Cinco dedos de prosa
Blog Mídia e Questão Social
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Entrevista com Hilda Correa de Oliveira
Prezados leitores:
Um dos fenômenos sociais existentes em praticamente todas as médias e grandes cidades do mundo é a população que vive nas ruas. Na cidade do Rio de Janeiro (como em vários outros locais do Brasil e de outros países), este segmento populacional vem sendo tratado com ações como o conhecido “Choque de ordem”. Elas combinam repressão, criminalização e desrespeito aos direitos de quem vive na rua. Chegam, inclusive, a serem acusadas de violências físicas contra esta população, cometidas por agentes públicos, como pode ser constatado através de denúncias públicas investigadas por instâncias como o Ministério Público.
Fonte: fotomontagem a partir de imagens do Google.
Outro viés desta política tem sido o recolhimento e internação compulsória, sem qualquer consulta ou consentimento desta população ou de suas famílias, para supostos tratamentos ao uso abusivo de drogas. O argumento de “limpeza” e “segurança das ruas” costuma convencer boa parte da população a apoiar estas medidas autoritárias, parciais, inadequadas do ponto de vista do acúmulo de diversas e que não vão à raiz das questões que levam as pessoas a viverem nas ruas (por opção consciente e deliberada ou não).
“Grande parte da população em situação de rua se
constitui de trabalhadores
com alguma atividade que gera renda”
constitui de trabalhadores
com alguma atividade que gera renda”
Foto: Hilda Correa de Oliveira
Hilda é assistente social há mais de 30 anos, mestre em Serviço Social pela UERJ. Servidora pública federal com exercício nas políticas de assistência social e da previdência social. Conselheira presidente do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-RJ) no início dos anos 2000. Atualmente, membro da Coordenação Executiva do Fórum Permanente de População Adulta de Rua do Estado do Rio de Janeiro e membro da diretoria do CRESS-RJ.
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- Existe um perfil na população que vive nas ruas das cidades?
Hilda: Sim. São majoritariamente pessoas do sexo masculino (82%), mais da metade com idade entre 25 e 44 anos, a maioria proveniente das classes populares, sem trabalho regular, tendo vínculos familiares fragilizados ou já rompidos. Este perfil advém de uma pesquisa nacional patrocinada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) entre 2007 e 2008 e não aparenta mudanças na atualidade.
- A impressão que temos, andando nas ruas das grandes cidades, é que o número de pessoasvivendo nas ruas tem crescido. Esta impressão confere com os dados existentes? Em caso positivo, que causas podem ser apontadas para este fenômeno social?'
Hilda: A impressão é, sim, de crescimento desta população, mas para precisar este fenômeno aguarda-se a realização da contagem desta população no censo do IBGE, prevista para o próximo ano. Pela primeira vez, a população que vive nas ruas será considerada e contada pelo órgão oficial de pesquisa populacional. A observação, e também a pesquisa do MDS – que já citei –, esclarecem que os motivos da ida para as ruas são: problemas de alcoolismo e uso de drogas, desemprego, desavenças familiares e falta de moradia. São fatores que não se dão isoladamente, se combinam e estão correlacionados.
Na cidade do Rio de Janeiro há um grande número de pessoas vivendo nas ruas, não só no Centro e na Zona Sul, mas em bairros da Zona Oeste (Campo Grande, Santa Cruz) e nos subúrbios (Meier, Madureira, Marechal Hermes), entre outros.
- O senso comum vincula facilmente população de rua, uso de drogas e criminalidade. Como superar esta visão?
Hilda: Com relação às drogas há uma polêmica sobre se as pessoas vão viver nas ruas em função do uso abusivo do álcool e das drogas ou passam a fazer uso das mesmas depois que estão nas ruas, tal o impacto sofrido por viver nestes locais. Por outro lado, as pessoas que estão vivendo nas ruas estão em pobreza extrema e a sociedade, em geral, tende a criminalizar a pobreza e a explicitar preconceitos, como sabemos. Porém, dados de pesquisa revelam que grande parte da população em situação de rua se constitui de trabalhadores com alguma atividade que gera renda: catação de materiais recicláveis, carregador, flanelinha. São uma minoria aqueles que esmolam / pedem dinheiro para sobreviver.
- A prefeitura da cidade do Rio de Janeiro tem tomado medidas de recolhimento compulsório das crianças e adolescentes que usam crack e vivem nas ruas. As entidades a que você pertence têm se manifestado contrariamente a esta política. Qual a crítica de vocês a ela?
Hilda: Primeiro, acatamos o que dizem os especialistas da saúde mental quanto à necessidade da adesão ao tratamento ou busca espontânea pela assistência social, mesmo quando se trata de crianças. Há que se desenvolver uma ação processual de conquista e acolhimento respeitoso e atrativo ao universo infantil.
Nossa posição contrária às medidas da prefeitura do Rio se dá pela ausência de uma ação combinada com a política de saúde pública e, nela, a de saúde mental, que dispõe de estratégias alternativas à internação. Recusamos a atenção prestada aos casos de uso do crack exclusivamente pela política de assistência social, cujo papel não pode ser hiperdimensionado. Ela tem, sim, uma contribuição a dar no campo da defesa e acesso aos direitos e da proteção social às famílias, suas crianças e adolescentes, devendo ser importante parceira das políticas de saúde e de educação.
- Quais as alternativas defendidas pelas entidades a que você pertence ao recolhimento das pessoas que vivem nas ruas?
Hilda: Instalação de Fóruns de debates sobre alternativas de ação, que incorporem representantes das políticas setoriais (assistência social, saúde , educação e trabalho) e organizações da sociedade civil que têm compromissos com a temática. Defendemos, ainda, a presença de pessoas em situação de rua nestes fóruns.
No caso da assistência social, é preciso rever e reordenar as redes pública e privada de serviços socioassistenciais, observando a tipificação nacional dos serviços vinculados à proteção social básica e especial. Estes níveis de proteção e sua tipificação estão previstos na Resolução 109, de 11 de novembro de 2009, aprovada pela Conselho Nacional de Assistência Social. Em linhas gerais, o documento prevê diferentes níveis de proteção necessários para distintas complexidades sociais encontradas nas demandas que são apresentadas aos profissionais que atuam na política pública de assistência social.Detalho um pouco, para observar propostas recentes em espaços de debates:
▫ instalar CREAS pop (Centros de referência especializado de assistência social para população em situação de rua), unidades abertas com funcionamento – no mínimo – em 5 dias por semana e 8 horas diárias, em várias áreas da cidade;
▫ ampliar o Programa de Saúde da Família (PSF) para pessoas em situação de rua e os Consultórios de rua, considerando os resultados positivos da primeira experiência em curso no município do Rio há quase 1 ano;
▫ implementar metodologias inovadoras no trabalho direto com pessoas em situação de rua que contribuam para a autoestima e a construção de novas perspectivas de vida que ofereçam oportunidades de convivência e usufruto dos bens da cidade.
Hilda: Sim. São majoritariamente pessoas do sexo masculino (82%), mais da metade com idade entre 25 e 44 anos, a maioria proveniente das classes populares, sem trabalho regular, tendo vínculos familiares fragilizados ou já rompidos. Este perfil advém de uma pesquisa nacional patrocinada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) entre 2007 e 2008 e não aparenta mudanças na atualidade.
- A impressão que temos, andando nas ruas das grandes cidades, é que o número de pessoasvivendo nas ruas tem crescido. Esta impressão confere com os dados existentes? Em caso positivo, que causas podem ser apontadas para este fenômeno social?'
Hilda: A impressão é, sim, de crescimento desta população, mas para precisar este fenômeno aguarda-se a realização da contagem desta população no censo do IBGE, prevista para o próximo ano. Pela primeira vez, a população que vive nas ruas será considerada e contada pelo órgão oficial de pesquisa populacional. A observação, e também a pesquisa do MDS – que já citei –, esclarecem que os motivos da ida para as ruas são: problemas de alcoolismo e uso de drogas, desemprego, desavenças familiares e falta de moradia. São fatores que não se dão isoladamente, se combinam e estão correlacionados.
Na cidade do Rio de Janeiro há um grande número de pessoas vivendo nas ruas, não só no Centro e na Zona Sul, mas em bairros da Zona Oeste (Campo Grande, Santa Cruz) e nos subúrbios (Meier, Madureira, Marechal Hermes), entre outros.
- O senso comum vincula facilmente população de rua, uso de drogas e criminalidade. Como superar esta visão?
Hilda: Com relação às drogas há uma polêmica sobre se as pessoas vão viver nas ruas em função do uso abusivo do álcool e das drogas ou passam a fazer uso das mesmas depois que estão nas ruas, tal o impacto sofrido por viver nestes locais. Por outro lado, as pessoas que estão vivendo nas ruas estão em pobreza extrema e a sociedade, em geral, tende a criminalizar a pobreza e a explicitar preconceitos, como sabemos. Porém, dados de pesquisa revelam que grande parte da população em situação de rua se constitui de trabalhadores com alguma atividade que gera renda: catação de materiais recicláveis, carregador, flanelinha. São uma minoria aqueles que esmolam / pedem dinheiro para sobreviver.
- A prefeitura da cidade do Rio de Janeiro tem tomado medidas de recolhimento compulsório das crianças e adolescentes que usam crack e vivem nas ruas. As entidades a que você pertence têm se manifestado contrariamente a esta política. Qual a crítica de vocês a ela?
Hilda: Primeiro, acatamos o que dizem os especialistas da saúde mental quanto à necessidade da adesão ao tratamento ou busca espontânea pela assistência social, mesmo quando se trata de crianças. Há que se desenvolver uma ação processual de conquista e acolhimento respeitoso e atrativo ao universo infantil.
Nossa posição contrária às medidas da prefeitura do Rio se dá pela ausência de uma ação combinada com a política de saúde pública e, nela, a de saúde mental, que dispõe de estratégias alternativas à internação. Recusamos a atenção prestada aos casos de uso do crack exclusivamente pela política de assistência social, cujo papel não pode ser hiperdimensionado. Ela tem, sim, uma contribuição a dar no campo da defesa e acesso aos direitos e da proteção social às famílias, suas crianças e adolescentes, devendo ser importante parceira das políticas de saúde e de educação.
- Quais as alternativas defendidas pelas entidades a que você pertence ao recolhimento das pessoas que vivem nas ruas?
Hilda: Instalação de Fóruns de debates sobre alternativas de ação, que incorporem representantes das políticas setoriais (assistência social, saúde , educação e trabalho) e organizações da sociedade civil que têm compromissos com a temática. Defendemos, ainda, a presença de pessoas em situação de rua nestes fóruns.
No caso da assistência social, é preciso rever e reordenar as redes pública e privada de serviços socioassistenciais, observando a tipificação nacional dos serviços vinculados à proteção social básica e especial. Estes níveis de proteção e sua tipificação estão previstos na Resolução 109, de 11 de novembro de 2009, aprovada pela Conselho Nacional de Assistência Social. Em linhas gerais, o documento prevê diferentes níveis de proteção necessários para distintas complexidades sociais encontradas nas demandas que são apresentadas aos profissionais que atuam na política pública de assistência social.
▫ instalar CREAS pop (Centros de referência especializado de assistência social para população em situação de rua), unidades abertas com funcionamento – no mínimo – em 5 dias por semana e 8 horas diárias, em várias áreas da cidade;
▫ ampliar o Programa de Saúde da Família (PSF) para pessoas em situação de rua e os Consultórios de rua, considerando os resultados positivos da primeira experiência em curso no município do Rio há quase 1 ano;
▫ implementar metodologias inovadoras no trabalho direto com pessoas em situação de rua que contribuam para a autoestima e a construção de novas perspectivas de vida que ofereçam oportunidades de convivência e usufruto dos bens da cidade.
Dicas da entrevistada
Foto: HIlda em entrevista, no CRESS-RJ
Um filme
Indico um documentário intitulado Topografia de um Desnudo, de Teresa Aguiar. Baseado em fatos reais dos anos 1960, quando pessoas da rua eram retiradas dos espaços públicos e, algumas, assassinadas no rio Guandu, na zona oeste da cidade. Expõe os acordos de interesses entre governantes, políticos e policiais.
Um livro
Trabalho e população em situação de rua no Brasil, cuja autora é a assistente social Maria Lucia Lopes da Silva, informa que o não direito ao trabalho ou o trabalho degradante é determinante na expansão da população em situação de rua no país. O livro é da Cortez editora e foi lançado em 2009.
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Equipe do blog Mídia e questão social
A sugestão da entrevista nos foi apresentada por Maurílio Matos, a quem agradecemos.
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