Elas
são muitas mulheres
O
ACIRRAMENTO DA VIOLÊNCIA MACHISTA E O FIM DO SUPERHOMEM
“O problema são problemas
demais
Se não correr atrás da maneira certa de solucionar.”
Se não correr atrás da maneira certa de solucionar.”
CHICO SCIENCE
Mione
Sales*
A violência contra
a mulher, por sua amplitude e gravidade, exige a produção de muitos estudos e
pesquisas, e levantamento de dados, de forma a mapeá-la e a contribuir com a
formulação de políticas públicas. Como a violência é um fenômeno relacional, a
sua decifração requer também a reflexão sobre quem a comete e por que a comete.
As hipóteses são muitas. No entanto, ponho-me a refletir, pelo ângulo cultural
e social, acerca de um tema candente: a violência
do estupro (rape, em inglês, e viol,
em francês), especificamente aquela
do agressor desconhecido em relação a uma vítima, dele também desconhecida. Sabe-se,
contudo, que uma parte significativa dessas agressões contra as mulheres é
cometida por um homem conhecido da vítima.
O acaso, porém,
muitas vezes, promove encontros infelizes. O ônibus atrasou, perdeu-se o trem,
desencontrou-se do amigo, andava-se um tanto quanto distraída, talvez pensando
nos problemas do coração ou do bolso, ante a ameaça iminente de perda do
emprego ou da chance ainda não vingada de um primeiro trabalho, resolveu-se
pegar um atalho por uma rua um pouco mais deserta, saiu-se da reunião para ir
ao banheiro do campus universitário, tinha que ir embora logo, pois senão ia
levar bronca da mãe, entre outros. O que, na maioria das vezes, constitui um
risco é a combinação explosiva de um horário avançado mais um local ermo, e
sobretudo a situação da mulher estar sozinha na rua, no carro, no
estacionamento ou a fazer jogging,
com os seus fones de ouvido. Se a música ajuda a dar ritmo e coragem de se
manter em forma, as mulheres deixam de contar com o auxílio precioso de sinais,
como o barulho dos passos de aproximação do agressor.
A gratuidade desta
violência aleatória, cuja vítima poderia ser qualquer mulher que atravessasse o
caminho do agressor choca as pessoas em geral e sobretudo a nós, feministas. Este tipo de violência, no
entanto, abate-se também sobre outras vítimas da violência banalizada e
homófoba da sociedade, com o estupro e por vezes o assassinato também de
homossexuais, travestis ou simplesmente jovens gays. Se nem sempre estão a portar
vestimentas que façam apelo ao desejo masculino – velho argumento que faz parte
da cantilena conservadora que tenta justificar o porquê deste tipo de agressão
-, o que chama atenção em ambas formas de violência é o componente misógino
nelas inscrito. A feminilidade,
portanto, e tudo a ela relacionado parece consistir numa potencial forma de
risco.