Desculpem,
vou torcer pela seleção de futebol e pelas manifestações. Pode?
Por Ana Lucia Vaz*
“Eu peço que o pessoal esqueça um pouco... eu sei que é
difícil, mas esqueça um pouco os problemas para participar da festa. Depois a
gente volta a cobrar nossos direitos”, foi o apelo de Daniel Alves, ao final do
jogo amistoso com o Panamá, dia 3 de junho. As palavras foram mais ou menos
essas. Eu não estava preparada, não tinha papel, nem caneta, nem gravador na
mão. Fui pega desprevenida pela fala direta, verdadeira e corajosa de um
jogador, no meio da enxurrada de abobrinhas que costumam ser ditas durante uma
partida.
São falas como essas que podem salvar nossa paixão nacional
pelo futebol. Mas são tão raras! Estamos mais acostumados às demonstrações de falta
de noção da realidade de Pelés e Ronaldos. Também nos habituamos ao vazio das
falas de jornalistas bem treinados em ocupar horas de microfone sem dizer nada
que possa desagradar a toda-poderosa Fifa. E ainda dizem que censura é coisa de
governos. Como dizem meus alunos: “só que não”.
Antes que me apedrejem de um lado ou de outro, não concordo
com Daniel Alves. Não dá pra esquecer os problemas. E acho que eles, lá nos
bastidores da seleção, devem estar fazendo muito esforço pra isso. Com pouco
resultado. Deu uma sensação estranha, de desconcerto, ver todos reunirem-se no
centro do campo, ao final do jogo contra o Panamá. O locutor, claro, acostumado
a conduzir a cerimônia de acordo com o protocolo, dizia que eles se reuniram
para agradecer à platéia. Houve, é verdade, alguns jogadores aplaudindo a
torcida. Mas, sei não, eles pareciam mais cobras sem veneno que jogadores que
acabaram de vencer uma partida por 4 a 0. O que será que pensavam ou sentiam?
Difícil saber. Eles vivem sob forte censura.
Talvez eu apenas tenha projetado naquelas imagens meu
sentimento. Eu tinha cinco anos quando o Brasil foi tri-campeão. “Todos juntos
vamos, pra frente Brasil” é uma música mais forte que “atirei o pau no gato”
pra me lembrar minha infância. Soube cedo que, enquanto a seleção jogava, o
governo torturava. Me tornei militante, fiz muita passeata contra a Ditadura. E
nada disso abalou minha paixão por futebol. Por muito tempo, contei nos dedos
os anos para a Copa do Mundo. Conhecia de cor a escalação da seleção brasileira
e dia de jogo era dia de muita festa.
Com o tempo fui me desencantando um pouco. A vitória da
seleção de resultados de 1994 deu um gosto de cabo de guarda-chuva na boca. A
Copa perdida para a França, com um Ronaldo desnorteado e uma seleção totalmente
apática em campo foi outro balde de água fria. Perder tudo bem. O problema foi
a sensação de perder para Nike, ou para Adidas, ou sei lá... E o futebol foi
perdendo um pouco do encanto, cada vez mais negócio, menos arte, mais
publicidade, menos esporte.
Assim mesmo, juntar a família ou os amigos pra torcer juntos
continua sendo uma festa impagável. Ai, falei a palavra errada! Na festa da
Fifa tudo é pago!!! Este ano está difícil demais. Com tantos amigos perdendo
suas casas, tantos alunos e amigos apanhando nas ruas por exigir saúde e
educação. E isso tudo em nome da Copa? Pobre seleção, pobres jogadores cujo
sonho de heroísmo virou anteparo para a ganância das mega corporações
imobiliárias, de comunicação e de esporte.
Eu vou torcer para a seleção sim, Daniel Alves. Vou torcer
porque é divertido. Porque gosto da festa do futebol. Mas vou torcer sem
esquecer que a Fifa não está nem aí para o sonho de vocês e tenta matar os
nossos. Sem esquecer que o futebol foi engolido pelo mercado.
Vou torcer porque estou cansada do debate polarizado que
tomou conta das redes e das mídias em geral. O debate burro de marcação de
posição, onde o que importa é descobrir, ou inventar, argumentos contra o
outro. Neste debate burro, o futebol é o ópio do povo. De um lado, alguns
torcem pela seleção para afirmar a Copa e apostar na “alegria” que vai acalmar
o espírito do povo e isolar esses baderneiros que tomaram as ruas. De outro, os
que torcem para que a seleção brasileira perca, apostando na mesma tese sobre o
futebol. Uma tese velha e mofada, que acha que é preciso indignação e tristeza
para fazer a revolução. Desta revolução amarga eu estou fora!
Pois eu quero que o Brasil seja campeão nesta Copa. E que a
alegria da vitória no futebol esquente os tambores dos protestos e da esperança
em um Brasil e um mundo melhor.
Para começar a juntar protestos com futebol, sugiro
espalharmos a campanha: #liberdadedeexpressaonofutebol contra a censura imposta
pela Fifa!
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* Ana Lucia
Vaz, jornalista do Conselho Regional do Serviço Social do Rio de Janeiro
(CRESS-RJ), mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas
Populares (http://www.renajorp.net),
professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.
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