Cinco dedos de p rosa
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Mídia & Questão Social
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Entrevista com Beto Moreira e com o Fórum Comunitário do Porto
Foto: Blog Mídia & Questão Social, 2010.
“Minha
casa, minha vida é o lugar onde eu moro!”
Márcia, moradora do Morro da Previdência
Prezados leitores,
O Brasil começou a
“inaugurar” estádios para a Copa do Mundo. Vários deles, segundo a própria
imprensa (ver o blog do jornalista Juca Kfouri, da UOL), têm suspeitas e
apurações em curso acerca de superfaturamentos. Foram previstos com um custo
inicial muito abaixo do que efetivamente já se gastou em sua “modernização”. A
imprensa brasileira tem indicado ainda outro efeito destas alterações: a alta
dos preços dos ingressos, que tendem a expulsar dos jogos e eventos destes
locais segmentos da população que costumavam ter na presença no estádio uma
possibilidade de diversão. Outras análises apontam para a grande probabilidade
de, em curto espaço de tempo, alguns dos estádios se tornarem inúteis, tendo em
vista a baixa utilização prevista para seus espaços.
No Rio de Janeiro, além
da Copa do Mundo de 2014, haverá, em 2016, as Olimpíadas. Grandes
transformações estão assolando a cidade.
Embora
o discurso oficial dos governos e das instituições internacionais prometa
deixar “legados”, traduzidos em melhora de condições de vida para a população,
não é o que vem ocorrendo. Insegurança, perda de referências culturais,
remoções e despejos, autoritarismo na relação com moradores; todas estas vêm
sendo práticas e consequências das ações em torno dos jogos que se aproximam.
Postal
Cress RJ 2013 - Frente / Verso
O blog Mídia e Questão Social fez contato com o
pessoal do Fórum Comunitário do Porto, através de Carlos R.S. Moreira, o
Beto, da rede Terceiro Setor e um dos diretores de um documentário sobre estas
intervenções. No curta-metragem chamado “Casas Marcadas” (que já obtém
repercussão nacional e internacional), é possível perceber o quanto tais
processos têm interferido decisivamente no presente e no futuro daqueles que,
há décadas, habitam a primeira favela do Rio de Janeiro.
Curta-metragem "Casas Marcadas"
Com esta postagem,
expressamos nossa solidariedade com os moradores da Previdência, da Vila
Autódromo, da Aldeia Maracanã e tantos outros locais que vêm sendo atingidos
pelas remoções em todo o país, em decorrência dos jogos e dos megaeventos que o
Brasil vem sediando. Segundo o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, em
levantamento divulgado à imprensa neste mês de maio, já foram removidas, com
esta finalidade, 3.099 famílias no Brasil. Outras 7.843 estão ameaçadas de
perderem suas casas. Estima-se que 170 mil pessoas estejam nestas condições.
Fonte: Fórum Comunitário do Porto
Beto:
A primeira vez que
estive na Providência foi no segundo semestre de 2011, com um grupo de alunos
do curso JPPS (Jornalismo de Políticas Públicas e Sociais) da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), coordenado pelo Prof. Evandro
Vieira Ouriques. O guia da visita foi o fotógrafo Maurício Hora, morador do
local e coordenador da Casa Amarela. Conhecer a Providência foi um marco. É uma
vista exuberante da cidade do Rio de Janeiro, indescritível, só indo lá para
ver. São 360º de um novo olhar. Mas o marco principal não foi a vista, foi
descobrir a indignação da população local com as desapropriações que estavam
sendo feitas pela prefeitura. Haviam muitas casas marcadas com as iniciais SMH (Secretaria Municipal de
Habitação), outras demolidas, entulho, lixo, desordem, desinformação e
indefinições generalizadas. Saí de lá encantado com a vista e surpreso pelo que
tinha visto e ouvido e por não saber de nada, nem por ouvir dizer, nem pela
mídia. Um ano depois, no segundo semestre de 2012, ao participar da oficina do
RECINE (Festival Internacional de Cinema de Arquivo), no Arquivo Nacional, meu
grupo decidiu fazer um filme sobre desapropriação. Sugeri irmos à Providência,
não sabia se as casas marcadas
tinham ou não sido demolidas e o que tinha acontecido, pois a mídia continuava
a não repercutir. Fizemos a visita, verificamos que a situação só tinha piorado
e que o filme poderia dar visibilidade e contribuir com a luta local e no
debate sobre as desapropriações que estão ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro,
devido aos megaprojetos e eventos que estão por vir. O filme recebeu o prêmio
de Menção Honrosa no RECINE, no You Tube está próximo das 10.000 exibições, foi
debatido nos sindicatos dos Engenheiros e dos Arquitetos, passou na Vila
Olímpica da Gamboa (ao lado da Providência), no telão do projeto CINEMÃO e nas
TVs: TV Cidade Livre de Brasília e na TV Cidade Taubaté. Inicialmente não era
legendado. Atendendo a várias solicitações, foi legendado em inglês e iniciou
sua trajetória internacional. Fui informado de que foi visto e debatido na
França, EUA e Singapura. O próximo passo será a participação em festivais, já
estando inscrito em alguns.
Que mudanças são visíveis no Morro da
Providência depois das intervenções da Prefeitura?
Fórum Comunitário do Porto: São
muitas mudanças. Algumas são mais visíveis, como os escombros e entulhos
deixados desde a primeira demolição até os dias atuais. O acúmulo de restos de
demolição é resultado da própria ação da Prefeitura que a utiliza como forma de
pressionar e forçar os moradores que ainda não aceitaram sair de suas casas.
Cansados de conviver com ratos e baratas próximas às suas casas, muitos
moradores acabam tendo que sair. Outra grande mudança que observamos foi a perda
da única área para prática de esportes, eventos, festas e reuniões que os
moradores tinham na Providência - a quadra localizada na antiga Praça Américo
Brum. Hoje a praça está soterrada pelo teleférico. Além disso, durante todo o
período de construção do tefeférico os moradores da Providência sofreram com a
interdição parcial da ligação entre a Ladeira do Barroso e do Farias no alto do
morro. Essa interrupção fez com que os automóveis que efetuam entregas de
materiais de construção, compras do supermercado tivessem dificuldade de chegar
ao morro. A mesma coisa aconteceu com a Kombi que faz o transporte dos
moradores. Para o Fórum Comunitário do Porto, parece claro que os moradores da
Providência vivem a incerteza de futuro, já que não sabem o que acontecerá com
suas vidas após essas grandes intervenções urbanas.
- Qual a situação atual das famílias das mais
de 1800 casas citadas no filme?
Fórum Comunitário do Porto: O Fórum Comunitário do Porto tem como uma de
suas linhas de ação a produção de informações críticas sobre o Programa de
Urbanização Morar Carioca, Porto Maravilha e Porto Olímpico. Contudo, não temos
como objetivo sistematizar o número de remoções já realizadas ou previstas para
ocorrer. Entendemos que a não sistematização e divulgação destes dados pela
Prefeitura é uma estratégia política deste governo, que passa por cima dos
marcos regulatórios da política urbana para produzir grandes intervenções como
o Tefeférico da Providência. Para o Fórum Comunitário do Porto, tanto as
inúmeras remoções quanto a construção do teleférico atendem mais ao modelo de “Cidade
Olímpica” do que aos moradores da Providência.
Quanto
às casas marcadas, o Fórum Comunitário do Porto destaca que as que não foram
abaixo continuam com a sigla SMH estampadas nas paredes. No que se refere ao
destino dos moradores já removidos, há uma variedade de situações, das quais
destacamos:
a)
moradores que aceitaram a indenização, que varia de 20
a 60 mil reais. Uma parte destes moradores habitava na
Toca, uma parte do Morro. Com o dinheiro na mão muitos compraram casa em outra
parte do Morro;
b)
moradores que aceitaram a compra assistida e não conseguiram garantir o seu
direito à moradia, porque foram induzidos a comprar uma outra posse;
c) moradores
que aceitaram o aluguel social (que na realidade é a ilusão social) e estão
morando tanto no Morro como fora dele. Muitos
destes moradores moravam no APÉ, um prédio localizado na Ladeira do Farias, em
que moravam cerca de 60 famílias. Há relatos de que na renovação do aluguel
social realizado pela Prefeitura este ano algumas destas famílias tiveram
problemas com a documentação exigida e isso fez com que se interrompesse o
recebimento do benefício "ILUSÃO SOCIAL";
d)
moradores da favela que, mesmo com a desbotada sigla SMH na porta, tem o
"sangue canudense" de quem não se rende a qualquer oferta e se mantêm
firmes na guerra contra as casas marcadas, contra a demolição do seu lugar,
contra a negação da sua cultura e da sua história.
- Que relação vocês estabelecem entre estas
intervenções urbanas no Rio de Janeiro e os eventos mundiais que ocorrerão na
cidade?
Fórum Comunitário do Porto: A
realização de dois megaeventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro, a Copa
do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, impulsionou grandes investimentos na
cidade, especialmente em obras de revitalização urbana, mobilidade,
infraestrutura e turismo.
Algumas
dessas obras estão diretamente relacionadas à realização dos megaeventos
esportivos, como a construção do Parque Olímpico e a reforma do Maracanã.
Outras, estão nos planos apresentados pelas cidades-sede como obras necessárias
para receberem o evento esportivo ou como um legado que pode ser deixado para a
cidade.
Todas
essas obras têm grande impacto na cidade, mas não é necessariamente um impacto
positivo. Sabemos que grandes obras e intervenções urbanas normalmente requerem
a realocação de famílias, mas a forma como as intervenções são planejadas e
implementadas é determinante do seu impacto positivo ou negativo. Diferentes
organizações, redes e moradores de áreas impactadas pelas obras têm denunciado
uma série de violações neste processo.
Na
área portuária, há um grande projeto de revitalização urbana, que é o “Porto
Maravilha”, e no Morro da Providência há o programa“Morar Carioca”. Embora não
sejam obras específicas para a realização das Olimpíadas, toda a comunicação
oficial sobre os dois projetos os relaciona com a realização do evento
esportivo, destacando seu papel na preparação da “cidade olímpica” e colocando
ambos como um legado dos Jogos de 2016. É uma grande intervenção que está sendo
justificada em função da realização das Olimpíadas.
Há uma valorização imobiliária em curso no
Rio de Janeiro. Que consequências ela pode trazer para a população e para a
memória e a paisagem cultural da cidade?
Fórum Comunitário do Porto: Pensemos
essa questão a partir do projeto de urbanização da Providência, elaborado pela Prefeitura,
pinçando o exemplo das propostas para o núcleo histórico desta favela, que é a
primeira do Brasil. A descaracterização e o apagamento da memória são elementos
evidentes do que foi proposto para a área do centro histórico do morro. O
centro histórico de Paraty serviu de inspiração para a “remodelação” da área da
Capela do Cruzeiro, no alto do morro, como se esse lugar não tivesse memória
própria e, por isso, servisse de suporte para a transposição do modelo de
arquitetura colonial de Paraty, cujo espectro figura no imaginário daqueles que
já estão acostumados com a ambiência dessas cidades que, além de históricas,
são produto turístico. Despudoradamente, o edital deste projeto justifica tais
intervenções como resgate da “ambiência do início da ocupação do morro”.
Perguntamos, então: Qual
início? Qual ocupação? De onde vem tal percepção? Não há indícios de que o
casario do núcleo tenha sido um dia como o de Paraty! Resulta disso a mera
substituição de uma paisagem por outra, atropelando a memória local, subsumindo
os processos históricos reais que conformaram os valores dos moradores e suas
experiências cotidianas. A paisagem, então, é artificialmente redefinida sob o
signo de processos e interesses econômicos de agentes externos, que sequer
tiveram o trabalho de ouvir os moradores. Existem núcleos familiares
centenários na Providência que estão sendo ameaçados de remoção para viabilizar
as obras do “Morar Carioca”, que sequer foram ouvidos.
Vejamos, rasamente, o exemplo da Aldeia
Maracanã, através do discurso mobilizado para desqualificação da ocupação do
lugar pelos índios que resistiram ao despejo. E vamos fazer isso lembrando a
afirmação do governador do estado do Rio de Janeiro, Sr. Sérgio Cabral, que
disse ser um deboche chamar aquilo de aldeia indígena.
Ora, qual a percepção do governador sobre o
que seja uma aldeia, sobre o que é ser um índio? Qual identidade indígena é mobilizada
em um discurso como esse? A inserção de indígenas no espaço urbano é um fato, e
aqui podemos adotar a noção de desterritorialização deleuziana para afirmar que
quem perde um território ganha outro. O que não enseja, necessariamente, a
perda da identidade destes sujeitos que, a despeito do trânsito para o urbano,
continuam sendo índios, ainda que na cidade e ainda que vestindo jeans! A
identidade e a memória indígenas acionadas pelo imaginário coletivo, nas
palavras do Sr. Cabral, é uma memória estática, que remonta ao índio
“selvagem”, para desqualificar politicamente a reivindicação da Aldeia Maracanã
enquanto lugar de memória. É bem verdade que “ganhar” outro território implica
em disponibilidade de terra, elemento raro e, por isso, caro. Por isso o
conflito foi colocado. Em lugar de um Museu do Índio, depois do embate político
que envolveu centralmente a disputa pela memória indígena, o governo do estado
desistiu da demolição e pretende revitalizar o local para receber um museu
olímpico. Perguntamos: Qual tradição olímpica tem o Brasil? Mais uma vez a
ideia de revitalização, como se antes não tivesse vida no local.
O Sr. Cabral ainda caracterizou a ocupação da
Aldeia Maracanã como uma “ação política” (o clima ideológico do momento, como
se sabe, não concebe a política como dado da vida). E não poderia ser o
contrário! Neste sentido, a luta política através do empoderamento dos conceitos
de memória e patrimônio pelos Índios da Aldeia Maracanã e pelos moradores da
Providência que resistem às remoções se faz central e cheia de pertinência
histórica e política. É uma luta por permanecer na cidade e usufruir dela, mas,
também, uma disputa por lembranças, significados, valores, raízes históricas
que insistem em aterrar para que sirvam apenas de suporte para uma paisagem
alienada; essa sim, sem vida.
Equipe Blog Mídia e Questão Social
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Galeria Morro da Providência
2010 2013
Foto: Mídia & Questão Social Foto: Fórum Comunitário do Porto
Foto: Mídia & Questão Social Foto: Fórum Comunitário do Porto
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Saiba mais
- Relatório Fotográfico do Morro da Providência
- Visita realizada nos dias 24 e 26 de fevereiro de 2013 pela comissão de
moradores da providência e por membros do FÓRUM COMUNITÁRIO DO PORTO.
- Fórum Comunitário
do Porto - Relatório de Violação de Direitos e Reivindicações 24 de maio de
2011
Músicas
- “Admirável Gado Novo” -
Zé Ramalho
- “É” - Gonzaguinha
Na questao da "aldeia maracana", acho q Cabral agiu certissimo! Os indios invadiram aquela area, estavam errados ao ocuparem aquela area, era contra a lei... a lei eh para todos inclusive para os indios... na minha opiniao o governo foi solidario ate demais com os indios... se fossem simples sem terra nao teriam tido tanta moral
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