terça-feira, 25 de setembro de 2012

Editoria Caleidoscópio Baiano


Vida ao profeta do semiárido !



Claudia Correia*

O falecimento no último dia 9, do bispo emérito da Diocese de Juazeiro, D.José Rodrigues,me transportou para os anos 80, quando tive o privilégio de conhecê-lo. Fiquei impressionada com aquele homem de aparência frágil, destemido, defensor intransigente dos direitos humanos e leal aos princípios da Teologia da Libertação. Leonardo Boff, em recente artigo no blog leonardoboff.wordpress.com, chamou o “bispo dos excluídos” de “profeta do semiárido”. Por 28 anos ele conduziu com firmeza a Diocese de Juazeiro e enfrentou o poder das elites políticas, desafiando um sistema econômico excludente e desumano. Em 1975 quando chegou na região apoiou  72 mil pessoas relocadas com as obras da barragem de Sobradinho.

Lembro que levei meu filho Theo em Juazeiro para conhecê-lo e fotografei o muro de sua casa que foi invadida e pichada com a frase “Morte ao bispo comunista”. As forças políticas do atraso governavam nossa Bahia com a subserviência de prefeitos nomeados , mas D.José não tinha medo da morte, acreditava na vida com tanto entusiasmo que seus discursos na mídia e nas missas nos encorajavam a lutar pela justiça social e pela democracia. Para ele os meios de comunicação eram um dos instrumentos de transformação social por isso incentivava o protagonismo popular em experiências com rádios comunitárias, cartilhas. A senadora Lídice da Mata lembrou em discurso de homenagem que D. José foi pioneiro em criar um Setor Diocesano da Comunicação Audiovisual com uma biblioteca com 45 mil volumes e que foi membro da Associação Baiana de Imprensa. Por sua valiosa contribuição social, ele recebeu por seis anos seguidos o Troféu Mandacaru de Ouro, criado por jornalistas baianos para homenagear personalidades de destaque nas áreas política,religiosa,econômica, artística e cultural.


Tive a honra de conhecer o mestre Paulo Freire em um encontro promovido pela Diocese de Juazeiro em Carnaíba em 1983, a fim de capacitar lideranças populares para o trabalho de alfabetização e formação cidadã. Foram dias inesquecíveis de aprendizagem e conversas com Freire e D.José na varanda da Casa Paroquial, regadas a café e esperança em uma sociedade igualitária.Nunca esqueci estas aulas. Tenho certeza que minha paixão pelo Jornalismo cidadão e pelo Serviço Social se consolidou com esta rica experiência. Aos 22 anos, com origem na classe média, estudante de Serviço Social da UCSal,aprendi com o trabalho de D.José interpretar as contradições sociais. Em 1984, vivi alguns meses em Campo Alegre de Lourdes, apoiando o trabalho da Comissão Pastoral da Terra, na organização das comunidades rurais e vi de perto o sofrimento dos trabalhadores nas frentes de combate à seca, a mortalidade infantil, a fome e a miséria. Depois que retornei a Salvador, sempre trocávamos cartas e cartões postais como bons amigos, e eu sempre enviava notícias sobre meu trabalho de Educação Popular na Associação de Ação Indigenista-ANAÍ Bahia com as comunidades indígenas Kiriri em Ribeira do Pombal. Como bom professor de Português, ele elogiava minha redação e mandava mensagens de incentivo ao movimento indigenista.

O que mais me marcou em D. José foi a sua generosidade em respeitar as pessoas independente de crença, ideologia ou raça, a sua coragem em defender um projeto de sociedade igualitária, a humildade que tinha para lidar com sua sabedoria , a sua oratória para sensibilizar analfabetos e acadêmicos,o desprendimento para romper com o conservadorismo da Igreja Católica, a simplicidade com que vivia.

Talvez ele nunca dimensionasse que devo também a ele minha formação política, profissional, cidadã. Suas lições ficarão para sempre em nossas vidas, na história de muitos agentes pastorais, lideranças, educadores. Vida eterna ao profeta do semiárido!

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*Claudia Correia, assistente social, jornalista, Mestre em Planejamento Urbano. Contato: ccorreia6@yahoo.com.br 
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Artigo publicado no jornal A TARDE dia 13/09/12 Coluna “Opinião” 


                                                                                  

                       Dom José Rodrigues, cuida de nós
                    Nota da Comissão Pastoral da Terra

   

 CPT – Comissão Pastoral da Terra de
Juazeiro, da Bahia e do Brasil, com fé e amor, celebra a Páscoa de dom José Rodrigues de Souza CSSR. A gratidão supera a dor desta hora de sua partida, para rogarmos a Deus por seu merecido descanso e pela continuidade por nós de sua obra redentora.



Bispo de Juazeiro entre 1975 e 2003, dom José foi um dos fundadores da CPT Regional Nordeste III (Bahia/Sergipe), em 1976, da qual foi bispo acompanhante por muitos anos. Criou logo em seguida a CPT de Juazeiro, como resposta pastoral ao sofrimento do povo expulso pela barragem de Sobradinho e aos camponeses vítimas da grilagem de terra, no início da irrigação agrícola no submédio São Francisco. A todas as demandas do povo sertanejo, multiplicadas e prementes, sua sensibilidade humana e pastoral soube responder, ao criar (ou reforçar) outras sete pastorais sociais (juventude do meio popular, pescadores, mulher marginalizada, saúde, reassentados, carcerária, criança), “círculos de cultura” (com Paulo Freire), um setor diocesano de comunicação, uma biblioteca de 45 mil volumes, uma campanha pioneira pelas cisternas familiares de água de chuva, pilar da Convivência Com o Semiárido, e uma destinação social ao patrimônio da diocese em terras na cidade de Juazeiro. Por uma Igreja una e nordestina, atuou sempre articulado com as dioceses e bispos vizinhos: Senhor do Bonfim (d. Jairo), Rui Barbosa (d. Matthias e d. André), Paulo Afonso (d. Mário e d. Esmeraldo), Petrolina-PE (d. Paulo) e Propriá-SE (d. José Brandão, redentorista como ele). Favoreceu a articulação sindical de todo o vale do São Francisco, que se reunia no centro de encontros da diocese, em Carnaíba do Sertão. Em tempos de silenciamento, foi porta-voz dos pobres nas igrejas e capelas, no rádio, no boletim mensal da diocese (“Caminhar Juntos”), na Assembléia Legislativa, na Câmara Federal e em viagens pela Europa. À tardinha das sextas-feiras, parava-se nas estradas para ouvir seu “Semeando a verdade”, na Emissora Rural, e as comunidades reuniam-se ao redor do rádio para ouvi-lo. Todos os meios disponíveis à época ele soube lançar mão pela libertação do povo.


Não se intimidou com a repressão militar, os quatro municípios atingidos pela barragem de Sobradinho transformados em “área de segurança nacional”. Sua casa foi invadida e vasculhada, os muros e portas da catedral pichados pelo Comando de Caça aos Comunistas. Toda reação popular aos desmandos públicos e privados lhe era atribuída, como as mortes de fazendeiros no vale do Salitre em confronto com lavradores que defendiam sua água sugada pelas motobombas de grandes irrigações. As conquistas do povo nos reassentamentos dos atingidos pela barragem de Sobradinho devem muito à sua voz destemida e ao trabalho que encomendava à CPT. A organização eclesial (CEBs), sindical e política do povo sertanejo teve grande impulso sob sua inspiração e incomodou os coronéis locais e os donos do poder na Bahia. Por conta de seu destemor na defesa dos pobres, explorados e oprimidos, esteve por várias vezes sob risco de violência e morte, mas não retrocedeu, impávido, às vezes contra nossa vontade. A entrega de si aos outros se tornou definitiva quando se fez refém de assaltantes em lugar da família do gerente do Banco do Brasil e esteve por dias com um revolver apontado para sua cabeça, perdoou os criminosos, escrevia-lhes e ajudava a se recuperarem.


Ao deixar a diocese, quando completou 77 anos de idade, disse como da essência de um testamento: “nunca traí os pobres”. Sem dúvida alguma, sua fidelidade mais profunda era a Jesus de Nazaré. E foi-se como veio, praticamente com a roupa do corpo. Nestes sertões, neste país, e mesmo nesta Igreja, não é pouco... Diante das sugestões para produzir suas memórias, dizia: “memória só tem uma, a Eucaristia”.
Sua morte a menos de um dia após a festa da padroeira, Nsa. Sra. das Grotas, que celebrou também os 50 anos da diocese, a qual ele, firme e humilde, dirigiu por 28 anos, nos faz pensar no quanto sua vida estava intimamente ligada à trajetória desta Igreja de Cristo nos sertões do São Francisco. “Mãe das Grotas... em teus braços vê se acolhe... os que lutam, os que vivem e os que morrem”.


Dom José Rodrigues, Dom José, Dom Rodrigues, Rodriguinho, grão fértil de trigo morto, produtivo (cf. João, 12,24), você nos deixa para habitar misteriosa e mais fortemente nossos espíritos e nossas lutas. Com esperança, nós da CPT nos comprometemos em preservar sua memória e ser fiel a seu exemplo e inspiração, na continuidade do serviço incansável aos pobres do campo de hoje, causa do Reino de Deus de sempre. Homem de fé e ação, de espírito e coração, de pouco corpo e muita alma, profeta do nosso tempo, pastor dos pobres da terra, homem santo, cuida de nós! Amém!


Juazeiro / Salvador / Goiânia, 10 de setembro de 2012.



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