sábado, 1 de junho de 2013

Cinco Dedos de Prosa


Cinco dedos de prosa 


Blog Mídia & Questão Social
_________________________
Entrevista com Beto Moreira e com o Fórum Comunitário do Porto
















Foto: Blog Mídia & Questão Social, 2010.


  “Minha casa, minha vida é o lugar onde eu moro!”
Márcia, moradora do Morro da Previdência


Prezados leitores,

O Brasil começou a “inaugurar” estádios para a Copa do Mundo. Vários deles, segundo a própria imprensa (ver o blog do jornalista Juca Kfouri, da UOL), têm suspeitas e apurações em curso acerca de superfaturamentos. Foram previstos com um custo inicial muito abaixo do que efetivamente já se gastou em sua “modernização”. A imprensa brasileira tem indicado ainda outro efeito destas alterações: a alta dos preços dos ingressos, que tendem a expulsar dos jogos e eventos destes locais segmentos da população que costumavam ter na presença no estádio uma possibilidade de diversão. Outras análises apontam para a grande probabilidade de, em curto espaço de tempo, alguns dos estádios se tornarem inúteis, tendo em vista a baixa utilização prevista para seus espaços.

No Rio de Janeiro, além da Copa do Mundo de 2014, haverá, em 2016, as Olimpíadas. Grandes transformações estão assolando a cidade.

Embora o discurso oficial dos governos e das instituições internacionais prometa deixar “legados”, traduzidos em melhora de condições de vida para a população, não é o que vem ocorrendo. Insegurança, perda de referências culturais, remoções e despejos, autoritarismo na relação com moradores; todas estas vêm sendo práticas e consequências das ações em torno dos jogos que se aproximam.



                               Postal Cress RJ  2013 -  Frente           /      Verso             

O blog Mídia e Questão Social fez contato com o pessoal do Fórum Comunitário do Porto, através de Carlos R.S. Moreira, o Beto, da rede Terceiro Setor e um dos diretores de um documentário sobre estas intervenções. No curta-metragem chamado “Casas Marcadas” (que já obtém repercussão nacional e internacional), é possível perceber o quanto tais processos têm interferido decisivamente no presente e no futuro daqueles que, há décadas, habitam a primeira favela do Rio de Janeiro.

Curta-metragem "Casas Marcadas"  



Com esta postagem, expressamos nossa solidariedade com os moradores da Previdência, da Vila Autódromo, da Aldeia Maracanã e tantos outros locais que vêm sendo atingidos pelas remoções em todo o país, em decorrência dos jogos e dos megaeventos que o Brasil vem sediando. Segundo o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, em levantamento divulgado à imprensa neste mês de maio, já foram removidas, com esta finalidade, 3.099 famílias no Brasil. Outras 7.843 estão ameaçadas de perderem suas casas. Estima-se que 170 mil pessoas estejam nestas condições.


                                              Fonte: Fórum Comunitário do Porto


 

O que levou vocês a escolher a Providência para o documentário?
 
Beto: A primeira vez que estive na Providência foi no segundo semestre de 2011, com um grupo de alunos do curso JPPS (Jornalismo de Políticas Públicas e Sociais) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), coordenado pelo Prof. Evandro Vieira Ouriques. O guia da visita foi o fotógrafo Maurício Hora, morador do local e coordenador da Casa Amarela. Conhecer a Providência foi um marco. É uma vista exuberante da cidade do Rio de Janeiro, indescritível, só indo lá para ver. São 360º de um novo olhar. Mas o marco principal não foi a vista, foi descobrir a indignação da população local com as desapropriações que estavam sendo feitas pela prefeitura. Haviam muitas casas marcadas com as iniciais SMH (Secretaria Municipal de Habitação), outras demolidas, entulho, lixo, desordem, desinformação e indefinições generalizadas. Saí de lá encantado com a vista e surpreso pelo que tinha visto e ouvido e por não saber de nada, nem por ouvir dizer, nem pela mídia. Um ano depois, no segundo semestre de 2012, ao participar da oficina do RECINE (Festival Internacional de Cinema de Arquivo), no Arquivo Nacional, meu grupo decidiu fazer um filme sobre desapropriação. Sugeri irmos à Providência, não sabia se as casas marcadas tinham ou não sido demolidas e o que tinha acontecido, pois a mídia continuava a não repercutir. Fizemos a visita, verificamos que a situação só tinha piorado e que o filme poderia dar visibilidade e contribuir com a luta local e no debate sobre as desapropriações que estão ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro, devido aos megaprojetos e eventos que estão por vir. O filme recebeu o prêmio de Menção Honrosa no RECINE, no You Tube está próximo das 10.000 exibições, foi debatido nos sindicatos dos Engenheiros e dos Arquitetos, passou na Vila Olímpica da Gamboa (ao lado da Providência), no telão do projeto CINEMÃO e nas TVs: TV Cidade Livre de Brasília e na TV Cidade Taubaté. Inicialmente não era legendado. Atendendo a várias solicitações, foi legendado em inglês e iniciou sua trajetória internacional. Fui informado de que foi visto e debatido na França, EUA e Singapura. O próximo passo será a participação em festivais, já estando inscrito em alguns.


 
Que mudanças são visíveis no Morro da Providência depois das intervenções da Prefeitura?

Fórum Comunitário do Porto: São muitas mudanças. Algumas são mais visíveis, como os escombros e entulhos deixados desde a primeira demolição até os dias atuais. O acúmulo de restos de demolição é resultado da própria ação da Prefeitura que a utiliza como forma de pressionar e forçar os moradores que ainda não aceitaram sair de suas casas. Cansados de conviver com ratos e baratas próximas às suas casas, muitos moradores acabam tendo que sair. Outra grande mudança que observamos foi a perda da única área para prática de esportes, eventos, festas e reuniões que os moradores tinham na Providência - a quadra localizada na antiga Praça Américo Brum. Hoje a praça está soterrada pelo teleférico. Além disso, durante todo o período de construção do tefeférico os moradores da Providência sofreram com a interdição parcial da ligação entre a Ladeira do Barroso e do Farias no alto do morro. Essa interrupção fez com que os automóveis que efetuam entregas de materiais de construção, compras do supermercado tivessem dificuldade de chegar ao morro. A mesma coisa aconteceu com a Kombi que faz o transporte dos moradores. Para o Fórum Comunitário do Porto, parece claro que os moradores da Providência vivem a incerteza de futuro, já que não sabem o que acontecerá com suas vidas após essas grandes intervenções urbanas.

 

- Qual a situação atual das famílias das mais de 1800 casas citadas no filme?

Fórum Comunitário do Porto: O Fórum Comunitário do Porto tem como uma de suas linhas de ação a produção de informações críticas sobre o Programa de Urbanização Morar Carioca, Porto Maravilha e Porto Olímpico. Contudo, não temos como objetivo sistematizar o número de remoções já realizadas ou previstas para ocorrer. Entendemos que a não sistematização e divulgação destes dados pela Prefeitura é uma estratégia política deste governo, que passa por cima dos marcos regulatórios da política urbana para produzir grandes intervenções como o Tefeférico da Providência. Para o Fórum Comunitário do Porto, tanto as inúmeras remoções quanto a construção do teleférico atendem mais ao modelo de “Cidade Olímpica” do que aos moradores da Providência.

Quanto às casas marcadas, o Fórum Comunitário do Porto destaca que as que não foram abaixo continuam com a sigla SMH estampadas nas paredes. No que se refere ao destino dos moradores já removidos, há uma variedade de situações, das quais destacamos:
a) moradores que aceitaram a indenização, que varia de 20 a60 mil reais. Uma parte destes moradores habitava na Toca, uma parte do Morro. Com o dinheiro na mão muitos compraram casa em outra parte do Morro;
b) moradores que aceitaram a compra assistida e não conseguiram garantir o seu direito à moradia, porque foram induzidos a comprar uma outra posse;
c) moradores que aceitaram o aluguel social (que na realidade é a ilusão social) e estão morando tanto no Morro como fora dele. Muitos destes moradores moravam no APÉ, um prédio localizado na Ladeira do Farias, em que moravam cerca de 60 famílias. Há relatos de que na renovação do aluguel social realizado pela Prefeitura este ano algumas destas famílias tiveram problemas com a documentação exigida e isso fez com que se interrompesse o recebimento do benefício "ILUSÃO SOCIAL";
d) moradores da favela que, mesmo com a desbotada sigla SMH na porta, tem o "sangue canudense" de quem não se rende a qualquer oferta e se mantêm firmes na guerra contra as casas marcadas, contra a demolição do seu lugar, contra a negação da sua cultura e da sua história.



 
- Que relação vocês estabelecem entre estas intervenções urbanas no Rio de Janeiro e os eventos mundiais que ocorrerão na cidade?

Fórum Comunitário do Porto: A realização de dois megaeventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro, a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, impulsionou grandes investimentos na cidade, especialmente em obras de revitalização urbana, mobilidade, infraestrutura e turismo.


Algumas dessas obras estão diretamente relacionadas à realização dos megaeventos esportivos, como a construção do Parque Olímpico e a reforma do Maracanã. Outras, estão nos planos apresentados pelas cidades-sede como obras necessárias para receberem o evento esportivo ou como um legado que pode ser deixado para a cidade.


Todas essas obras têm grande impacto na cidade, mas não é necessariamente um impacto positivo. Sabemos que grandes obras e intervenções urbanas normalmente requerem a realocação de famílias, mas a forma como as intervenções são planejadas e implementadas é determinante do seu impacto positivo ou negativo. Diferentes organizações, redes e moradores de áreas impactadas pelas obras têm denunciado uma série de violações neste processo.

Na área portuária, há um grande projeto de revitalização urbana, que é o “Porto Maravilha”, e no Morro da Providência há o programa“Morar Carioca”. Embora não sejam obras específicas para a realização das Olimpíadas, toda a comunicação oficial sobre os dois projetos os relaciona com a realização do evento esportivo, destacando seu papel na preparação da “cidade olímpica” e colocando ambos como um legado dos Jogos de 2016. É uma grande intervenção que está sendo justificada em função da realização das Olimpíadas.

 
Há uma valorização imobiliária em curso no Rio de Janeiro. Que consequências ela pode trazer para a população e para a memória e a paisagem cultural da cidade?

Fórum Comunitário do Porto: Pensemos essa questão a partir do projeto de urbanização da Providência, elaborado pela Prefeitura, pinçando o exemplo das propostas para o núcleo histórico desta favela, que é a primeira do Brasil. A descaracterização e o apagamento da memória são elementos evidentes do que foi proposto para a área do centro histórico do morro. O centro histórico de Paraty serviu de inspiração para a “remodelação” da área da Capela do Cruzeiro, no alto do morro, como se esse lugar não tivesse memória própria e, por isso, servisse de suporte para a transposição do modelo de arquitetura colonial de Paraty, cujo espectro figura no imaginário daqueles que já estão acostumados com a ambiência dessas cidades que, além de históricas, são produto turístico. Despudoradamente, o edital deste projeto justifica tais intervenções como resgate da “ambiência do início da ocupação do morro”.
Perguntamos, então: Qual início? Qual ocupação? De onde vem tal percepção? Não há indícios de que o casario do núcleo tenha sido um dia como o de Paraty! Resulta disso a mera substituição de uma paisagem por outra, atropelando a memória local, subsumindo os processos históricos reais que conformaram os valores dos moradores e suas experiências cotidianas. A paisagem, então, é artificialmente redefinida sob o signo de processos e interesses econômicos de agentes externos, que sequer tiveram o trabalho de ouvir os moradores. Existem núcleos familiares centenários na Providência que estão sendo ameaçados de remoção para viabilizar as obras do “Morar Carioca”, que sequer foram ouvidos.
Vejamos, rasamente, o exemplo da Aldeia Maracanã, através do discurso mobilizado para desqualificação da ocupação do lugar pelos índios que resistiram ao despejo. E vamos fazer isso lembrando a afirmação do governador do estado do Rio de Janeiro, Sr. Sérgio Cabral, que disse ser um deboche chamar aquilo de aldeia indígena.
Ora, qual a percepção do governador sobre o que seja uma aldeia, sobre o que é ser um índio? Qual identidade indígena é mobilizada em um discurso como esse? A inserção de indígenas no espaço urbano é um fato, e aqui podemos adotar a noção de desterritorialização deleuziana para afirmar que quem perde um território ganha outro. O que não enseja, necessariamente, a perda da identidade destes sujeitos que, a despeito do trânsito para o urbano, continuam sendo índios, ainda que na cidade e ainda que vestindo jeans! A identidade e a memória indígenas acionadas pelo imaginário coletivo, nas palavras do Sr. Cabral, é uma memória estática, que remonta ao índio “selvagem”, para desqualificar politicamente a reivindicação da Aldeia Maracanã enquanto lugar de memória. É bem verdade que “ganhar” outro território implica em disponibilidade de terra, elemento raro e, por isso, caro. Por isso o conflito foi colocado. Em lugar de um Museu do Índio, depois do embate político que envolveu centralmente a disputa pela memória indígena, o governo do estado desistiu da demolição e pretende revitalizar o local para receber um museu olímpico. Perguntamos: Qual tradição olímpica tem o Brasil? Mais uma vez a ideia de revitalização, como se antes não tivesse vida no local.
O Sr. Cabral ainda caracterizou a ocupação da Aldeia Maracanã como uma “ação política” (o clima ideológico do momento, como se sabe, não concebe a política como dado da vida). E não poderia ser o contrário! Neste sentido, a luta política através do empoderamento dos conceitos de memória e patrimônio pelos Índios da Aldeia Maracanã e pelos moradores da Providência que resistem às remoções se faz central e cheia de pertinência histórica e política. É uma luta por permanecer na cidade e usufruir dela, mas, também, uma disputa por lembranças, significados, valores, raízes históricas que insistem em aterrar para que sirvam apenas de suporte para uma paisagem alienada; essa sim, sem vida.

Equipe Blog Mídia e  Questão Social
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

Galeria Morro da Providência

               2010                                              2013


Foto: Mídia & Questão Social    Foto: Fórum Comunitário do Porto 



Foto Mídia & Questão Social     Foto: Facebook Casas Marcadas 


Foto: Mídia & Questão Social    Foto: Fórum Comunitário do Porto 

:::::::::::::::::::

Saiba mais


- Relatório Fotográfico do Morro da Providência - Visita realizada nos dias 24 e 26 de fevereiro de 2013 pela comissão de moradores da providência e por membros do FÓRUM COMUNITÁRIO DO PORTO.



Músicas
- “Admirável Gado Novo” - Zé Ramalho
- “É” - Gonzaguinha
Favela - Exaltasamba e Racionais Mc's
http://www.youtube.com/watch?v=rYiQc6CXwaM

Um comentário:

  1. Na questao da "aldeia maracana", acho q Cabral agiu certissimo! Os indios invadiram aquela area, estavam errados ao ocuparem aquela area, era contra a lei... a lei eh para todos inclusive para os indios... na minha opiniao o governo foi solidario ate demais com os indios... se fossem simples sem terra nao teriam tido tanta moral

    ResponderExcluir

Deixe seu comentário e/ou impressão...