sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Editoria Caleidoscópio Baiano


S O S



Salvador 


Claudia Correia*

Como todos os grandes centros urbanos do Brasil e do mundo, Salvador, a terceira capital brasileira em população, padece de problemas crônicos cujas soluções exigem vontade política, investimentos públicos e gestão participativa.

Sempre morei aqui, “sou nascida e criada” em Salvador como dizem os baianos. Tudo que enfrentamos no cotidiano urbano não difere das grandes cidades: trânsito infernal, verticalização na ocupação do espaço urbano em detrimento da preservação do meio ambiente, falta de áreas públicas de lazer e esportes, barreiras arquitetônicas para portadores de deficiência, além claro da poluição sonora em virtude do nosso eterno estado de “festa”, ensaios, lavagens, carnaval, festivais de verão e de todas as estações e similares. Confesso que nunca vi a cidade tão degradada, abandonada pelo poder público, com serviços essenciais como limpeza urbana, segurança e pavimentação tão precários. Mas este não é um caso isolado. No Brasil, a Política Ambiental e Habitacional fere os princípios do planejamento urbano e as diretrizes do Estatuto da Cidade-Lei 10.257/2001 e não assegura a gestão democrática da cidade.

Um pouco de história: Salvador foi fundada em 29 de março de 1549 e foi a capital brasileira durante 214 anos, de 1549 a 1763. A posição estratégica da "Baía de Todos os Santos" criou desde 1500 ligações entre Portugal, Brasil, África e Ásia. As condições naturais, que propiciavam aos navegadores portugueses a parada segura de suas embarcações, foi determinante na sua escolha como local para a primeira capital do Brasil.




Riscos e abandono

O nosso último PDDU- Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, de 2007, aprovado na calada da noite pela Câmara de Vereadores, condenou a cidade a ficar refém do capital imobiliário e dos grandes grupos de empreendimentos como hotéis, lofts (virou moda na província soteropolitana) e shoppings. Inventaram novos conceitos de espaços de morar/comprar conjugados com estrutura de academias e lojas. Um inferno! Agora o gabarito para construções na orla marítima da cidade foi alterado para 27 andares e o sombreamento das praias é um risco.

As comunidades dos bairros populares, empurradas para as periferias das encostas do subúrbio ferroviário lutam para sobreviver num contexto de clara segregação sócio-espacial. Outras, que historicamente ocupam áreas vizinhas a bairros tidos como “nobres” (que conceito mais obsoleto!) precisam resistir à pressão das construtoras que invadem campos de futebol e jogam lixo e entulho de obras em vias públicas. O Calabar, próximo da Barra onde ocorre o nosso badalado carnaval, agora recebe uma Unidade de Polícia Comunitária, a versão baiana da Polícia Pacificadora dos morros cariocas. A criminalidade é alta e o Estado ausente.  É um bairro histórico, onde o movimento em defesa da moradia sempre atuou desde a década de 80.Recentemente a mídia divulgou que Salvador figura no 22º lugar do ranking das cidades mais violentas do mundo. Triste título para os soteropolitanos que amam esta terra, abençoada por orixás.

Agora o prefeito João Henrique (PP) sancionou a nova versão da Lei de Ordenamento e Uso do Solo (Lous), com emendas da Câmara de Vereadores que alteram o PDDU e extinguem o Vale Encantado como área de proteção ambiental. Este processo se deu sem uma ampla participação popular ou audiências públicas convocadas pelo Executivo Municipal. O nosso Conselho da Cidade acaba de perder seu caráter deliberativo para virar apenas consultivo, sem ainda ser empossado. Já nasceu morto.




Resumo da ópera: a cidade agoniza e recebe milhões de turistas com seu patrimônio natural e cultural entregue aos interesses econômicos que tomaram conta da gestão pública com lobbys e tráfico de influência. A economia urbana depende diretamente da indústria turística, mas a decepção dos visitantes com o que vivenciam aqui é evidente. Muitos que chegam aqui em cruzeiros  marítimos recusam-se a desembarcar, amedrontados com a violência e desorganização no Elevador Lacerda (um dos nossos cartões-postais que funciona com uma única cabine desde novembro). A mídia local se cala, faz vista grossa, prefere se omitir ou dar cobertura pontual a um ou outro descalabro quando a situação já está insuportável ou vaza para algum veículo de comunicação nacional. Os interesses políticos e econômicos que envolvem a aliança entre os poderes públicos e o empresariado impedem a divulgação dos graves problemas sócio-ambientais que enfrentamos. Enquanto isso caprichamos na propaganda enganosa do nosso cobiçado produto turístico...



Temo pelas gerações futuras que ficam ameaçadas de não terem espaços para usufruir da beleza de Salvador, de um mínimo de paz para respirar, até porque as reservas de Mata Atlântica que tínhamos estão sendo engolidas por mais de cem novos empreendimentos na Avenida Paralela, como o Alpha Ville.  Triste Bahia, ó quão dessemelhante... já cantou Caetano Veloso.



O “Movimento Vozes de Salvador”, que congrega cidadãos e profissionais, preocupados com este cenário caótico, me enviou este documento pedindo ampla divulgação. Compartilho com vocês o desabafo deles e o pedido de socorro. “Salvem Salvador!”.  Confiram.

*Claudia Correa, Assistente Social, Jornalista, profª da ESSCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Contato:ccorreia6@yahoo.com.br 

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MOVIMENTO VOZES DE SALVADOR


O MOVIMENTO VOZES DE SALVADOR vem a público denunciar a agressão criminosa de que a cidade foi vítima, atingida por sucessivos desmandos da administração iníqua e deletéria do Sr. João Henrique Barradas Carneiro, cujos despautérios, seguidos e crescentes, culminaram na sanção de uma lei municipal que desrespeita leis federais e a própria Constituição Brasileira, configurando um verdadeiro golpe contra a democracia e o estado de direito. É de conhecimento geral que Salvador foi reduzida a uma situação de descalabro por essa administração irresponsável, bisonha, divorciada do interesse público, complacente com a ganância imobiliária, hostil ao povo. São muitos os motivos para protesto: a degradação da orla, a devastação ambiental, a privatização descarada de espaços públicos, o colapso da mobilidade urbana com o estrangulamento crescente do trânsito, as roubalheiras do metrô e da transcom (entre outras rapinagens), a desmoralização do planejamento urbano, a sujeira, as ruas esburacadas, o aumento infrene da violência e da segregação, da miséria e do turismo sexual, a precariedade dos serviços públicos de atendimento ao cidadão em todas as áreas básicas (com destaque para o péssimo funcionamento dos postos de saúde e das escolas municipais), os acordos subterrâneos com a máfia dos transportes e a máfia do lixo, o colapso financeiro do município, a falta de transparência em todos os planos da gestão, principalmente no tratamento das verbas e contas públicas, o agravamento das condições negativas que deterioram a qualidade de vida da população nas áreas da periferia e do miolo,  o vilipêndio da cultura com o injurioso tratamento dispensado ao patrimônio histórico e artístico da cidade, o desrespeito sistemático aos artistas e produtores independentes, a mercantilização e grosseira deformação do  carnaval baiano, das festas e tradições populares da urbe, o desfiguramento sistemático da paisagem soteropolitana por descaso do gestor e por sua conivência com os interesses espúrios de quem a compromete e depreda. Já é muito, sem dúvida; todavia, um patamar ainda mais grave foi atingido com a açodada proposição e votação de uma LOUOS em período exíguo, sem possibilidade de análise pelos edis, sem verdadeira consulta pública, reduzida a uma farsa, e com desacato a interdito judicial, alterando brutalmente o Plano Diretor do Desenvolvimento Urbano que deveria apenas regulamentar, mutilando o Conselho da Cidade antes de o ter instalado e assim fazendo violência à lei federal, à democracia participativa que a Constituição preconiza e ao interesse público. No bojo dessa legislação insana, sacrifica-se à ganância imobiliária a última grande reserva de mata atlântica de Salvador, o Vale Encantado, que inclui área sagrada para as religiões de matriz africana; além disso, aumenta-se estupidamente o gabarito das edificações da orla, de forma tal que promove o sombreamento das praias e reduz de forma criminosa a aeração da cidade, entre outras aberrações. O MOVIMENTO VOZES DE SALVADOR conclama todos os cidadãos a lutar pelos seus direitos ameaçados, opondo-se a essa onda de violência que se volta contra a capital da Bahia e atinge de maneira brutal nossas leis maiores.

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