O Serviço Social e a Questão Racial
Claudia Correia*
Os cerca de 80 mil assistentes sociais brasileiros se preparam para eleger em março os novos dirigentes dos Conselhos Federal e Regional de Serviço Social, o chamado conjunto CFESS-CRESS. O exercício democrático mobiliza a categoria e traz à tona o debate do projeto ético-politico-profissional e de temas caros entre nós. Entre 1990 e 1996 dirigi o CRESS-Bahia e o CFESS, uma experiência rica de trocas afetivas e intelectuais, essencial ao meu amadurecimento pessoal e político, que mais tarde me encorajou para a vida acadêmica e para o Mestrado. Considero uma oportunidade excelente de desenvolver o senso crítico sobre a profissão, suas contradições e seu importante significado social num contexto de desafios. Estimulo meus alunos a militarem para vivenciarem a diversidade de pontos de vista no âmbito do Serviço Social e a articulação com os movimentos sociais, fundamentais para consolidar nossos compromissos éticos.
Sempre me incomodou a timidez com que nós tratamos temas cruciais para a construção da democracia brasileira, como o combate ao racismo e a luta pela igualdade racial.
Apesar dos indiscutíveis avanços teóricos e metodológicos verificados no Serviço Social nas últimas décadas e do fortalecimento político do conjunto CFESS/CRESS, algumas temáticas ainda continuam secundárias, sem muita repercussão na nossa categoria. Acredito que o debate sobre a questão étnica-racial no Brasil é um destes temas ainda pouco explorados entre nós.
Seria injusto não reconhecer o esforço coletivo de criar no âmbito dos Conselhos Regionais de Serviço as Comissões de Gênero e Etnia,que vem mobilizando importantes segmentos sociais – aliados históricos dos assistentes sociais na luta democrática – para o combate à todas as formas de preconceito e discriminação. Algumas delas ainda não saíram do papel e dos discursos bem intencionados. Nos Congressos de assistentes socais também cresce o interesse pela temática, além de cursos de pós-graduação já terem um olhar mais atento do que no passado.
Na Bahia, que conta com o contingente significativo de negros e índios, a experiência da Comissão de Gênero e Etnia do CRESS vingou e os primeiros frutos já são colhidos. Criada em 2003, esta Comissão vem provocando discussões interessantes. Dentre os objetivos traçados, temos: construir e efetivar a transversalidade étnico/racial e de gênero nas disciplinas que compõem a grade curricular dos cursos de Serviço Social implicar entidades responsáveis pela formação curricular dentro do Serviço Social a incluir a transversalidade étnico-racial e de gênero na formação profissional e nos processos de estágio; contribuir para prevenção e o enfrentamento do sexismo e o racismo institucional.
Destaco aqui alguns marcos desta ousada empreitada. Em 2005 o CRESS-Ba promoveu através desta Comissão, o Seminário “As Políticas Sociais no combate às violências raciais e de gênero: uma reflexão das práticas do Serviço Social”, que atraiu um público muito interessado.
Folder do evento
Em 2009 ela construiu três Ciclos de debates com o objetivo de aproximar teoricamente a categoria dessa temática, que se coloca de modo inevitável no nosso cotidiano. No final deste ano, a Comissão construiu o quarto Ciclo de Debates que trouxe como temática: “Estatuto da Igualdade Racial e sua interface com as políticas sociais”.
Além disso, a Comissão fez parceria com o Curso de Serviço Social da UFBa para promover oficinas de reflexão e indicar temas de pesquisa para os alunos sobre o recorte racial nos programas sociais e ministrou um curso para os trabalhadores sociais da rede do SUAS – Sistema Único de Assistência Social vinculados à Prefeitura de Salvador. Achei a idéia deste curso muito inspirada até porque temos na Bahia os CRAS-Centros de Referência de Assistência Social em territórios quilombolas , carentes de recursos humanos capacitados para lidar com a complexa realidade local. Espero que este curso se reproduza em todo o estado e contribua para formar profissionais atentos a estas especificidades.
Para marcar o 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra, a Comissão organizou uma mesa redonda com a Profa Elizabeth Pinto, da UFBa, sobre os impactos e avanços da questão racial no Serviço Social. Citando Hanna Arendt e a obra de Franz Fanon – Os condenados da Terra, ela fez um resgate do debate nacional no âmbito da profissão e apontou as diferentes perspectivas teóricas sobre o tema, incentivando o trabalho da Comissão. A tese central dela é que a violência e a negação de direitos não se dá exclusivamente pelo viés econômico, mas sobretudo pelo simbólico e cultural e que o Serviço Social deve admitir a relevância da questão social ao interpretar os indicadores sociais que expressam a desigualdade no Brasil. Contou também sobre as experiências bem sucedidas em São Paulo fruto de articulações entre os cursos de Serviço Social e Direito da PUC-SP para formar estudantes nesta temática.
Nesta Mesa, Zizelda Viana, assistente social da Secretaria Municipal de Catu-Bahia, apresentou ainda uma reflexão sobre a contribuição do Serviço Social na implementação da lei 10.639/03 no município. A lei, altera parte da LDB-Lei de Diretrizes e bases da Educação de 1993 para introduzir a temática racial na formação escolar. Zizelda executa em Catu o projeto “Valorização da diversidade étnico-racial na escola”, contribuindo significativamente para destacar o importante papel do assistente social na política de educação.
Para sistematizar e disseminar estas experiências, representantes da Comissão de Gênero e Etnia do CRESS-Ba apresentaram uma comunicação no último ENEPESS- Encontro Nacional de Pesquisa em Serviço Social , em outubro de 2010 no Rio de Janeiro. O artigo reúne reflexões interessantes sobre a importância de levarmos ao cotidiano profissional o compromisso ético com a defesa intransigente dos direitos humanos, incluindo o combate ao racismo e a violência contra as mulheres.
Qual a contribuição destas iniciativas para o Serviço Social? Entendemos que esta é uma profissão que tem como um de seus princípios éticos o combate a todas as formas de preconceito e discriminação, previsto no seu Código de Ética (res.CFESS273/93). A profissão se insere em seu cotidiano profissional no enfrentamento das manifestações da questão social, lidando com populações desapropriadas de direitos sociais. Essa população usuária é majoritariamente composta por mulheres e homens afrodescendentes, que além de enfrentar a exclusão social, enfrentam o racismo no seu contexto de vida. As mulheres representam a base social, sustentam familias e enfrentam um mercado de trabalho explorador, racista e sexista. São dados estatísticos que comprovam que a pobreza tem cor e sexo. As demandas do movimento de mulheres passam por nós, já que a categoria ainda é majoritariamente feminina.Enfim, em tempos de debates sobre projetos, para além de interesses imediatos e eleitorais, acredito que este cenário é propício para retomarmos temas relevantes para o Serviço Social brasileiro. O processo eleitoral serve também para chamar atenção dos assistentes sociais sobre temas que estão na ordem do dia, na agenda das lutas sociais e da defesa dos direitos sociais. Afinal, para evitarmos o corporativismo e o debate apenas de temas restritos ao que é de específico da nossa categoria, devemos ampliar nosso foco, fortalecer alianças com segmentos sociais que também compartilham do ideal democrático. Certamente este é um processo em construção e o conjunto CFESS-CRESS já deu os primeiros passos.
Você se interessa pelo tema? Estude, pesquise, comente. Participe do CRESS de seu estado. Veja a nota abaixo.Visite o portal www.correionago.com.br . Lá eles aceitam colaboradores.
Risco de morte de adolescente negro é 3,7 vezes maior em relação ao branco, diz estudo.
O risco de um adolescente negro, entre 12 e 18 anos, ser assassinado no Brasil, é 3,4 vezes maior que o de um garoto branco. O dado faz parte do PRLV (Programa de Redução de Violência Letal contra Adolescentes e Jovens), divulgado em Brasília (DF), em 2010. O estudo foi feito pelo Observatório de Favelas em conjunto com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Unicef e Laboratório de Análises de Violência da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). O balanço foi realizado a partir da análise de 266 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes. Nele, o IHA (Índice de Homicídios na Adolescência) por cor da pele, com base no ano de 2007, apontou que o risco de assassinato é maior para os negros em 79% dos municípios. Em Maceió (AL), o risco de morte deste grupo chega a ser 53 vezes maior que aquele registrado entre os brancos.
Fonte: http://www.unicef.com.br/
(*) Claudia Correia – Assistente social, jornalista, profª da ESSCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Contato: ccorreia6@yahoo.com.br.
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