domingo, 29 de janeiro de 2012

Editoria Equipe Mídia e Questão Social

21 de janeiro Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

Por uma cultura ecumênica: um sonho da democracia




O Brasil do século XXI encontra-se em pleno processo de transformação econômica, tecnológica e educacional. Parece, porém, que ainda falta muito para galgarmos alguns degraus emancipadores – em âmbito político, cultural e social - na desafiante pirâmide dos direitos humanos. Nossa história recente, infelizmente, tem reatualizado com folga o velho drama da corrupção e seu par indispensável, o cinismo quanto à dilapidação do patrimônio público.

Uma nova chaga é a da questão ecológica. Não sabemos se por ignorância, ingenuidade ou puro desleixo, desmatamos, inundamos, deixamos desabar, ameaçamos especies e dizimamos grupos étnicos. Cedemos à cultura voraz da máquina e à pressão do dinheiro. Não podemos parar. Não podemos planejar. Logo, não podemos fazer diferente, como bem sinalizava a professora Nobuco Kameyama, em suas aulas magistrais sobre « Análise de Políticas Sociais ». Não podemos, assim, imprimir nosso ritmo nem nossa bela marca no futuro da humanidade. Preferimos nos deixar arrastar pelos receituários e torrentes econômicas globalizantes.


Eles passarão, eu passarinho… 

No terreno dos movimentos sociais e da cultura, 2011 foi um ano atravessado por denúncias e avanços na mobilização nacional contra a homofobia. No entanto, crimes continuam a ser perpetrados. O machismo latino-americano vitima mulheres e também homossexuais, vide o recente caso do professor de Tocantins, Cleides Amorim. Não há, pois, por que tergiversar: o nome disso é intolerância. Modelos arraigados de gênero debatem-se nutridos por ódio e conservadorismo. Relações sexuais e de gênero mais libertárias são vistas como ameaçadoras, logo, segundo o tacanho ponto de vista do nosso Brasil profundo, precisam ser eliminadas. Felizmente, a resistência existe. Professores e jovens tem se sensibilizado aos dramas de outros jovens país afora, abrindo-se ao diálogo e a uma convivência mais diversa e plural. « Eles passarão, eu passarinho… », como inspiradamente brincava o poeta Mario Quintana.


Bate macumba …

Outra grave expressão do fenômeno da intolerância encontra-se no terreno das religiões. De uma convivência histórica e matreira com nosso catolicismo bonachão e pouco exigente, e de umas querelas pontuais entre vizinhos pouco afeitos aos batuques espirituais africanos, o Brasil passou a ser açodado, intensivamente, a partir dos anos 80 e 90, por vagas petencostais e evangélicas que mudaram as coisas de figura. Como instituem rígidos modelos de comportamento aos seus fiéis, ressuscitam conjuntamente todo um cardápio moralista obsoleto e precisam erigir «bodes espiatórios ».

Cultos afrobrasileiros, candomblé e umbanda, tornam-se, assim, vítima fácil do preconceito homogeneizante e cinza do evangelismo anglosaxão, em suas expressões mais medíocres e comerciais, que usa do direito de concessão pública de transmissão em emissoras de rádio e televisão para pregar o ódio e a intolerância religiosa.

Por uma fé viva e sã…

Pode-se « andar com fé », como canta Gilberto Gil, mas ciente de que cada cidadão tem o direito de professar a sua religião e fé. Ninguém é igual. Nesse território, somos positivamente desigualmente diferentes.

Foram, todavia, exemplos concretos e reiterados de intolerância religiosa, mais precisamente uma sucessão de ataques e desrespeitos às comunidades e adeptos do Candomblé e Umbanda, que levaram várias entidades, mais o Ministério Público Federal, a entrar na justiça contra a TV Record. A Justiça concedeu o direito de resposta, mas ao final uma liminar recorreu da decisão, protelando a ida ao ar de um programa de entrevistas em vídeo com várias personalidades, militantes e intelectuais do mundo da cultura, movimentos sociais e entidades religiosas, pronunciando-se a respeito do repudiável fenômeno da intolerância religiosa.

Nós, equipe do Blog Mídia e Questão Social – de orientações confessionais diversas, incluído o ateísmo -, solidarizamo-nos à população brasileira que tem vinculações com as práticas religiosas ofendidas e emprestamos nosso espaço virtual para contribuir para transmitir esse vídeo-resposta: importante eco de um grande grito por liberdade ecumênica. Confiram também os esclarecedores depoimentos de nossos articulistas: Claudia Correia, Nelma Espíndola e Leandro Rocha.


Equipe Blog Mídia e Questão Social
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Vídeo gravado para ser exibido na TV Record, como direito de resposta das religiões afrobrasileiras contra ataque sofrido na programação da emissora.


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Salve 21 de janeiro!

O combate à intolerância religiosa e a resistência política
afrobrasileira em solo baiano




 Claudia Correia*


Temos aqui na Bahia um cenário rico, onde a diversidade cultural e religiosa compõe o nosso patrimônio, a nossa identidade e a nossa visão de mundo. Mas os episódios de discriminação racial e religiosa são comuns. A maioria deles envolve o povo de santo e os terreiros de candomblé e de umbanda.

O terreiro Zogbodo Male Bogum Seja Unde, a Roça do Ventura, em Cachoeira, foi invadido e teve parte de seu acervo destruído, numa disputa fundiária com um grupo empresarial. Em 2011, a Casa obteve uma liminar que sustou o processo de agressão, mas ainda não tem garantido o pleno direito ao seu território, nem a paz para manter sua tradição centenária.

Em 21 de janeiro de 2000, a Ialorixá Gildásia Santos, do Terreiro Abassá de Ogum, em Salvador, faleceu de um infarto, após viver dias de muita angústia e perseguição. Ela teve sua imagem depreciada na capa do jornal da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Sua filha, Mãe Jaciara, finalmente ganhou uma ação judicial contra a IURD e conseguiu o apoio do movimento negro e muitos segmentos sociais de toda a Bahia.

Para homenagear Mãe Gilda, como era conhecida, o dia de seu falecimento foi escolhido para ser o Dia Municipal de Combate à Intolerância Religiosa (Lei 6.464/04 de autoria da vereadora Olivia Santana, do PC do B) e Salvador foi a primeira capital a celebrar a data. Em seguida foi criada a Lei 11.635/07, de autoria do deputado federal Daniel Almeida (PC do B-Ba), que institui o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, incluído no calendário cívico nacional.

Mas afinal para que serve este dia? Para refletir, homenagear líderes e grupos que resistem, articular aliados políticos e difundir os princípios da liberdade de expressão, da democracia, da cultura da paz.

Segundo a Declaração de Durban, aprovada em 2001, na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, “o Estado é responsável pela garantia de igualdade de direitos entre todos os cidadão, o que inclui as liberdades de expressão e de culto religioso .Laicidade não significa omissão. Todos os indivíduos tem o direito de adotar uma crença, de mudar de crença, ou de não ter nenhuma. A laicidade do Estado não é, portanto, uma convicção de crença entre outras, mas a condição primária da coexistência, entre todas as convicções no espaço público”.

Assim, vamos disseminar o respeito a todas as expressões religiosas, a convivência pacifica entre todos os credos e construir uma nação plural e democrática, sem discriminação !

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Direito de resposta
uma estratégia contra o preconceito e por uma cultura da paz




“As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto.
 Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes,
desde que alcancemos o mesmo objetivo ?          
MAHATMA GANDHI
Nelma Espíndola**


A “Cultura da Paz” é um dos viéses do exercício da liberdade de expressão, quando se traz ao debate o tema da tolerância religiosa. Muitas vezes, para que isto se efetive, é preciso que o malhete [martelo do juiz] soe forte, assegurando o direito e a liberdade de todo os sujeitos sociais na escolha da religião a que mais lhe apeteça a fé.

A TV comercial aberta é o veículo de comunicação, ainda hoje, de maior audiência, logo é também a que mais “invade” o espaço privado, de quem assim a permite, ou, dos que veem nela a possibilidade de acesso à informação, à cultura e à “educação”.  Ou simplesmente não têm outra opção. Por meio dela, muitos conceitos e preconceitos são disseminados, sem que seja percebido claramente por quem a utiliza apenas com o intuito de obter informação.

Claro que existem iniciativas pontuais de qualidade, onde há a liberdade de participação popular na construção de sua produção midiática, ou o acesso à exibição da produção independente. É fundamental, porém, que saibamos que um veículo de comunicação se torna democrático e estimula o exercício do direito à liberdade de expressão, num prisma de ética e respeito, a partir do momento em que seu controle social é feito pelos que os assistem, leem e ouvem: ou seja, nós, cidadãos! Este é um dos fatores básicos para uma qualidade de vida, numa sociedade que busca ser democrática de direitos, mas extensivos a todos, indiscriminadamente.

Vejo o direito de resposta concedido às entidades Centro de Estudos das Relações  de Trabalho e Desigualdade – CEERT, ao Instituto Nacional de Tradição e Cultura Brasileira – INTECAB e ao Ministério Público Federal, em oposiçao aos atos discriminatórios recorrentes das religiões afrobrasileiras pela TV Record, como mais um passo adiante na efetivação da Campanha Nacional  de Combate à Intolerância Religiosa.

O programa « Diálogo das Religiões » mostra-se como um ícone a ser seguido em matéria de instrumento de debate sobre a diversidade religiosa no Brasil e no mundo. Em nosso país, as culturas de matriz africana fazem parte de nossa história e nos deram a possibilidade da diversidade que muito nos enriquece social, cultural e espiritualmente.


Outro impactante fato de intolerância religiosa na TV

Em 1995, um ato de grande repercussão teve como foco a Igreja Católica, na ocasião da comemoração, em 12 de outubro, do dia da santa padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida.  No programa  “Despertar da fé” e “Palavra de Vida”, o bispo Sérgio Von Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus, chutou e deu socos em uma imagem de Nossa Senhora Aparecida.  Houve à época ato de protesto  na Catedral de Aparecida. Alegou-se, para minimizá-lo, que o, então,ato se consistia em um protesto contra os feriados católicos, com base no preceito constitucional de que o  Brasil  é um Estado laico. 

Fazer valer o direito de resposta após um ato de agravo, depreciação e humilhação pública é agir contra  a perpetuação  de um estigma, rompendo efetivamente a “cultura do silêncio”.
Em nossa Constituição Federal  de 1988 no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos,  no Art. 5º, inciso V, está dito: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Faço destaque para o inciso VI que traz:  « é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”.

O Código Penal Brasileiro em seu Artigo 208 afirma: “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; expedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto reliogioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Pena de detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa. Parágrafo único – se há violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo de correspondente à violência ».

O movimento contra a intolerância religiosa vem ao longo dos últimos três anos ganhando, assim, forma e consistência.  Em 2008 foi entregue à Presidência da República o Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Em 18 setembro de 2011, aconteceu em Copacabana a IV Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, onde se reuniram umbandistas, candomblecistas, mulçumanos, católicos, judeus, protestantes, espíritas (que muitos identificam como kardecistas), além de adeptos do Santo Daime, hare krishnas, entre outros. Inicialmente, a caminhada era feita majoritariamente por adeptos da umbanda e do candomblé, hoje, se constitui num movimento em que a diversidade religiosa se faz presente.

Para o babalaô Ivanir dos Santos, a “intolerância é uma semente do fascismo”. Trata-se, segundo ele, de se lutar pelo respeito, pela tolerância e pela cultura da paz, bem como de se buscar a livre escolha da religiosidade, já assegurada constitucionalmente, sem que para isto seja necessário, a todo o momento, recorrer ao “Direito de Resposta”, como  resultado de uma ação de civil pública. Ainda em suas palavras:

Nós não excluímos ninguém. Somos um segmento da sociedade brasileira e tudo que nós fizermos serve para a sociedade no seu conjunto. Foi assim no samba, na cultura popular e a caminhada está se tornando uma causa cidadã porque não é um movimento religioso. É um movimento de religiosos, com cidadania, respeito, dignidade e liberdade.

E nós que lutamos pela democratização da comunicação, almejamos que essa bandeira torne-se, de fato, um princípio ético e politico atuante junto a televisões, rádios e a internet, bens tecnológicos e culturais da humanidade, capaz de fortalecer ali tanto a igualdade como o direito à diferença. Nossa militância é para que os meios de comunicação possam ser artifices e portavozes dos direitos humanos.

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Racistas? Nós?




Leandro Rocha***



“O Brasil não é um país racista”. Esta é a máxima repetida à exaustão em todos os espaços coletivos de nosso país. Nossa sociedade repete isso para si mesma na esperança de que um dia se torne uma verdade, graças ao eco dessa simples cantilena, ou de que um dia se esqueça o que realmente quer dizer o termo “racismo”.

O racismo, assim como a intolerância religiosa e o desrespeito à diversidade, tem sua gênese na ignorância, mas não na daqueles que simplesmente o desconhecem. Seu cerne é a ignorância daqueles que escolhem ignorar. Daqueles que ignoram que a sociedade é diversa e, por este mesmo motivo, rica e fecunda. Daqueles que ignoram que todas as pessoas possuem direitos e, dentre eles o de liberdade de credo. 

Falar sobre a conquista deste direito de resposta e sobre as determinantes que o ocasionaram é antes de tudo falar de racismo, de desrespeito aos direitos básicos contidos na Constituição Federal e em diversos tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário. É falar de pessoas que contrariam a sua própria fé, ao praticarem o ódio e a intolerância em nome da mesma.

Indo além, o ataque às religiões afrobrasileiras pode ser entendido no contexto de um país que ainda não consegue mensurar a importância das contribuições dos diversos povos cuja ação neste território possibilitou que hoje tivéssemos uma nação tão diversa e tão bela em suas várias expressões. Considerar as religiões afrobrasileiras como “menores” é desvalorizar a cultura negra e desconsiderar sua contribuição para a formação da identidade deste país. É um resquício irracional de uma cultura etnocêntrica que remete ao início da aproximação dos pesquisadores europeus dos povos que consideravam à época como primitivos, pelo simples fato de não compartilharem de seus costumes. 

Divulgar esse tipo de ideias e de concepções, em uma emissora de televisão, que trabalha através de uma outorga pública torna a ação mais grave, uma vez que, contrariando sua finalidade, a emissora presta um desserviço à sociedade, ao propagar o preconceito. 

Enfim, este é mais um dos casos que nos trazem a materialização de uma demanda que a sociedade reprime por medo do que verá refletido no espelho: o Brasil infelizmente ainda é um país racista e intolerante! Apenas tem muita vergonha de assumi-lo.

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*Claudia Correia é responsável pela Editoria Caleidoscópio Baiano. Assistente social, jornalista, profª da ESSCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Contato:ccorreia6@yahoo.com.br

**Nelma Espíndola é responsável pela Editoria Web@Tecno. Assistente social, Webmaster do Blog Mídia & QuestãoSocial. Contato: nelmaespindola@gmail.com
***Leandro Rocha é responsável pela Editoria O Efeitor Quixote. Assistente social, pós-graduado em Psicologia Jurídica pela UCAM, integrante da Comissão de Comunicação e Cultura do CRESS-RJ. Contato: e-mail: leorochas@hotmail.com.

Colaboração: Mione Sales, reponsável pela Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta. É doutora em Sociologia (USP), professora da FSS/Uerj e tem M1 em Literatura Comparada (Paris 3 Sorbonne). Contato : mionesales@gmail.com

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LINKS
« Cobertura do Culto Ecumênico dia 21/01/2011 - Diário Oficial do Legislativo – Câmara Municipal de Salvador –BA

« Andar com fé », de Gilberto Gil

« Bat Macumba », Mutantes e Gilberto Gil

Caminhada contra a intolerância religiosa lota Copacabana – vídeo RJ TV

Caminhada contra a intolerância religiosa reúne milhares em Copacabana – Agência Brasil


Inrtevozes  Coletivo Brasil de Comunicação Social – Projetos: Direitos  de Resposta
[http://www.intervozes.org.br/projetos/direitos_resposta/Direitos de Resposta, nome dado a série de 30 programas produzidos em conjunto por seis entidades da sociedade civil organizada, entre elas o Intervozes, e que suspenderam por um mês programa veiculado na emissora Rede TV. Os programas foram ao ar de 12/12/2005 a 13/01/2006, das 17h às 18h. Foi o Direito de Resposta concedido pela Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público Federal e as seis entidades por conta das violações aos direitos humanos, em especial os dos homossexuais, no programa « Tardes Quentes », do apresentador João Kléber. Num fato histórico, pela primeira vez foi interrompido o sinal de transmissão de TV comercial aberta, antes da sentença.]

Sobre o direito de resposta aqui mesmo no Blog Mídia e Questão Social


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