor, no entanto depois desprezamos as « pessoas que vivem mais »: usurpamos delas qualquer chance de prolongamento da sua vida produtiva, condenando-as a um afastamento progressivo da "pólis", o que concorre para uma perda brutal de autoridade e legitimidade.
No quadro atual, os velhos devem permanecer, não porque são importantes, têm algo a dizer e podem permitir que os jovens entrem mais cadenciadamente na vida adulta. Não, hipócrita ou cinicamente, o sistema diz que eles devem permanecer ativos apenas para demorarem a receber a aposentadoria, ou seja, por uma razão monetária dos cofres públicos. Se são repelidos da vida produtiva, desqualificados subrepticiamente em virtudo do elogio intenso aos jovens, como conceber ainda que continuem vivendo e sobrevivendo com nada ou tão pouco, apenas para se solidarizar com as contas públicas, justamente eles que já fizeram tanto pela sociedade e pelo país?
Podemos evocar em contrapartida a importância de se ceder outro tipo de espaço aos « velhos » : um autêntico e valorizado espaço simbólico. Nisso, um dos maiores diretores de filmes de animação no Japão, Hayao Miyazaki [Totoro, Ponyo, Kiki, a feiticeira, Viagem de Chihiro…], é mestre: em cada filme seu, há crianças, adultos e idosos, com suas rugas, sua locomoção mais restrita, mas em contato com as crianças. Não estão ali para apavorar, longe disso, mas para dizer que essas pessoas também fazem parte da sociedade e têm um papel, inclusive na saúde mental dessas crianças, cujo ego não se desenvolverá dilatado e distorcido, alimentado apenas por autoreferências superficiais e egoístas.
Pode, assim, haver um respeito profundo na forma de incluí-los na paisagem, não só da dura realidade, mas também dos sonhos: território dos vínculos, da troca e da esperança.
Parabéns, Nelma, por nos inspirar e por defender com tanta argúcia esse bom combate! Grande abraço,
Mione Sales*
Editoria Volta do Mundo]