quarta-feira, 28 de maio de 2014

Editoria Web@Tecno - Ano 04

A METAMORFOSE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL
Quando as redes sociais são as coadjuvantes

                                                                                          
  Foto Google - Passeata na Av. Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, em 17/06/2013, 
com mais de 100 mil manifestante.

                                                                                                                                               

                                                                                                                                      POVO NOVO 


                                                                                                                                     "A minha dor está na rua

                                                                                                                                     Ainda crua

                                                                                                                                     Em ato um tanto beato, mas

                                                                                                                                     Calar a boca, nunca mais!

                                                                                                                                     O povo novo quer muito mais
                                                                                                                                     Do que desfile pela paz(...)

                                                                                                                                     Já me deu azia, me deu gastura
                                                                                                                                     Essa politicaradura

                                                                                                                                     Dura,

                                                                                                                                     Que rapa-dura!"

                                                                                                                                                                  Tom Zé

*Nelma Espíndola
                                                                                                           

O mês de junho de 2013 marcou um novo tempo na dinâmica do povo brasileiro em se fazer ouvir. O cantor e músico Tom Zé em sua composição O Povo  Novo,  música feita para esse movimento de protesto diz: "O povo novo quer muito mais / Do que desfile da paz". Trata-se de uma expressão significativa de rejeição a algumas práticas reformistas, que desejam calar as vozes dos que superaram a alienação em fazer valer os direitos sociais. Já vimos muitas vezes, em momentos de tensão política, essa prática ser utilizada por quem tem o poder instituído, quando do exercício de representatividade conferido pelo voto.  Mas é preciso que se entenda que a escolha e legitimação desse poder se situam numa relação entre ética e política, e se estendem do mesmo modo na vida social e profissional de todos os sujeitos sociais.

No contrafluxo do poder, o povo se reveste do direito à rebeldia contra as práticas políticas impostas pelos que o governam. Suas ações contestatórias vão, assim, se espraiando em meio a um cenário de reivindicações e exigências “de um povo heroico”, com seu “brado retumbante”. Brasil, o “gigante deitado em berço esplêndido”, que acorda na primeira década da Nova Era e não quer mais deixar de ser partícipe das decisões da sua história, e luta por plenos direitos sociais e políticos.



                                                                                                         Imagem Google

  
Naquela bela vaga insurrecta de junho do ano passado, os movimentos sociais tiveram como uma de suas importantes ferramentas a internet. As redes sociais passaram, portanto, a ser coadjuvantes dos atos de mobilização e visibilidade instantânea. Há vários estudos, inclusive, sobre essa nova dinâmica, como os do sociólogo espanhol Manuel Castells. Nesse sentido, pode-se dizer, quanto à onda de protestos ocorridos no Brasil em 2013, que houve, sem dúvida, um amadurecimento da sociedade. Expressiva de uma nova compreensão do poder político, a máxima “não me representa” passou a ter popularidade. Segundo Castells, a rua é o palco ideal dos protestos massivos, onde nem políticos, partidos ou patrões têm vez, se o seu objetivo é conquistar ali liderança e poder de mobilização. Em seu lugar, as redes sociais convertem-se em uma teia de ligação para as massas populares.

Palco de eventos mundiais, a acontecerem entre 2014 e 2016, o Brasil tornou-se o cenário ideal de confrontos, o que, de maneira contraditória, traz à luz muitas de suas fissuras históricas: além das desigualdades sociais, o mandonismo local, o fisiologismo e a repressão política das classes trabalhadoras que se opõem ao sistema “gota a gota” de benesses da nossa velha cidadania regulada.



                                                                                                               Imagem Google


Cabe voltarmos ao tema das belas manifestações de rua de 2013, porque toda uma história de lutas ainda vai se desenrolar agora em 2014, com ou sem aparelhos da ditadura militar, como o Ato Institucional n° 5, que, em 1968, proibia as manifestações políticas. Quem viver e nos ler verá.


PODER E POLÍTICA: algumas lições da “correnteza do senso comum”




Tem-se, cada vez mais, uma associação feita, a partir do senso comum, de que política e poder equivalem à corrupção. Ana Lúcia Vaz, aqui mesmo no Blog Mídia & Questão Social, já nos alertou para a força do senso comum, que age como uma correnteza. Portanto, é preciso sabedoria e estratégias para se desvencilhar da pressão que ele exerce sobre a nossa visão dos fatos. Por outro lado, na opinião de Marilena Chauí, ainda é bastante difundida a ideia de que somos livres apenas quando chegamos ao poder.

Mas toda junção de forças comporta também em seu bojo a violência física, cuja legitimidade do seu uso, em tese, cabe apenas aos aparelhos de repressão do Estado. No Brasil, estes aparelhos, no entanto, trazem, em seu seio, métodos e formas de atuação que são resquícios da ditadura militar, expressos com toda clareza e contundência na repressão às diversas manifestações populares, contrárias a várias medidas e práticas políticas dos governos de Estado.


  
Nossa definição do poder, porém, apesar de sentirmos tão fortemente a sua presença, costuma ser vaga. Ele é apontado, em geral, somente como a capacidade ou possibilidade de agir e produzir efeitos. Confundimos também poder exclusivamente com poder político, o que não nos permite  entender a relação da ética com a política. Precisamos compreender, assim, a própria ética, além de sabermos identificar as diferentes concepções de poder. Conforme aponta Foucault, elas são:
                                     
  • O poder como algo que alguém tem, materializado por uma propriedade, um dote natural, ou adquirido pelo próprio esforço e mérito, por intermédio do conhecimento ou pela posse de bens. É imposto pelo proprietário do poder, de fora, aos outros, que não sabem ou que não têm bens; 

  • Ou o poder que não é propriedade de ninguém, mas que só existe enquanto se exerce entre seres humanos. 



Segundo Michel Foucault, o poder nas sociedades modernas não se localiza em um ponto da estrutura social, nem se centraliza no Estado e tampouco se encontra em um outro lugar, isolada e exclusivamente. Para ele, esse poder se constitui a partir de uma rede de micropoderes que se estendem sobre o social, sem partir de um centro.  O poder não se restringe à soberania do Estado e a seus aparelhos repressores. Existe em sua visão uma multiplicidade de correlações de forças imanentes ao seu domínio, onde se exercem e que são constitutivas de sua organização. Ou seja, os micropoderes para Foucault revelam o espraiamento do poder em diversos pontos de rede social. Penso, assim, que é possível reconhecermos a presença ativa desses micropoderes na grande mobilização tecnológica que alimentou as diversas etapas das manifestações de junho: desde a campanha contra os 0,20 centavos do aumento das passagens de ônibus até a resistência representada pelos black-blocks.

A verdade, o conhecimento, a ciência nunca estão acima ou separados do poder, ou seja, não o transcendem. Foucault propõe uma tematização da verdade próxima à de Nietzsche, pois acredita que o discurso da verdade não se obtém como fruto de uma pesquisa "livre e desinteressada". Isso significa que a verdade é sempre a busca "interessada" no poder.


“Eu quero é botar meu bloco na rua”: indignação e esperança...

Filosoficamente, portanto, não podemos deixar de nos perguntar, a título de balanço das Manifestações de Junho de 2013: tudo o que aconteceu expressa uma crise da ética ou uma resistência ética à crise da política? Esta pergunta é difícil de responder, pois é preciso que entendamos o exercício de poder que se situa na relação entre ética e  política, que também se manifesta na ética em todas as esferas da vida de cada ator social.

Todo esse contexto de mobilização da sociedade através das redes sociais da internet é analisado no novo livro de Manuel Castells, Redes de Indignação e Esperança. Interessa-lhe a formação, dinâmica, valores e perspectivas de transformação social desses movimentos. As sociedades são contraditórias e conflitivas, logo há poder e também contrapoder. Isto significa “...a capacidade de os atores sociais desafiarem o poder embutido nas instituições da sociedade, com o objetivo de reivindicar a representação dos seus próprios valores e interesses.” (p.13)

              
       Imagem do Google           


Tinha 14 anos quando participei pela primeira vez de um movimento social, no final da década de 70. Naquela época, confesso que não tinha um senso crítico tão apurado a respeito desse tipo de exercício, o qual, faria parte, posteriormente, com o ingresso na profissão de Serviço Social, de algo infinito de em nossas vidas, a saber: o de fazer política. Naquela ocasião, apenas "engrossei as fileiras" daquele pequeno grupo que contestava o status quo num município da Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro. Nesse ínterim, pouca coisa mudou em sua infraestrutura urbanística. Ele continua sendo um bairro periférico, em que as questões sociais estão presentes em suas mais variadas expressões, do mesmo modo que a violência é também uma de suas marcas registradas.

Mas a esperança não me deixou órfã, do mesmo modo que não deixou todos aqueles que foram às ruas, em junho de 2013, num ato questionador das velhas práticas políticas exercidas pelos que estão com seus mandatos eletivos, mas atuando na lógica da pseudo-representatividade de nós, seus eleitores. A possibilidade de efetiva mudança da prática política pode estar muito próxima da transformação, e é neste ano que ela re-começa.

Cabe resgatar a contribuição de Marilena Chauí, em seu livro Convite à Filosofia, quando discute, de maneira interessante, o significado da palavra política, com todos os seus paradoxos, nos tempos atuais. A conjuntura atual propicia tal abordagem, pois o potencial de desobediência civil se intensifica mundo globalizado afora, em que as redes sociais da internet desempenham um papel ativo nas mobilizações instantâneas.

Procuramos, de imediato, refletir sobre a palavra "política". Temos de pronto uma imagem amarrotada e sem vinco, que, pelo senso comum e o uso extenso de seu significado, tendemos a associar  à corrupção e a atos que, em princípio, não condizem com o que, de fato, ela significa, com tão bem dimensiona Chauí. Mas é interessante pensar sobretudo a política como um exercício que é feito por todos nós a vida inteira. Ela tem sua origem grega: “ta politika”, vinda de “polis” que significa cidades-estados, aquilo que é público. Refere-se também à latina “Res pública”, que literalmente  significa “coisa do povo”.

Vejo, assim, essa essência da gênese do fazer política renascendo através dos movimentos sociais. Junho de 2013 marcou um tempo de grandes mudanças nesse tipo de experiência, pelo menos quanto a um entendimento mais próximo do seu significado filosófico original. O Brasil torna-se assim espelho do que acontece no mundo.

Voltemos à noção de política, em sua origem grega: ta politika, vinda de pólis que significa cidade. O povo, no Brasil, foi às ruas e ocupou as cidades: tanto os jovens, até então, considerados como uma nova massa de alienados, tão imersos quanto perdidos no mundo das novas tecnologias e no ciberespaço, quanto os velhos que, décadas atrás, tiveram uma utopia de um dia viver numa sociedade mais justa e igualitária.



         Imagem Google


Essa transmutação de atos e ideias vivifica-se através desse exercício de participação efetiva de todos esses atores sociais, empenhados efetivamente em decidir o que, de fato, é melhor para o coletivo. Incontestavelmente é seu direito ter acesso à educação; saúde; moradia; infraestrutura urbanística; transporte; cultura, lazer, e indiscutivelmente seu papel de cidadão é político. É momento de se refletir profundamente sobre o que confere sentido à legitimidade do poder de decisão política, quando escolhemos nossos representantes para o parlamento e governos a cada quatro anos. Talvez fique-se confuso, à primeira vista, no momento de escolha, mas vale a pena certamente recorrer à memória. Desse modo, é possível começar a construir novas práticas  e a transformar o  dia de amanhã.
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* Nelma Espíndola - é assistente social, webmaster do Blog Mídia e Questão Social, atua como assessora da Presidência  do PREVINIL / ANEPREM.

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SUGESTÕES




MÚSICAS

- Povo Novo – Tom Zé - http://youtu.be/nKYuBIcQRGE

- Eu Quero é Botar Meu Bloco Na Rua – Sérgio Sampaio - http://youtu.be/rsiAN__ii7E 

- Tente Outra Vez – Raul Seixas - http://youtu.be/8OxlAOvAmZk


- O Sal da Terra – Beto Guedes - http://youtu.be/Kiok0T2WHf4

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