segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta - Mione Sales


« apartheid mental”
Jornalista sente na pele a discriminação na França




Foto - Frédéric Hugon

Seu nome é Mustapha Kessous. Ele tem 30 anos e é jornalista do « Le Monde ». O prestígio da sua função não impede que ele seja vítima ainda hoje do preconceito e discriminação que recaem sobre os magrebinos. De mãe argelina, ele viveu toda sua vida em Lyon antes de vir para Paris. Trabalhou na redação do Lyon Capitale e depois conseguiu entrar para a equipe do « Le Monde ». Foi a convite desse cotidiano que ele escreveu na última quinta-feira (24/09/2009) um testemunho sobre o que considera um estado de « apartheid mental » reinando na França.

Mr. Kessous é como ele prefere se anunciar sempre que fala com alguém ao telefone, para evitar a reação de mal-estar que, desde jovem, sente ao pronunciar o seu nome Mustapha para desconhecidos. Ele cita uma pequena palheta de casos de que foi vítima já como jornalista: no ano passado, ao tentar participar de uma reunião com o Ministro da Imigração para informes sobre uma greve de trabalhadores clandestinos (« sans-papiers ») em empresas, o Ministro, ao vê-lo, pergunta-lhe, com um humor fora do tom, pelos seus documentos. Ao ser enviado para acompanhar pelo jornal o « Tour de France » (famosa competição anual de ciclismo), na etapa da região Loire-Atlantique, eis que, ao se dirigir a pessoas que assistiam a corrida, ele recebe uma recusa que, no Brasil, equivaleria a « não falo com alguém da sua espécie ». Enquanto isso, um outro colega de Kessous, também jornalista, era acolhido normalmente por outros membros do público.


Ele pensava que ser jornalista do « Le Monde » o protegeria desse tipo de discriminação, mas não basta se apresentar enquanto tal. A cada vez ele precisa provar que é jornalista, pois ninguém acredita. Exigem carteira da imprensa e RG. Claro que esse peri­ódico lhe abre as portas, mas quando as pessoas o veem, decepcionam-se de imediato e perguntam : « Onde está o jornalista do ‘Le Monde’ ? ». Há quem chame até a segurança, pois um tal « Mustapha » se faz passar por jornalista do « Le Monde ». Esse jornal, inclusive, tem sido acusado pela direita em alguns de seus sites como «diário de notícias i’mundo’ », por supostamente contratar árabes para cobrir as revoltas na periferia francesa. Em resumo, ele não passa, na opinião de muitos, de « um Árabe de plantão ». Fora isso, já foi confundido com motorista, segurança e até com um suspeito « marroquino » que tinha cometido um assassinato, quando fazia justamente a cobertura do caso.


Ter família, estudar em boas escolas e conseguir passar pelo funil da contratação de jornalistas no concorrido mercado da palavra francês não impede que Mustapha Kessous experimente a discriminação que milhares de magrebinos – árabes da África do Norte (Marrocos, Tunísia e Argélia), países que foram colônias francesas até não muito tempo - sem nome e sem status profissional, costumam sofrer na própria pele.


Essa experiência pessoal e profissional revela uma realidade que extrapola as cosmopolitas e atraentes luzes da Torre Eiffel e diz da « França profunda », aquela do racista Le Pen. Mostra ainda as tensões que atravessam a questão social no Hexágono, de forma semelhante a outros países europeus que recebem uma grande quantidade de imigrantes de antigas colônias ou não. Na velha modernidade do século XXI, a origem e a religião são ainda uma das primeiras coisas que europeus e franceses, em particular, indagam ou tentam decifrar com o olhar - a partir da cor da pele, do cabelo, da língua ou do sotaque -, ao se depararem com um estrangeiro.


Por isso, o escultor Frans Krajcberg, nascido na Polônia e radicado há anos no Brasil, mais exatamente em Vila Viçosa/ BA, comentava em documentário difundido no ano do Brasil na França (2005), que, depois de ter sobrevivido à Segunda Guerra Mundial, ter morado em Sttugart na Alemanha e em Paris, impressionou-o, ao vir para o Brasil, que « ninguém se preocupava com a sua origem ». As suas filiações políticas, religiosas e nacionais nunca eram objeto de perguntas ao primeiro contato. Essa abertura tupiniquim para o Outro cativou-o e fê-lo adotar em 1956 a nacionalidade brasileira.


É importante, assim, saber que sob os néons da globalização tecem-se cipós que amarram os destinos de muitos que se aventuram na vida aqui fora. Árabes, chineses, africanos ou latinos são os prisioneiros invisíveis do preconceito da era global.




*Mione Sales
Professora da Faculdade de Serviço Social da UERJ, doutora em Sociologia e licenciada em Litertura Comparada.

Ps : Para conhecer a obra de Krajcberg, visitar :
- http://krajcberg.blogspot.com/
-
http://www.krajcberg.vertical.fr/
- http://www.rfi.fr/actufr/articles/063/article_34754.asp

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