O MAJOR E OS ANALFABETOS
Cláudia Correia*
O falecimento do Major Cosme de Farias completou em março 36 anos. Nascido no subúrbio de São Tomé de Paripe, em Salvador, em 1875, foi um personagem marcante na cena política baiana atuando como advogado provisionado ( rábula), jornalista, vereador e deputado estadual. A sua biografia está brilhantemente registrada no livro “Cosme de Farias”, lançado em 2007 pela Editora da Assembléia Legislativa, a partir da criteriosa pesquisa da jornalista e Mestre em História Social pela UFBa, Mônica Celestino.
Lembro que fui, quando criança, a um desfile do cortejo do 2 de julho, acompanhada da saudosa “Tia Zilah”, Zilah Moreira, jornalista falecida recentemente, para cumprimentar aquela figura frágil e carismática, adorada pelo povo pobre de Salvador, que se comprimia nas ruas do velho centro para chegar perto dele, sempre impecável no seu terno e chapéu. Dois de julho é feriado na Bahia, data histórica que marca as lutas pela Independência do país do domínio português que se estenderam até Cachoeira, no recôncavo baiano.
Hoje fui andar na praça do Campo Grande com meu filho, onde após o cortejo pelas ruas do centro histórico de Salvador, ficam expostas as imagens do caboclo e da cabocla, símbolos dos heróis do 2 de julho. É interessante perceber que eles são reverenciados tanto pela simbologia com os ideais nacionalistas como pela devoção. Muitos visitantes levam presentes, flores, perfumes, pedidos em bilhetes e rezam ao pé das imagens em tamanho natural, fixadas em uma espécie de andor ornamentado.
Voltando ao nosso personagem: com apenas o curso primário, Cosme de Farias, patenteado Major pela Guarda Nacional em 1909, dedicou-se a diversas ações sociais desde 1892 e fundou em 1915 a Liga Baiana contra o Analfabetismo(LBA). O Major também teve ativa participação no Liceu de Artes e Ofícios, que voltava-se para a capacitação profissional de escravos livres e seus descendentes. A LBA congregou cerca de 200 escolas públicas de ensino primário e implementou medidas que alfabetizaram mais de 10 mil pessoas editando até 1972, dois milhões de cartilhas de ABC. Considerando os parcos recursos da época, tais resultados certamente matam de inveja os gestores públicos atuais, empenhados na execução de programas nas três esferas governamentais, como o “Brasil Alfabetizado”, “TOPA- Todos pela Alfabetização” e “ Salvador Cidade das Letras”. Num país onde a Educação foi esquecida, esse é um desafio grandioso!
Vale lembrar que a Bahia ainda é o estado com o maior número absoluto de analfabetos do país, somando mais de dois milhões de pessoas, predominantemente jovens pobres. Em Salvador, segundo o IBGE(2000) convivemos com 300 mil analfabetos.
As lições deixadas por Cosme de Farias, homenageado pela Câmara Municipal de Salvador com uma sessão especial, ultrapassam a mera filantropia social. Expressando um patriotismo raro atualmente, ele acreditava que através da educação os pobres conquistariam a ascensão social e a liberdade. A professora Mônica Celestino conta que quando ele reassumiu em 1971 o mandato de deputado estadual, discursou na Assembléia Legislativa: “O povo não pode ser escravo de ninguém. A todos, crianças e adultos, tenho procurado colocar nas mãos uma cartilha de ABC como instrumento maior de conquista da liberdade”.
Devemos assim, ao Major, símbolo dos ideais de uma sociedade igualitária e justa, um compromisso efetivo com a causa social da Educação pública e de qualidade, com investimentos suficientes para a grande demanda, com professores reconhecidos e estudantes respeitados como cidadãos. Essa é a melhor homenagem que podemos prestar a quem dedicou a vida em defesa da plena cidadania e aos heróis da Independência que sonharam com a liberdade e a autonomia, conquistadas também através da educação.
Cláudia Correia, Assistente social, jornalista, profª da ESSUCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional.
Contato: ccorreia6@yahoo.com.br
Que bonito personagem, Cláudia! Obrigada por apresentá-lo a nós… Muito rica a nossa história social! A postura e engajamento do Major reavivam as teses de Jacques Rancière sobre «O Mestre ignorante : cinco lições sobre a emancipação intelectual». Rancière acredita nesse potencial igualitário da educação, como algo que pode ser também horizontal e não somente algo imposto como um saber pelas elites. O Major é a maior prova da partilha de um saber e de uma ética. Parabéns a você e aos baianos pela independência!
ResponderExcluirGrande abraço,
Mione*
Voce ressaltou um personagem que poucos de nós, baianos, conhecem pela sua trajetória humanitária , profissional e ousada.Para os políticos de hoje é uma boa referência de um homem político mas que não deixou de ser humano, nunca abriu mão de seus valores. Ele morreu pobre mas rico no seu exemplo de vida , pelos ideais que defendeu.Parabéns!
ResponderExcluirMarla - pedagoga
Este sim, foi o verdadeiro representante do povo.Não usou a politica para benefícios próprios Deverá ser citado,como um dos raros polícos honestos.
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