Que
ironia o Rio ser a sede-referência do debate sobre meio ambiente no mundo! “RIO,
CAPITAL DA BICICLETA”, diz o site da prefeitura, que garante que temos a maior
extensão de ciclovia do país, a segunda maior da América Latina. Vale a pena
conferir (http://www.rio.rj.gov.br/web/smac/exibeconteudo?article-id=1534031). O mapa da prefeitura não mostra as
“ciclofaixas” atravessando calçadas tomadas pelas raízes das árvores, na Mena
Barreto, ou pelos carros, em várias partes da cidade. Nem as que passam rente à
porta do hospital público, ou na calçada do supermercado.
O
cinema norte-americano, por aqui, ia adorar uma comédia com perseguições em
bicicleta, em vez de carros. Não ia faltar lugar para os personagens jogarem um
cara de perna engessada pra cima, explodir bolsas de supermercado, se
esborrachar numa árvore que toma a ciclovia, atropelar carrinho de criança, ou
voar por cima de um fileira de carros estacionados sobre a ciclovia.
Na
General Polidoro, a ciclovia (um dos poucos trechos aparentemente de verdade,
feita na rua, não na calçada) toma toda a frente do Hospital Pró-Cardíaco. No
site do hospital, informam que o cliente “tem como opção o estacionamento
GPark”. Pago, evidentemente! Onde será que o pessoal prefere estacionar?
Mesmo
no mapa da prefeitura dá pra ver que a preocupação é só com a quilometragem.
Uma linha aqui, outra ali, com alguns quilometro, no meio, que o ciclista pode
atravessar na base do “dá seu jeito!”
Sem problemas, se você não é bom em “dar seu jeito”, é melhor nem ter bicicleta. Que se danem as bicicletas! A prefeitura vai resolver o problema de transporte com ônibus. Tem obra pra todo lado, os ônibus mudaram de cor e de número, os pontos mudaram de lugar. Até agora, o resultado mais evidente é um monte de passageiros enlouquecidos, tentando adivinhar seu ônibus a tempo de dar sinal a tempo do motorista sair da terceira pista em que se encontrava, a 80km/h, e parar a 100 metros do ponto. Isso, claro, se ele estiver de bom humor.
Os
ônibus continuam cheios, a não
ser que você esteja totalmente no contra fluxo. Passando nos intervalos que bem
entende a empresa e o despachante e dando voltas absurdas para completar seus
trajetos juntando o maior número possível de passageiros.
E viva o fordismo!
Enquanto isso,
o governo federal baixa, de novo, o imposto sobre a compra de carros. Mais
carro na rua! A indústria automobilística agradece. Nossos pulmões que se
virem! Principalmente se você for louco o suficiente pra preferir circular
pedalando uma bicicleta e abrindo seus pulmões para os escapamentos dos carros.
E,
como a palavra de ordem é "desenvolvimento econômico", como nos
tempos de Juscelino, a presidente "ajeita" o código florestal para
agradar gregos e troianos, ou melhor, empresários e coronéis. As florestas que
se virem, como os ciclistas, se pretendem insistir em sobreviver à sombra do
"desenvolvimento industrial".
Como já
exaltava Tom Zé em Parque Industrial:
Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação
Despertai com orações
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção
Tem garotas propaganda
Aeromoças e ternura no cartaz
Basta olhar na parede
Minha alegria num instante se refaz
Pois temos o sorriso engarrafado
Já vem pronto e tabelado
É somente requentar e usar
É somente requentar e usar
O que é made, made, made
Made in Brazil
O que é made, made, made
Made in Brazil
Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação
Despertai com orações
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção
A revista moralista
Traz uma lista dos pecados da vedete
E tem jornal popular que
Nunca se espreme
Porque pode derramar
É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado
É somente folhear e usar
É somente folhear e usar
O que é made, made, made
Made in Brazil
O que é made, made, made
Made in Brazil
O que é made, made, made
Made in Brazil
Made in Brazil
E como o
que importa é a imagem...
O
prefeito decretou feriado para o serviço público e para a educação. A TV
informa: nos dias da Rio+20 é melhor evitar ir para o Centro da Cidade. Quer
dizer, estamos convidados a deixar a cidade, ou ficarmos quietos em casa. E,
como não é para nós, cariocas, os ônibus vão funcionar com a frota máxima.
Ainda vão ser criadas duas ou três linhas especiais. Só assim os gringos
poderão ver que o Rio é “a melhor cidade do mundo para se viver” (isso também é
conversa do site da prefeitura).
Eu não
reclamo. Adoro feriado. Mas será que dava para manter a frota máxima para nós,
depois, e não reduzi-la a menos da metade nos fins-de-semana?
China em 1970
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*Ana Lucia Vaz, jornalista, mestre em
Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net), professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.
PARQUE INDUSTRIAL - TOM ZÉ
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