Bicentenário da imprensa na Bahia
Claudia Correia*
A Bahia tem o privilégio de se inserir na vida cultural brasileira através da diversidade e da riqueza de expressões artísticas em muitas linguagens. Nas artes plásticas, na literatura, na música, no teatro, no cinema e na imprensa, temos dado nossa importante contribuição, evidenciando a forte influência africana e indígena na vida brasileira e construindo um rico patrimônio cultural.
Por aqui, em maio, as atenções se voltaram para os 200 anos da imprensa na Bahia. Participei de alguns eventos, como curiosa do tema e com muitas afinidades com o jornalismo impresso.
“Apontamentos para a história da imprensa na Bahia”. Este é o título do livro organizado pelo jornalista Luís Guilherme Pontes Tavares, lançado em homenagem ao bicentenário da instalação da imprensa no Brasil, comemorada em 13 de maio de 2008. O autor, que foi meu professor de História do Jornalismo na FIB em 2004, é um entusiasta da imprensa no Brasil e seus curiosos protagonistas e aspectos pitorescos.
A obra foi uma proposta da Academia de Letras da Bahia e da Assessoria Geral de Comunicação do Governo do Estado da Bahia.
O livro é um excelente guia para se compreender os momentos mais marcantes da imprensa na Bahia, passando pela fundação do primeiro jornal, os cenários e realidades de cada época e como estes influenciaram a criação dos jornais e/ou dão pistas para o entendimento sobre o desenvolvimento dos jornais no estado. A obra é uma coletânea de artigos, memórias e discurso de governadores, jornalistas, historiadores e pesquisadores da temática. Em alguns textos, o relato quase pessoal da atuação da imprensa e suas características valem mais do que cronologia histórica de detalhes épicos sobre o tema.
“Cada contribuição busca enfocar um aspecto individual ou coletivo, sendo todos significativos para a reconstrução da história da imprensa. Trata-se de uma tentativa de preservar registros feitos, de maneira espontânea e a partir de várias dimensões e perspectivas, sem rigor acadêmico e sem maiores pretensões, salientando aspectos da trajetória da imprensa baiana”, diz o professor Sérgio Mattos, no prefácio do livro.
Os artigos reunidos no livro foram elaborados entre 1889 e 1986 por Aloysio de Carvalho, Aloísio de Carvalho Filho, Antonio Loureiro de Souza, Antonio Viana, Arthur Arezio da Fonseca, Honestílio Coutinho, Jorge Calmon, Luiz Viana Filho, Milton Santos, Octavio Mangabeira, Pedro Calmon e Raimundo Bizarria.
Breve histórico
A imprensa foi introduzida no Brasil com a chegada de D. João VI, tangido de Portugal pelas forças napoleônicas do general Junot. O material gráfico - que era pertencente à Secretaria dos Estrangeiros e da Guerra - foi colocado no porão do navio Medusa, pelo conde da Barca e, posteriormente, instalado em sua casa. Depois de um ato real, a casa passou a funcionar como Imprensa Régia e de lá saiu, a 10 de setembro de 1808, o primeiro jornal editado no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro. O jornal, que a principio saía duas vezes por semana, tinha quatro páginas. Depois de passar por várias direções e denominações, sempre com caráter oficial, tornou-se, em 1º de janeiro de 1892, o Diário Oficial, que se conhece até hoje.
Praticamente ao mesmo tempo, nascia em Londres o Correio Braziliense, destinado ao mundo lusíada, fundado por Hipólito José da Costa, que se beneficiou da liberdade de imprensa existente na Inglaterra, podendo assim criticar livremente os atos do governo português.
Nós baianos assistimos a criação do segundo jornal editado no Brasil ,em 1811: Idade d' Ouro do Brasil, lançado sob a proteção do conde dos Arcos, que lhe impôs como regra a isenção total no noticiário político. Apesar disso, durante seus 12 anos de vida, defendeu abertamente o domínio português... O jornal foi editado pela Typografia Manuel Antonio da Silva Serva, no bairro do Comércio, em Salvador, que foi instituída com o status de bem público e passou então a imprimir livros e papeis avulsos.
O livro “A Primeira Imprensa na Bahia” do colecionador e professor baiano Renato Berbert de Castro conta em detalhes esta trajetória histórica e as diversas publicações editadas. Alguns exemplares raros publicados por essa tipografia ainda estão em perfeito estado em instituições de pesquisa ou com colecionadores.
Foto da Tipografia Manoel da Silva Serva , Bahia, 1811 bahiatododia.com.br
Eventos comemorativos
Várias atividades agitaram a cena urbana para celebrar o bicentenário da imprensa na Bahia.
Na Assembléia Legislativa da Bahia, dia 19, uma sessão especial marcou a data com uma Mesa bem representativa e plural. O perfil profissional das personalidades que fizeram parte da Mesa de abertura da solenidade deixou o encontro com um ar de “convergência midiática”. Vejam os personagens em cena: o presidente da Associação Baiana de Imprensa (ABI), Antonio Walter Pinheiro, o presidente da Associação Baiana de Jornalismo Digital (ABJD), Ricardo Luzbel, o secretário da Comunicação Social do Estado, Robinson Almeida, o diretor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Giovandro Marcus Ferreira, a presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba), Marjorie Moura, a coordenadora do Clube de Imprensa de Camaçari (CIC), Fabiana Monte, e o deputado federal Emiliano José (PT) que é jornalista e professor da Facom/Ufba.
No salão nobre Kátia Matoso, na Biblioteca Pública dos Barris, a Profa. Maria Beatriz Nizza da Silva, luso-brasileira, grande estudiosa do registro acerca da história da imprensa baiana, lançou dia 14 de maio, o livro inédito “Diário Constitucional: um periódico baiano defensor de D. Pedro – 1822” e, também, nova tiragem do título “A primeira gazeta da Bahia: Idade d´Ouro do Brazil”, publicados pela Editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba). A autora fez uma conferência sobre o jornal Idade d'Ouro do Brazil, o primeiro periódico baiano e o primeiro periódico não oficial impresso no Brasil, em comemoração ao bicentenário da imprensa baiana.
O “Diário Constitucional” traz a análise de alguns números desse periódico que circularam em 1822. Um estudo pioneiro, que faz uma retomada dos acontecimentos históricos e dos entraves que o jornal teve de enfrentar para poder circular. Além de ser uma importante análise para entender as bases da história da imprensa baiana, esta publicação é, também, um registro de uma fase de extrema agitação política.
Depois da palestra, foi distribuído, gratuitamente, o CDROM com as edições microfilmadas e digitalizadas do Idade d´Ouro, fruto da parceria entre o Arquivo Público do Estado da Bahia e a Fundação Biblioteca Nacional / MinC.
Enfim, entre festas e debates, refletimos sobre o importante papel da imprensa na vida cultural do país, no momento em que falamos tanto em democratização da comunicação, criação de uma efetiva política pública que trate a comunicação como um direito humano.
Sempre acreditei que a história tem esta função de nos permitir uma viagem no tempo para projetarmos um futuro melhor e exercitarmos nossa consciência crítica. Alias, por falar em crítica, achei interessante o artigo abaixo porque levanta um debate polemico sobre a função ideológica do primeiro jornal baiano. Transcrevo aqui a reflexão de Nelson Cadena para compartilhar seus questionamentos com nossos blog amigos.
* Claudia Correia - Assistente social, jornalista, profª da ESSCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Contato: ccorreia6@yahoo.com.br.
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Duzentos anos sem respostas
Nelson Cadena (*)
Semana próxima, comemoramos 200 anos de imprensa na Bahia. A data é uma referência ao primeiro jornal baiano, Idade D’Ouro do Brasil, lançado em 14 de maio de 1811, impresso na tipografia de Manoel da Silva Serva, um comerciante português e também funcionário público que Deus sabe como e por que obteve a concessão de Dom João VI para editar um periódico não oficial. Ou seja, o primeiro jornal do país, gerido pela iniciativa privada. Dois séculos transcorridos, e são muitas as perguntas sem respostas. A primeira delas é o porquê da concessão a Silva Serva, que tramitou em tempo recorde e nos bastidores, e não a outro, por exemplo o cidadão Alexandre Vieira de Lemos que desde 1809 encaminhara requerimento ao governo solicitando autorização para abrir uma tipografia?
A petição de Vieira de Lemos, que já tinha adquirido material tipográfico em Londres, sequer saiu do protocolo da Bahia, perdeu-se na burocracia, ou no desinteresse das autoridades locais, enquanto a petição de Silva Serva, um ano depois, tramitou em menos de 60 dias (um recorde considerando a ida e vinda dessa documentação através de navios, único meio de transporte). E tramitou nos bastidores, já que nenhum dos documentos até hoje arrolados pelos historiadores faz referência à publicação de um jornal.
O requerimento de Silva Serva é explícito: pede licença para imprimir apenas “livros ou papéis” e a Carta Régia de 5 de fevereiro de 1811 que o autoriza relaciona a licença com a finalidade da solicitação. No mês seguinte (29 de março de 1811) quando a instalação da tipografia já tinha sido deferida, é que o ministro (Conde de Linhares) encaminha um requerimento explícito ao governo solicitando licença para Silva Serva editar uma gazeta, segundo o documento, a seu pedido. Por que a “iniciativa” foi de uma autoridade e não do interessado e por que da tramitação tão célere nos bastidores? Sabe-se que Silva Serva acompanhou o processo, esteve no Rio de Janeiro, e não duvido que ele mesmo tenha sido o portador do documento oficial. Na ida e na volta.
Em todo caso, fica patente o interesse do governo em ter um jornal na segunda cidade em importância do Reino. E se favoreceu Silva Serva é porque enxergou no comerciante e funcionário público um empreendedor confiável. E se autorizou a edição de um periódico bissemanal é por que lhe pareceu que seria conveniente à administração do Conde dos Arcos e daí a orientação de somente publicar “escritos ministeriais e econômicos... fazer menção dos despachos civis e militares... anunciar simplesmente os fatos sem interpor reflexões”. Para o governo era um excelente negócio ter um jornal a seu serviço, sem o ônus do investimento e do custo de manutenção. Naquele momento inadmissível, diante da crise econômica do Estado.
Uma outra pergunta sem resposta, esta irrelevante, é quem teria sido o primeiro redator baiano: Gonçalo Vicente Portela, o padre José Inácio de Macedo, ou Diogo Soares da Silva de Bivar? Disse irrelevante por que nos primórdios, o jornal baiano não tinha um redator de fato e sim um editor de clipagem que selecionava e transcrevia matérias das gazetas europeias. Na imprensa brasileira, a função de editor surgiu antes das funções de repórter e de redator e no caso específico do Idade D’ouro do Brasil, o único texto que o “redator” redigia era, uma vez por outra, notas de rodapé de duas linhas comentando algum artigo transcrito de outro periódico, ou anunciando a continuação da matéria na semana seguinte.
O editor de clipagem do Idade D’ouro do Brasil, na sua face inicial (até janeiro de 1812) me sugere outra coisa: um braço da censura que o governador da Bahia, o Conde dos Arcos, fez questão de encarnar, segundo ele mesmo por zelo (estava recém-chegado e conhecia pouca gente). Não acredito que o governador saísse de seus afazeres para cuidar desse assunto. Delegava a responsabilidade ao “redator” e se realmente era assim, ao que tudo indica, este saiu-se muito bem.
(*) Nelson Cadena é colunista do jornal Correio da Bahia. Este artigo foi publicado no dia 06/05/11 no referido jornal.
Obrigada, Claudia, por compartilhar conosco um pouco dessa história que é local, mas também nacional. É incrível a presença do « jeitinho brasileiro », com seu corolário de influências e privilégios, desde o nascimento da imprensa!
ResponderExcluirVê-se o seu peso e a importância,pois nasce junto com a chegada da família real em 1808.
Um forte abraço.
Mione Sales*
(editoria Volta do Mundo/Blog M&QS)